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quinta-feira, 28 de junho de 2018

Os desafios de López Obrador diante da falência do Estado mexicano - Portal Vermelho

Os desafios de López Obrador diante da falência do Estado mexicano - Portal Vermelho:

No próximo domingo (1) os mexicanos vão às urnas eleger o novo presidente. O favorito nas pesquisas de intenção de voto é o progressista Andrés Manuel López Obrador, do Movimento de Regeneração Nacional (Morena). Caso seja eleito, López Obrador terá pela frente uma longa batalha para reconstruir o Estado mexicano, que chegou à bancarrota durante anos de governos neoliberais, enfrentar o narcotráfico e crime organizado, além de encarar as políticas hostis de Trump. 

Por Mariana Serafini

AFP
Esta é a terceira vez que López Obrador concorre à presidência do MéxicoEsta é a terceira vez que López Obrador concorre à presidência do México
Em entrevista ao Portal Vermelho, o analista social mexicano Alejandro Villamar, membro da Rede Mexicana de Ação frente ao Livre Comércio e da Coalizão México Melhor Sem TLCs, destrincha estes desafios de López Obrador. O ativista vê atual situação do país como um momento em que é possível virar o jogo e fortalecer uma política de mudança profunda. 

Segundo Villamar, esta não é a primeira vez que uma coalizão progressista pode vencer as eleições, porém, pode ser a primeira vez que será possível enfrentar as mega fraudes eleitorais que costumam levar os neoliberais o governo.

Ao longo da campanha, López Obrador cresceu nas pesquisas e lidera as inteções de voto  
 
O analista afirma que, caso López Obrador chegue ao governo, deverá recuperar “valores históricos” para enfrentar os desafios de um México com o Estado dilacerado pelos neoliberais num momento de crise do modelo globalizador em todo o mundo. Para enfrentar trilhar este caminho, a prioridade deve ser “superar a dependência externa mediante o fortalecimento nacional e regional”. 

Com relação à política externa, a população deposita a confiança em um novo governo capaz de enfrentar a política xenófoba e anti-imigração de Donald Trump, diferente do que tem sido a gestão de Enrique Peña Nieto. 

Leia a entrevista na íntegra: 

Esta é a primeira vez que a esquerda pode chegar à presidência através de eleições. É possível atribuir este fato à falência da gestão neoliberal que está em vigor no México há anos?
Vamos especificar: é a primeira vez que um grande bloco social encabeçado por um candidato progressista de esquerda pode, capitalizando e orientando o profundo mal-estar social contra a política antissocial e pró transnacional, impedir uma mega fraude eleitoral presidencial, com 49% a 53% das preferências nas pesquisas eleitorais mais recentes. Já em 1988, 2006 e 2012 os candidatos da esquerda no México venceram a eleição presidencial, mas a debilidade organizativa não pôde impedir que os candidatos neoliberais fossem impostos mediante mega fraude eleitoral. 

Nestas eleições de 1 de julho o Morena (Movimento De Regeneração Nacional – com 4 anos de idade), com Andrés Manuel López Obrador pela terceira vez como candidato presidencial, construiu uma ampla frente social opositora contra os nefastos efeitos sociais, econômicos e políticos do modelo neoliberal e assim tem explorado as contradições existentes entre a oligarquia e seus partidos políticos tradicionais (PRI e PAN), atores e instrumentos fundamentais do modelo neoliberal. 

Quais são os desafios de López Obrador caso chegue à presidência?

Entre os principais desafios estão a instrumentalização do programa sexenal de reformas ético-políticas e econômico sociais, encabeçado pela luta contra a corrupção e a impunidade, o uso eficiente e eficaz do orçamento público para atender à agenda social e a construção de infraestrutura necessária, assim com uma agenda legislativa de mudanças. 

Um grande desafio de caráter político cultural que o México enfrentará depois do triunfo do Movimento Morena na presidência, e a possível maioria nas duas câmaras legislativas e mais governadores nos estados, é conquistar a participação ativa dos atores sociais na construção de uma nova política, de lutar contra a inércia da desarticulação organizativa e obter resultados evidentes e sensíveis frente à natural desqualificação que a direita sustenta. 

A reconstrução de uma política exterior moderna, que recupere valores históricos e que seja capaz de enfrentar os desafios de uma situação mundial de evidente crise do modelo globalizador e de suas velhas hegemonias e instituições, é um grande desafio, que de imediato se ancora em superar a dependência mediante o fortalecimento nacional e regional. A estratégia imediata de reativação das ações para a comunidade dos Estados Unidos e Canadá e de nossos irmãos da América Central é clara. 

Este processo eleitoral foi marcado por muitos casos de violência. Como estes episódios afetam a atuação de movimentos e organizações sociais?
A violência estrutural foi se aprofundando nos últimos 30 anos. Durante a campanha de 1988 foram contabilizados mais de 600 assassinatos políticos de ativistas de esquerda, mas a violência que chegou com o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN) desde 1994 expulsou milhões de camponeses para os Estados Unidos e Canadá, e nos últimos 12 anos o binômio corrupção governamental e crime organizado se expandiu com um saldo que supera os 230 mil desaparecidos, sequestrados, assassinados. Uma cifra terrivelmente maior do que a de países latinos que tiveram guerra civil ou ditaduras militares. 

