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segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Energia não é mercadoria! Não à Privatização da ELETROBRAS! Íkaro Chaves

Lênin vive! Paulo Vinícius Silva

(…) Então enviaram os guardas um pedreiro com uma faca para eliminar a inscrição.
E ele raspou letra por letra, durante uma hora
E quanto terminou, lá estava no alto da cela, incolor
Mas gravada fundo na parede, a inscrição invencível:
VIVA LÊNIN!
Agora derrubem a parede! disse o soldado.
A inscrição invencível - Bertolt Brecht


Vladimir Ilitch Ulianov, Lênin - cujo nascimento em 22 de abril cumprirá 150 anos - é considerado por muitos o maior revolucionário de todos os tempos. Não é à toa que ele sempre foi cercado de admiradores, detratores e falsificadores. Polemista inquieto e apaixonado, o combate a ele até os dias de hoje apenas faz luzir a estrela da rebelião que sempre foi seu norte. Lênin é para quem quer mudar o mundo de verdade. 
Lênin, fazendo raiva à burguesia e desancando o oportunismo até os dias de hoje.

Não é o sujeito biográfico, quanto lhe queremos ou não, que merece nossa mirada. Fosse assim, não importaria nem causaria tanto bafafá.  Contra a essência revolucionária do pensamento de Lênin foi muito usado valorizar o que é cosmético e esquecer do seu conteúdo, como fez a URSS após Kruschev. Até Gorbachev falava de Lênin enquanto entregava a rapadura ao capitalismo - depois seria garoto propaganda da Pizza Hut. Ou ainda, torná-lo o senhor do "não pode", para ossificar a grande virtude de seu pensamento,  a plena aplicação da dialética à situação concreta e pensar nisso como gente organizada para mudar o mundo. Lênin brilha mesmo é pelas posturas e saídas teóricas, por sua singular capacidade de superar dilemas teórico-práticos pela dialética marxista, e apontar saídas revolucionárias. Ele queria fazer a Revolução. Disseram que não dava. Ele foi lá e fez. Quem quis fazer e vencer na Revolução, leu e aprendeu com Lênin.
Lamentavelmente, é um pensador pouco compreendido, diria até desconhecido, assim me parece, e isso a despeito do monumental esforço de popularização e compilação de sua obra feito por Stalin após a sua morte. Por isso, superficialmente, como estímulo ao seu estudo, e para sistematizar minhas próprias opiniões, cito o que penso aspectos essenciais no pensamento revolucionário de Lênin.
Primeiro, ele atualiza a visão marxista sobre a concentração do capital como tendência histórica do sistema capitalista. A análise do sistema bancário europeu na passagem do século XIX para o século XX levou-o a definir a etapa do imperialismo como a era do capital financeiro, da oligopolização, da centralização inclemente de capitais, da unificação do capital industrial e comercial, com repercussões profundas na suposta concorrência entre mercados. Elucida, assim a injustiça do capitalismo, que corresponde a um processo de concentração de renda e poder contra as maiorias trabalhadoras que são as únicas produtoras de toda a riqueza. Em vez da livre concorrência e do mercado endeusado, o capitalismo é o regime dos monopólios e oligopólios. Hoje, 1% da humanidade detém mais riqueza que 99%. 
Esse processo profundo e mundial de centralização, planejamento e produção industrial ascendente, longe de levar a uma suposta paz dos mercados e do capitalismo racionalizado,  recrudesceria como tensões inter-imperialistas que desembocariam em guerras e crises cada vez mais intensas. Seria essa a última etapa histórica do sistema capitalista, porque o nível do desenvolvimento científico, industrial e tecnológico levaria a tendências destrutivas, a não ser que fossem apropriadas pela maioria, superando a lógica da sociedade capitalista, que é a ditadura da burguesia e da manutenção do trabalho assalariado.
Ele não via o fenômeno apenas negativamente, mas a partir de suas múltiplas determinações. Chamava a atenção para o imenso progresso e para suas consequências sobre a emancipação da mulher, denunciando a escravidão do trabalho doméstico. O planejamento, a produção em série, a industrialização seriam ainda mais avançadas numa sociedade dirigida a favor de todos. Como o capitalismo persiste, a realidade de avanço científico seria apropriada contra as amplas maiorias, num regime oligopolista. Por isso, dizia Lênin, o imperialismo seria a ante-sala do socialismo, sistema visto como superior e sucedâneo ao capitalismo, inclusive quanto ao progresso tecnológico. Nele, as vantagens do progresso seriam revertidas em favor das classes trabalhadoras, e não de uma minoria rica.
Vladimir Lênin estabeleceu uma justa relação dialética entre tática e estratégia, o movimento espontâneo das massas e como ele se torna movimento consciente, assim como os limites dos movimentos sem a luta geral pelo socialismo e pelo poder. São dilemas constantes da luta política que vivemos todos os dias. Ele aponta para a capacidade de o movimento dos trabalhadores e trabalhadoras superar as tendências economicistas, corporativistas e espontâneas, quanlificando-se para uma disputa maior que a negociação das condições de venda da força de trabalho. Lênin descortinou o caminho do poder para os oprimidos. 
Fez a crítica ao espontaneísmo, mostrando que a revolta episódica, local, por um aspecto específico desse ou daquele movimento, que o elogio do improviso e a ausência de organização e método na luta são o normal do movimento. Como tal, tem sua importância e são inevitáveis, pois decorrem das contradições objetivas da sociedade de classes e da exploração que promove.  Mas não bastam. O pensador russo demonstrou como todo movimento separado de uma visão sistêmica de disputa pela hegemonia só levaria às tentativas de manutenção do capitalismo com base nas ilusões de sua humanização. Mesmo o movimento sindical degeneraria em oportunismo, se os trabalhadores e trabalhadoras perdessem de vista que o objetivo é a própria superação da sociedade assalariada e o poder para as maiorias.
Os movimentos espontâneos, corporativos e gremiais tem avanços e refluxos, derrotas e vitórias, momento de grande animação e também de marasmo e crises, e podem inclusive ser policlassistas.  A pedra de toque para dirigir esse fluxo num sentido revolucionário, seu sujeito,  não é um indivíduo, mas um coletivo, um partido político capaz de superar o economicismo, o movimentismo, concentrando em uma força política unida o poder das maiorias, da classe trabalhadora. 
