Com os desejos de um feliz Natal a todos os presentes, o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) destacou em Plenário nesta quarta-feira (21), o centenário de nascimento, no dia 1º de janeiro, do dirigente comunista João Amazonas. Ele contou que João Amazonas de Souza Pedroso cresceu pobre em Belém do Pará, trabalhando desde cedo para ajudar a família: “Com apenas dez anos começou a trabalhar numa fábrica de facas.
No mesmo ano de 1922, em que essa criança arranjava, em Belém, seu primeiro emprego, no Rio de Janeiro, no dia 25 de março, representantes de trabalhadores de vários pontos do país fundaram o Partido Comunista do Brasil”.
Em 1935, João ingressou no Partido Comunista, influenciado pelas notícias sobre a construção do socialismo na Rússia e depois de assistir a um comício da Aliança Libertadora Nacional (ALN), em Belém. Em 1941, foi preso, junto com Pedro Pomar. Os dois conseguiram fugir da prisão e chegaram à capital federal, onde reorganizaram o partido, na clandestinidade. Com o fim do Estado Novo, o Partido Comunista voltou à legalidade e, em 1945, João Amazonas disputou as eleições para a Assembleia Nacional Constituinte. Foi eleito deputado constituinte, mas em 1948 teve o mandato cassado diante do cancelamento do registro do partido no ano anterior. Sua atuação parlamentar, ressaltou Inácio Arruda, esteve voltada principalmente para a defesa dos trabalhadores e seus interesses.
No início da década de 60, João Amazonas voltou a reorganizar o Partido Comunista do Brasil, sendo a primeira legenda fora do poder a romper com a nova linha política do Partido Comunista da extinta União Soviética. Entre 1968 e 1972, época do regime militar, Amazonas participou ativamente da resistência armada no Araguaia. Acabou exilado. Quando retornou, retomou a luta política. Esteve nos palanques da campanha "Diretas Já" e nas articulações para redemocratização do país.
Na história mais recente, participou das campanhas de Lula para a Presidência da República, mas morreu em maio de 2002, antes de assistir a eleição do ex-presidente em outubro do mesmo ano. “No ano em que celebraremos os noventa anos do Partido Comunista do Brasil, agremiação partidária mais antiga em atuação no país, relembraremos igualmente a vida, a obra e o exemplo deste brasileiro que nos dignifica a todos”, afirmou o senador.
Leia a íntegra do pronunciamento:
Senhor Presidente, Senhoras Senadoras, Senhores Senadores.
No próximo dia 1º, além de um novo ano que se inicia, nós, brasileiros democratas, lutadores, socialistas, comemoraremos também o centenário de nascimento de João Amazonas de Souza Pedroso, o nosso camarada João Amazonas, teórico marxista, político revolucionário, guerrilheiro e dirigente do Partido Comunista do Brasil.
Filho de João de Souza Pedroso, que migrou do vilarejo português de Valbom para Belém do Pará, onde instalou uma padaria, e de Raymunda Leal, nascida na Ilha de Marajó, teve acrescentado ao seu nome a palavra Amazonas, homenagem do pai ao país que o recebeu. Desde muito pequeno, João Amazonas teve que ajudar o pai a sustentar a família – com apenas dez anos começou a trabalhar numa fábrica de facas. No mesmo ano de 1922, em que essa criança arranjava, em Belém, seu primeiro emprego, no Rio de Janeiro, no dia 25 de março, representantes de trabalhadores de vários pontos do país fundaram o Partido Comunista do Brasil.
Amazonas ingressou no Partido Comunista em 1935, admirado com as notícias que recebia sobre a construção do socialismo na Rússia, e após assistir a um comício da Aliança Libertadora Nacional, ALN, em Belém. Em 1941, uma feroz perseguição se abateu sobre os revolucionários em todo o país e o jovem militante foi preso, juntamente com seu camarada Pedro Pomar, em Belém. A direção do Partido foi desarticulada, quase toda encarcerada. Amazonas e Pomar fugiram da prisão, atravessam o país a pé, de navio, burro, ônibus, caminhão, trem e rumaram para o Rio de Janeiro. Chegando à Capital Federal, os dois paraenses se articularam com camaradas de outros estados, objetivando reorganizar o Partido. Foi o que fizeram em 1943, quando realizaram, na clandestinidade, a Conferência da Mantiqueira. Nela, João Amazonas foi eleito para o Comitê Central do Partido.
As lutas populares, a vitória dos Aliados na II Guerra Mundial, dentre outros fatores, levaram ao fim do Estado Novo, regime ditatorial encabeçado por Getúlio Vargas, e à redemocratização do nosso país. O PC do Brasil voltou a ter vida legal. Amazonas foi um dos organizadores e um dos principais dirigentes do Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT) e disputou as eleições, pela legenda comunista, para a Assembleia Nacional Constituinte, em 1945.
Foi eleito deputado constituinte, com a maior votação dentre os deputados da Capital Federal, mas em 1948 teve o mandato arbitrariamente cassado pela Mesa da Câmara, que usou como pretexto o cancelamento do registro do Partido, em 1947. Sua atuação parlamentar esteve voltada principalmente para a defesa dos trabalhadores e seus interesses. Dentre as 17 emendas que apresentou ao projeto de Constituição, estavam a da jornada diária de 8 horas de trabalho, o direito de greve e a liberdade sindical. Defendeu, também da tribuna, a democracia e a soberania do país.