Assim, o primeiro efeito sobre os movimentos e organizações sociais foi de intimidação e até enfraquecimento, mas a lenta construção de resistências e alternativas tem elevado a confiança e esperança para participar do atual movimento nacional de mudança. 

Como a possível eleição de López Obrador afetará o restante do continente?
Um desejável impacto de mudança de um governo democrático no México sobre outros países, esperamos que seja de encorajar a confiança de outros movimentos sociais contra as políticas de reconquista que alguns governos de direita têm impulsionado. Em termos geoestratégicos, a mudança no México, ao debilitar um importante território da aliança direitista neoliberal, pode encorajar a construção de uma nova política de cooperação e desenvolvimento com perspectiva para os povos do Sul. 

A chamada “guerra contra as drogas” demonstrou não ser eficiente para combater o narcotráfico. Como o novo governo, independente de qual seja, deve encarar esta situação?
A máscara da estratégia intervencionista neoliberal denominada “guerra contra as drogas” já demonstrou seu fracasso, e seu altíssimo custo socioeconômico. Se requer adotar uma visão integral sobre o problema, começando por desarticular as cumplicidades corruptas financeiras, o fortalecimento do mercado interno e a criação de emprego nas zonas rurais, instrumentalizar o programa “becarios, no sicarios”, [trata-se de um trocadilho de difícil tradução sem perder o sentido para português: “becario” é estagiário e/ou bolsista, já “sicário” é um assassino de aluguel] e proporcionar acordos verdadeiros de caráter multilateral. 

Este apoio popular a um candidato progressista pode ser considera uma resposta ao governo que não tem enfrentado as políticas hostis de Trump?
As atividades iniciais do governo de Enrique Peña Nieto (com uma mínima legitimidade diante dos cidadãos), como ter convidado o candidato Trump para vir ao México, e as respostas fracas iniciais, elementos de uma estratégia equivocada fincada na falsa convicção de modificar as políticas agressivas de Trump, mediante a abordagem familiar foram amplamente rechaçadas por quase todos os atores sociais e obrigaram a uma mudança de aberto rechaço à construção do Muro da Fronteira e as exigências de regeneração do TLCAN (Nafta). A atual política xenófoba, anti-latina e anti-imigrantes de Trump reforçaram a ideia popular de que só um novo governo democrático que tenha amplo apoio popular pode enfrentar estes desafios. 

Do Portal Vermelho

quarta-feira, 27 de junho de 2018

STF decidirá sobre contribuição sindical - Portal Vermelho

STF decidirá sobre contribuição sindical - Portal Vermelho:

 

STF decidirá sobre contribuição sindical

O Supremo Tribunal Federal, quando for analisar a constitucionalidade ou não da Lei 13.467/2017, no aspecto que trata da contribuição sindical, terá que examinar a matéria à luz do tripé da Constituição de 1988 que dá sustentação à organização sindical, formado pela unicidade sindical (art. 8º, II), a representatividade compulsória (art. 8º, III) e a contribuição sindical (art. 8º, IV, parte final).

Por Antonio Augusto de Queiroz, no Congresso em Foco

Divulgação
  
O Constituinte, ao tratar da organização sindical, estruturou a representação dos trabalhadores e empregadores com base em três princípios: o da unicidade, que consiste em não admitir mais de uma entidade representativa de uma mesma categoria profissional ou econômica, numa mesma base territorial, que não será inferior ao município; o do sistema confederativo, que consiste em organizar a representação por categoria profissional; e o da contribuição sindical, que consiste na garantia de forma compulsória de custeio por força do monopólio de representação sindical de associados e não-associados.

Para maior clareza, reproduzimos a seguir os três incisos do art. 8º da Constituição Federal:
“Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

….

II – é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;

III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

IV – a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;

………..”

Considerando que o sistema sindical, com seus três pilares, é inseparável, a pergunta que se impõe é se seria possível, via lei, alterar apenas um desses pilares, ignorando que todo o sistema foi estruturado constitucionalmente para funcionar como conjunto?

Ora, a reforma trabalhista, em nossa visão, não poderia, sem levar em consideração o modo como a estrutura foi organizada constitucionalmente, mexer num desses pilares, porque tornaria a estrutura sindical insustentável.

Assim, numa interpretação sistêmica da Constituição, o STF não teria outra alternativa a não ser declarar inconstitucional, nesse aspecto, a Lei 13.467, sob pena de descompensar todo o sistema sindical.

A alegação de que não se trata de extinção, mas apenas de tornar facultativo o desconto, condicionando à previa e expressa autorização do empregado, no caso de categoria profissional, ou da empresa, no caso da categoria econômica, também não faria sentido, tanto pela redação da Constituição, que petrifica a lei então existente, quanto em relação à vedação de que a assembleia pudesse substituir a prévia e expressa autorização.