O partido de vanguarda, se estiver à altura, deve ser a solução da contradição entre o específico e o geral, chefes e liderados, organizando a partir da luta espontânea a consciência permanente, orgânica da classe trabalhadora. O espontâneo, a despeito de sua força e inovação pode dar em nada, ou servir aos fins opostos que pretendia, se não tiver uma direção, porque há uma permanente disputa pela hegemonia e a manutenção da sociedade capitalista. Seu caráter injusto levaria a contradições, choques e crises. Educar o povo na luta permitiria a disputa pelos trabalhadores da hegemonia e a construção de uma nova sociedade. Haveria na prática uma escala de progressiva consciência que iria das questões cotidianas mais simples até à concepção da vanguarda, materializada no Partido Comunista e na sua forma de direção, o centralismo democrático, em que todos os organismos e posições se construiriam de baixo para cima e se asseguraria a liberdade de pensamento e discussão, para em seguida construir uma forte e indestrutível unidade num sistema de direção coeso e capaz de fazer frente à unidade dos capitalistas como um punho cerrado para levar a classe trabalhadora à vitória.
Lênin estabelece uma escala realista de consciência política que considera o espontâneo um momento fundamental para o consciente, ligando a luta pela reforma e a luta pela Revolução numa amálgama entre a teoria e a prática, a praxis. Por isso, toda a luta, mesmo a menor, pode ser eivada de significado revolucionário.
A partir da recusa à conciliação com as burguesias europeias em favor da guerra imperialista e dos nacionalismos na I Guerra Mundial, Lênin subverte a concepção vigente no movimento social-democrata, que situava a possibilidade do socialismo apenas nos países industrializados, assim como nas metrópoles coloniais. A partir do estudo do desenvolvimento desigual no capitalismo, Lênin observa que as tensões inter-imperialistas que ocorriam com conflitos cuja fachada religiosa ou supostamente nacional, em verdade escondia a ganância infinita de lucro capitalista. Assim, em vez de somar-se aos interesses de suas burguesias nacionais, Lênin apelava para a rejeição de tais ilusões, para que por detrás delas e evidenciasse que as burguesias empurravam o proletariado para o massacre em favor de seus lucros, apenas. 
Por outro lado, as guerras e as crises capitalistas sucessivas levariam a grande instabilidade, sistêmica, criando fragilidades específicas, históricas, singulares, em que os elos frágeis na cadeia imperialista permitiriam avançar para o socialismo. Haveria, portanto, condições revolucionárias inclusive em países economicamente atrasados, sob jugo colonial, podendo assim avançar para o socialismo. Essa nova liberdade altera as hierarquias postas no movimento operário, recolocando a revolução e o socialismo em relação dialética com a tática.
Lênin inaugura uma época de grandes possibilidades táticas, defendendo as alianças e um notável realismo político, mas que não se detivesse no reformismo ou no cretinismo parlamentar, mas apontasse para a transformação revolucionária da sociedade. Assim, longe do principismo, da negação de alianças, da defesa de uma única forma de luta, Lênin defendia a legitimidade de todas as formas de luta, exceto o terrorismo. Estabelece que não importa a forma de luta em si, contanto que seja uma maneira de politizar a luta de massas e ampliar o poder da classe trabalhadora. Assim, reforma e revolução, luta eleitoral, de ideias, econômica, política, insurreição, todas se entrelaçariam num complexo encadeamento de fatos políticos em meio à história, cabendo à vanguarda conduzir o movimento espontâneo à consciência que permite a conquista do poder político e a transformação socialista da sociedade, em vez de deter-se nas reformas.
Ele deslindou a natureza de classe do Estado e da democracia burguesa, apontando-as como formas transitórias e em disputa na luta pela hegemonia na sociedade. O estado capitalista e a sua ditadura de classe se afirmariam particularmente nos momentos de crise, em que o poder militar, judicial e ideológico assegurariam inclusive pela força a manutenção da ordem capitalista. Assim, a luta pela democracia, como todas as lutas, teria um caráter de classe intrínseco, não sendo universais nem imutáveis, e estando ao escrutínio da consciência avançada. 
Lênin aponta o caminho do poder político e da construção econômica para a classe trabalhadora, com a destruição do regime mais despótico e atrasado da Europa. As consignas Pão, Terra e Paz e Todo poder aos sovietes levaram a uma mudança sem precedentes, com a conquista e manutenção do poder soviético. O seu êxito prático apontou todavia a imensa complexidade da construção econômica no socialismo como regime de transição entre o capitalismo e a utopia da sociedade comunista. Lênin inaugura um frutífero pensamento tático e estratégico, experimentando a disputa no seio da esquerda, a luta pelo poder e as possibilidades econômicas e políticas de uma nova sociedade que até então só existira em teoria. 
O desassombro com que avançou e recuou na política e na definição das formas da propriedade ilustram a situação de imensa dificuldade e a busca de caminhos para afirmar uma sociedade superior à capitalista. Comunismo de guerra, Nova política Econômica, Trabalho voluntário, diversas formas de propriedade, tudo aponta para um pensamento econômico e político com margem de manobra e fidelidade aos princípios. A sociedade socialista surge múltipla e como forma de transição na própria experiência soviética, com avanços e recuos. Brilha em seu pensamento  a grande preocupação com o progresso econômico e com a defesa de uma hegemonia baseada na aliança entre operários e camponeses. 
A propriedade privada e o mercado deixam de ser tabu e são defendidos como instrumentos da transição de sentido socialista, inclusive pela utilização do capitalismo de Estado e o socialismo como regime de propriedade mista, de acordo com a história econômica de cada formação social.  No centro da justeza e do êxito estariam o poder político. A China e o socialismo Chinês em grande medida bebem dessa teoria do desenvolvimento e da transição socialista formulada inicialmente por Lênin. Por isso não há modelo de socialismo e cada experiência será original, única.
Por tudo isso, em meio à crise da humanidade, Lênin segue atual, parte da luta dos oprimidos para tomar em suas mão o seu destino. E essa é a única homenagem digna de sua obra, uma vida inteira dedicada à transformação socialista, que demonstrou a sua viabilidade. E há tantas questões novas que o seu exemplo de sinceridade, obstinação e estudo rigoroso iluminam a nossa luta por responder aos desafios atuais do movimento. 