O governo Dutra reintroduziu a perseguição policialesca aos democratas e Amazonas, com outros camaradas, voltou a dirigir o Partido na clandestinidade. Quando, no final dos anos 1950, o movimento comunista internacional se dividiu, Amazonas continuou a defender o caminho revolucionário para chegar ao socialismo e, em 1962, novamente reorganizou, com Pedro Pomar e outros combatentes, o Partido Comunista do Brasil, contrapondo-se ao Partido Comunista Brasileiro, que se alinhou com as novas orientações adotadas pelo Partido Comunista da União Soviética. O PC do Brasil foi o primeiro partido fora do poder a romper com a nova linha política do PCUS.
Pouco depois, em 1964, o golpe militar instaurou a ditadura que persistiu no país até 1985. Entre 1968 e 1972, Amazonas participou ativamente da organização da resistência armada no Araguaia, no então norte de Goiás e sul paraense. Na manhã de 16 de dezembro de 1976, uma casa, no bairro da Lapa, em São Paulo, onde havia se realizado uma reunião do Comitê Central, foi cercada e metralhada pela repressão. Neste dia foram friamente assassinados três dirigentes comunistas e vários outros foram presos e torturados. Amazonas, que à época estava em missão partidária na Europa, só retornou ao país após a conquista da Anistia, em 1979. Mas, do exterior, rearticulou contatos com os comunistas que continuavam atuando no Brasil e, mais uma vez, reorganizou o Partido.
De volta ao país, o incansável João Amazonas estava nos palanques da campanha das diretas ou nas articulações que levaram à escolha de um candidato único das oposições no Colégio Eleitoral. Ele foi a Minas Gerais conversar com o governador Tancredo Neves, para convencê-lo a enfrentar o candidato situacionista no Colégio Eleitoral e, quando Tancredo, enfermo, não pode ser empossado, imediatamente defendeu que José Sarney, seu vice, assumisse a Presidência do Brasil.
Com a instalação da Constituinte, novamente com uma bancada comunista atuando no Parlamento, Amazonas acompanhou de perto todos os debates e subsidiou os constituintes com análises e propostas que, muitas delas, foram incorporadas à Constituição Cidadã.
Novas possibilidades de atuação foram abertas com a redemocratização do país, e João defendeu a unidade das forças progressistas, tendo sido um dos artífices da Frente Brasil Popular, em 1989. Participou das campanhas de Lula para a Presidência da República, embora já não estivesse entre nós para comemorar a sua vitória, pois o coração de João Amazonas deixou de bater em 27 de maio de 2002. São palavras de Lula: “Na última campanha, que nos levou à Presidência da República, senti muito a falta do saudoso companheiro João Amazonas, que durante tantos anos lutou pela unificação das oposições no Brasil. Vou reafirmar aqui que sempre encontrei no companheiro João um homem tranquilo, sereno e firme em suas avaliações de conjuntura política. Os seus ensinamentos continuarão beneficiando o nosso país".
Senhoras Senadoras, Senhores Senadores,
As contribuições políticas e teóricas de Amazonas vão além das fronteiras do Brasil. Desde o final da década de 1980, ele se opôs à política adotada por Gorbachev, que levou ao desmantelamento da União Soviética. Após o fim da experiência socialista na Europa, Amazonas conclamou a esquerda revolucionária a um profundo balanço crítico, a refletir sobre as derrotas, mas sem capitular dos ideais socialistas.
Atendendo a seu último pedido, seu corpo foi cremado e as cinzas lançadas em Xambioá, Tocantins, onde tombaram vários dos companheiros que lá enfrentaram a ditadura com armas nas mãos. Nessa cidade será implantado o Memorial do Araguaia, numa justa homenagem àqueles que tombaram na luta por direitos libertários.
Muitas vezes as circunstâncias me permitiram manter contato, entabular conversações, trocar ideias com João Amazonas. Pessoa afável e serena, firme em suas convicções, mas ouvinte atento, com uma visão ampla do socialismo e das pessoas que, mesmo em outros partidos ou sem atuação política aberta, ele considerava socialistas, pelo amor que expressavam pela coletividade, pelas atitudes solidárias, pelo sentimento humanitário.
Hoje João Amazonas é nome de rua na sua cidade natal, Belém, no Rio de Janeiro e em outros municípios; de escolas municipais em Curitiba e Recife; do Centro de Formação Profissional do município de Santo André e da escola de Educação Profissional, ligada ao Sindicato dos Metalúrgicos de Jaguariúna e Região (SindMetal), em São Paulo, além de bibliotecas e vários cursos sobre marxismo e socialismo.
Como afirmou sua viúva, dona Edíria Carneiro: “Toda a trajetória de sua vida foi dedicada à luta pelos direitos dos explorados e oprimidos. Sonhou e lutou, desde a sua juventude até os últimos dias de sua longa vida, por um mundo melhor e mais digno para todos”.
No ano em que celebraremos os 90 anos do Partido Comunista do Brasil – a agremiação partidária mais antiga em atuação no país –, relembraremos igualmente a vida, a obra e o exemplo deste brasileiro que nos dignifica a todos: João Amazonas.
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