Dialeticamente, o seu pensamento será superado na medida em que os dilemas que nos afligem sejam eles próprios batidos pela capacidade da classe trabalhadora ser autora dessa  superação, na medida em se possa unir o sofrimento atomizado de todos os oprimidos e oprimidas na tomada de consciência para o mudar o próprio destino e a história, conquistando a sociedade das maiorias, a sociedade socialista. O combate que lhe fazem - sempre a direita, porque ninguém esteve à esquerda de Lênin - é um sinal de saúde de seu pensamento revolucionário, que devemos conhecer e difundir como ferramenta e inspiração, clareando os caminhos da luta. Se o tempo não lhe corrói, há duas causas: não cessaram os fenômenos a que refere e seu pensamento nos ajuda a desvendá-los revolucionariamente. Há soluções passadistas que se apresentam como novas, social-democratas em especial, mas com um inevitável cheiro de naftalina e a hipocrisia que lhes é natural. Ao contrário do pensamento vivo e combativo, transformador, que encontramos em Ilitch e que somos chamados a desenvolver, pois é a isso que ele nos desafia.  Com o exemplo vivo dos escritos de Lênin somos todos elevados(as) à condição de sujeitos conscientes de nossa própria emancipação, pois para ele, sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Os tecelões de Kujan-Bulak - Bertolt Brecht


 Sugestão de Andrea Oliveira


1
Com freqüência, e generosamente
homenageou-se o camarada Lênin. Existem bustos
e estátuas.
Cidades receberam seu nome, e também crianças.
Fazem-se conferências em muitas línguas
há reuniões e demonstrações
de Xangai a Chicago, em homenagem a Lênin.
Mas assim o homenagearam os tecelões de Kujan-Bulak,
pequena localidade no sul do Turquistão:

Lá, vinte tecelões deixam à noite,
tremendo de febre, seu tear miserável.
A febre está em toda a parte: a estação
é tomada pelo zumbido dos mosquitos, nuvem espessa
que se levanta do pântano atrás do velho cemitério de camelos.
Mas a locomotiva, que
a cada duas semanas traz água e fumaça, traz
um dia também a notícia:
Que está próximo o dia de reverenciar o camarada Lênin.
E a gente de Kujan-Bulak,
gente pobre, tecelões,
decide que também na sua localidade será erguido
um busto de gesso para o camarada Lênin.
Mas quando o dinheiro é coletado para o busto
encontram-se todos frementes de febre, a contar
seus copeques duramente ganhos com mãos sôfregas.
E o guarda vermelho Stepa Gamalew, que
conta com cuidado e observa com rigor,
vê a disposição de homenagear Lênin e se alegra,
mas também vê mãos inseguras.
E faz de repente a proposta
de com o dinheiro para o busto comprar petróleo
e derramá-lo no pântano trás do cemitério de camelos
de onde vêm os mosquitos
que produzem a febre.
De modo assim a combater a febre em Kujan-Bulak, e isto
em honra do falecido
mas não esquecido
camarada Lênin.

Assim decidiram. No dia da homenagem conduziram
seus baldes amassados, cheios do petróleo negro
um atrás do outro
e regaram o pântano com aquilo.
Eles se ajudaram, ao homenagear Lênin
e o homenagearam, ao se ajudar, e o haviam, portanto,
compreendido.

2
Ouvimos como a gente de Kujan-Bulak
homenageou Lênin. E quando, à noite
o petróleo havia sido comprado e derramado no pântano,
ergueu-se um homem na reunião, e solicitou
que fosse colocada uma placa na estação
com a narrativa do acontecimento, descrevendo
precisamente a mudança do plano e a troca
do busto de Lênin pelo tonel de petróleo destruidor da febre.
E tudo em homenagem a Lênin.
E também isto fizeram,
e colocaram a placa.


Autor: Bertolt Brecht (1898-1956)
Editado por: nicoladavid

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

A militância nossa de cada época - Luciano Siqueira* - Portal Vermelho

Vermelho
“Certa vez, como ocorre com certa frequência, um grupo de estudantes me entrevistou demoradamente (no meu gabinete de vice-prefeito do Recife) acerca do período do regime militar”.

por Luciano Siqueira


Perguntas várias, curiosidade comovente, misto de surpresa diante da descoberta de fatos dramáticos da vida brasileira (dos quais sequer suspeitavam — haviam lido alguma coisa, adiantam, mas não tinham ainda conversado com ninguém que os tivesse vivido diretamente); e de alumbramento, por chegarem “tão perto” (no dizer de um deles), através do nosso relato, de coisas “quentes” de nossa História recente.

(O bom dessas entrevistas com jovens estudantes é isso: o despertar para o conhecimento da História real e a descoberta do povo como protagonista).

Mas eis que, ao término da conversa, uma jovem do rosto sardento e jeito tímido, óculos de aros escuros, que nos chamara a atenção pelo quase mutismo e pelo olhar grave, pergunta:

– É muito mais fácil ser militante hoje do que naquele tempo, não é mesmo?

– Não. Hoje, sob certos aspectos, é até mais difícil.

Diante do ar surpreendido dela e dos seus colegas, esclareci:

É certo, sim, que a militância partidária, especialmente no Partido Comunista, naquela época, era muito difícil. Atuávamos clandestinamente, sujeitos a privações e a riscos, com a cabeça colocada a prêmio. A qualquer momento podíamos ser presos e torturados, como de fato fomos; ou a ter a vida sacrificada, como muitos companheiros tiveram, assassinados sob tortura ou em embate aberto com as forças da repressão policial.

Porém, como a militância é uma opção consciente, uma atitude subjetiva — era relativamente simples justificá-la: o regime de exceção, o povo sufocado, vilipendiado e submetido a um modelo de desenvolvimento excludente. Lutar era, assim, um imperativo de consciência.

Hoje já não temos nossas cabeças colocadas a prêmio. Não corremos o risco de agravos à integridade física.

Mas, do ponto de vista subjetivo, a militância implica encontrar respostas para uma gama enorme de problemas teóricos e políticos — da perspectiva socialista aos intricados assuntos relacionados com a situação política atual, a ruptura institucional no processo de impeachment da presidenta Dilma ao arrepio da Constituição, o retrocesso às políticas neoliberais encetado pelo interino governo Temer e agora a regressão civilizatória intentada por Bolsonaro, e mesmo o desgaste da esfera política aos olhos da maioria da população.

Antes sofríamos a pressão dos tanques e das baionetas, hoje, o torpedeamento da mídia, a complexidade do debate de ideias.

Nesse sentido, a militância comunista será sempre um desafio instigante. E também uma fonte de felicidade pessoal, quaisquer que sejam as circunstâncias — em qualquer época.

*Médico, vice-prefeito do Recife, membro do Comitê Central do PCdoB

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Prefiro Lênin aos amigos da onça - Paulo Vinícius Silva




















Um dos aspectos negativos da “cultura” das redes sociais é uma espécie de superindividualização aparente. A rede semeia ilusões. Esclarece Eva Illouz em “O Amor nos tempos do Capitalismo” que certas prenoções que nos aparecem como dados de realidade, acabam sendo intrinsecamente falsas. A internet baseia-se em grande medida na assunção dos pressupostos do “credo psicológico”: 1) seria possível descrever a si mesmo e com fidelidade através de palavras; 2) uma tal transcrição da personalidade poderia ser traduzida para os algoritmos e formulários que compõem os nossos avatares, perfis, o que permitiria a identidade entre o que somos e nossa apresentação nas redes; 3) haveria equivalência das relações humanas virtuais e reais, entre perfis e personalidades; 4) a constituição de um mercado de personalidades, cuja interação ampliaria nossos horizontes, inclusive afetivos. Ora, já calejados, é fácil perceber o engodo, se miramos bem no olho do bicho, nem maior, nem menor do que é.

Nesse “decifra-me ou te devoro” pós-moderno, o mundo da auto representação mercantil das redes diferencia-se muitíssimo do que somos em realidade. Sentimos a solidão, que não diminui com os novos laços que se dão dentro dessa fôrma, que visa sobretudo ao lucro e ao controle. Observamos a crescente dificuldade dos seres humanos em diferenciar realidade e o "real" pintado na rede. As notícias falsas que criam os cachorros loucos do fascismo são um fenômeno tão estrutural quanto o mapear espião a serviço das agências de segurança com fins políticos e militares. O "big data" é o grande irmão, novo oráculo dos anseios humanos, reduzidos ao fetiche da mercadoria. Liberdade vira controle. Individualidade e identidade tornam-se padronização. E somos tangidos a acreditar que esse é o único espaço válido para a política, a afetividade, o conhecimento, a ponto de carregarmos para o vaso sanitário um GPS, uma câmera de vídeo e um gravador e acharmos isso normal. Sorria, você está sendo manipulado.

Como não poderia deixar de ser, a política é profundamente influenciada por essas concepções habilmente urdidas. O maquiavelismo de um Steve Bannon é apenas a face visível de algo mais profundo, estrutural, que está na gênese da internet e nos seus desdobramentos, como o inverno fascista que sucedeu a dita “primavera árabe”. A não ser que acreditemos no conto da carochinha do espontâneo que une numa mesma quadra histórica a internet, os celulares e o ressuscitar do fascismo como alternativa politica. No capitalismo é assim, todo o progresso da humanidade é pervertido pelo fetichismo da mercadoria a serviço dos oligopólios e dos super-ricos, os semideuses que compõem o 1% que define os destinos do planeta em sua marcha da insensatez.

É nesse ambiente cada vez mais árido, de pescoço duro de tanto olhar o celular, que vemos surgir a militância que se esgota nas redes. Mesmo entre os encarnados, proliferam concepções estranhas, comportamentos “lacradores”, que é o que se exige como critério de sucesso na rede. Há até quem se diga comunista e não compreenda nem o valor da luta coletiva nem da linha política. "Onde você milita? Nas redes, e só." A política das personalidade equivale à entronização da cultura dos avatares e youtubers, agravada com a autonomização das máquinas eleitorais. De repente, nesse mundo de aparência e voto, a complexidade da política e da militância passa a resumir-se a uma espetacularização sem fim. E, para tanto, a agressividade é imprescindível. Tem que "lacrar". Tem que "causar". Tem que ter “likes”, seguidores, e essa acriticidade pode estar na raiz das derrotas que temos sofrido, um fenômeno mundial, inscrito na estratégia de guerra híbrida, golpe suave e avanço do irracionalismo, do fascismo e da extrema direita.

Escandalizam-me a perda do valor do coletivo e as ilusões superindividualistas, que criam entre nós mesmos essas personalidades que se lastreiam apenas em máquina e nuvem. A competição para “lacrar” é tamanha que a reflexão fica em segundo plano. E aí, desperdiçamos o mais transcendente patrimônio da vigência heróica do leninismo, que é a capacidade de elevar incontáveis indivíduos atomizados sob opressão à unidade do coletivo que constrói a “linha”, a política, o caminho e mudam em profundidade a realidade. Mas parece que o “bonito” é afirmar-se contra a linha política, em vez de a compreender e aplicar. Do mesmo modo que somos lindos e maravilhosos, felizes, bem sucedidos para além da medida em nossos perfis - só que não - comportamo-nos como manada ao achar que nossa individualidade é mais importante que o nosso conhecimento, a teoria, a organização, toda essa riqueza que é o único caminho para ser comunista. Teóricos de orelha de livro, analistas do efêmero, vaidade das vaidades, nada disso vale um cibazol partido, não nos iludamos.

Curiosamente, são comportamentos altamente padronizados, coletivos, que ocorrem não apenas na esquerda, mas compõem também os perfis “bolsominions" que ridicularizamos. No mundo de espelhos da pós-modernidade e da pós-verdade, a ilusão é tudo, e a realidade é nada.

Daí me vem à memória o personagem célebre do cartunista Péricles, o Amigo da Onça, notável em sua capacidade de mal aconselhar e pôr os “amigos” em dificuldade, daí o nome: não era o teu amigo, mas da onça que te queria devorar. A recordação emergiu em meio às polêmicas quanto aos desdobramentos da linha política do PCdoB: a defesa de uma Frente Ampla para que o Brasil possa superar a dramática encruzilhada histórica que se reafirma: Soberania, Democracia ou Direitos ou entreguismo, ditadura e escravidão.

É nesse contexto que surgem diversos conselhos de amigos da onça. Causa um ciúme grande essa tradição do PCdoB pensar por si. Por um lado, “amigos” propõem-nos o gueto do sectarismo, que representaria a “pureza” da esquerda, quando em verdade significa apenas a derrota e a subordinação ao hegemonismo deste ou daquele partido e cacique político. Por outro, ouvimos a cantilena eleitoreira do oportunismo sem base nem ligação com o povo, que nos aconselha atalhos para o precipício. E, sabe-se lá por que e com que interesses, viceja, mesmo entre nós, certo tipo de miopia que tem tudo a ver com o advento das redes e dessa cultura de avatares e perfis “lacradores”. De um lado e de outro, o radicalismo é equivalente à pobreza de argumentos e teoria. O senso comum, as piadinhas, os ataques e a superficialidade substituem um amplo e generoso caudal teórico em que sequer se põem os pés. Daí a um “Adeus Lênin”, é um pulo. De há muito os comunistas sabemos diferenciar aparência e essência, desviando-nos de radicalismos estéreis e oportunismos igualmente auto-destrutivos.

Parece que a “linha” é um detalhe, ou um desafio a ser batido. Mas a nossa linha política, aprendi ao longo do tempo, é uma riqueza, uma luz, um caminho. Não é um guia infalível, nem é imutável. Desenvolve-se com a minha e a tua ação concreta, na vida e nas redes, e permite reconhecermo-nos como aquilo que somos, se somos comunistas, que têm linha, coletivo, têm uma têmpera especial. E é tudo isso que nos permite ligarmo-nos ao povo.

Nesse caminho de buscar a ligação com as massas, não há atalhos, mas há caminhos. A UJS de há muito, e a CTB mais recentemente, hão demonstrado a utilidade das escadas que permitem ao nosso povo avançar para a consciência avançada e de vanguarda. Nós defendemos uma ampla aliança e somos cuidadosos e igualmente amplos no contato com o povo. O forte anticomunismo que se cevou em nossa pátria e no mundo nunca nos impediu de trabalhar com a situação concreta e a realidade concreta, e toda batalha é um capítulo para o avançar da consciência. Comunista que se assusta com isso, vacila, apenas. Tarimbados nas lidas da clandestinidade, serenos face às dificuldades, cheios de esperança na nossa gente, habilmente o PCdoB defende uma Frente Ampla, o Movimento Comuns e o Movimento 65 como espaços para crescer nosso diálogo, influência e a consciência do nosso povo, são caminhos da guerrilha política para vencer o cerco.

Os “amigos"que por isso se doem, que se apressam a decretar nosso fim, que nos “denunciam”, cobrando de nós o patíbulo, a burrice e o martírio, perfilam-se ao lado do personagem de Péricles, amigos da onça, anseiam pelo nosso fracasso, é indisfarçável. Teremos cada vez mais chapas e candidaturas próprias, o PCdoB se afirmará e crescerá porque tem a política mais justa e generosa. Temos as lições do passado, o coração com o povo e os olhos no futuro. Há que focar no que soma e ouvir quem conosco está, muito ajuda quem não atrapalha.

Nossa política é densa, profunda, complexa. A Frente Ampla não é a descaracterização de nosso Partido, a perda da capacidade de pensar por nós mesmos. É, em verdade, a mais refinada e sincera manifestação de solidariedade com o nosso povo sofrido, o único caminho viável para determos a escalada de derrotas que nos abatem desde o Golpe de 2016, é combater nosso isolamento, estigmatização, por um lado, e a pasteurização e a esterilização do reformismo, de outro. Muitos seguiram, no passado e no presente, o caminho fácil da cantilena eleitoreira. Sua "genialidade" deu em desmoralização e derrotas, não é à toa que desde fora nos conclamam a seguir para o pântano. No caminho do centenário, somos desafiados a pensar no movimento presente com o olhar no futuro; e sem Partido Comunista não haverá socialismo nem futuro para a humanidade. Como dizia o ideólogo do PCdoB, João Amazonas, há neste princípio de século luzes e sombras, mas a humanidade há de testemunhar grandes esperanças. Mas apenas, como ensinou Renato Rabelo, se não perdermos de vista o grandioso ideal socialista.