A redação do inciso IV do art. 8º da Constituição Federal é absolutamente clara no sentido de garantir fontes de custeio das entidades sindicais, desmembradas em dois comandos inquestionáveis.

O primeiro diz respeito às contribuições fixadas em assembleia. O texto dá plena autonomia à assembleia para fixar contribuição em favor da entidade sindical e obriga o empregador a fazer o desconto em folha, portanto, não comporta qualquer nova exigência, como a fixada pela reforma trabalhista, que passou a condicionar o desconto à previa e expressa autorização do trabalhador.

O segundo se refere à contribuição compulsória, com caráter de imposto, expressamente autorizada pelo artigo 149 da Constituição, que igualmente não está condicionada constitucionalmente à autorização prévia e expressa, senão não teria o caráter parafiscal.

Aliás, a redação diz, textualmente, que as fontes de custeio das entidades sindicais serão definidas em assembleia, “independentemente da contribuição prevista em lei”, logo da pré-existente, dando a esta lei o mesmo status de texto constitucional, que não poderá ser modificado ou extinto por lei ordinária.

Ao Supremo Tribunal Federal, portanto, caberá analisar esses três aspectos constitucionais. Primeiro, se é possível modificar, separadamente, apenas um dos três pilares de sustentação da entidade sindical. Segundo, se é possível, por lei ordinária, desconsiderar o comando constitucional, que determina que “será descontada em folha” a contribuição fixada pela assembleia. E, terceiro, se é possível tornar facultativa uma contribuição parafiscal, garantida em uma regra constitucional (arts. 8º, inciso IV, e 149 da CF), que determina que seja mantida a lei pré-existente.

O julgamento no STF – seja no colegiado, seja por decisão provisória individual, em liminar do relator – não poderá ter outra decisão que não a de declarar inconstitucional a regra que torna facultativas a contribuição sindical e outras formas de custeio fixadas por assembleia. Ou será assim ou o sistema sindical constitucional ficará manco, desarmônico e insustentável, por uma lei ordinária no sentido literal do termo. 

*Antônio Augusto de Queiroz (Toninho) é jornalista, analista político, diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap)

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Símbolo da seletividade penal, caso Rafael Braga completa cinco anos - Portal Vermelho

Símbolo da seletividade penal, caso Rafael Braga completa cinco anos - Portal Vermelho:
Por não ter como pagar a passagem de ônibus, Rafael Braga Vieira, por muitas noites, não voltava para casa na comunidade de Vila Cruzeiro, no bairro da Vila da Penha, Rio de Janeiro (RJ). Ele costumava improvisar onde dormir no centro da cidade — local onde foi preso, no dia 20 de junho de 2013, durante um ato do qual ele não participava. A pauta do protesto: a redução do preço da tarifa dos transportes públicos.
Mídia NinjaCaso ganhou notoriedade por explicitar modus operandi do sistema penal.
Cinco anos depois, o catador de materiais recicláveis cumpre prisão domiciliar e passa por um tratamento de tuberculose, que contraiu no sistema penitenciário. Em 2016, enquanto também cumpria regime aberto com uso de tornozeleira eletrônica, ele foi preso novamente em uma abordagem policial, sem testemunhas.

A defesa de Rafael aguarda a posição do Ministério Público sobre recursos de embargos infringentes contra a sentença em segunda instância, que condenou o jovem negro a 11 anos de prisão.

Os advogados querem a pena por tráfico seja revista e também que ele seja absolvido da condenação de associação ao tráfico. A expectativa da defesa é que os recursos protocolados sejam julgados até o final do ano.

O caso, cheio de idas e vindas, virou símbolo por explicitar o funcionamento da seletividade penal e do racismo institucional no país.

Seletividade penal

Presos em abordagens policiais sem testemunhas, com uma pequena quantidade de drogas e com suspeita de flagrantes forjados, segundo a defesa do jovem. O caso de Rafael Braga descreve muitos outros.

Das mais de 726 mil pessoas encarceradas em junho de 2016, cerca de 40% eram presos provisórios. Mais da metade dessa população era composta de jovens entre 18 a 29 anos; 64% são negros. Os dados são do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen).

A jornalista Luiza Sansão, que acompanha o caso desde 2013, produziu 22 reportagens e uma crônica sobre o processo para a Ponte Jornalismo. Atualmente, ela trabalha em um livro-reportagem que narra a história de Rafael Braga.



Rafael Braga em setembro de 2017, quando saiu para o regime domiciliar / Luisa Sansão/Ponte Jornalismo

Para ela, o caso não difere de outros casos de injustiças a população pobre e negra. "Ele, na realidade, simboliza algo que acontece todos os dias. E as violências das quais ele é vítima obviamente não começaram em 2013, quando ele foi preso. O Rafael sofre com violações a vida inteira como todos os jovens moradores de favelas, negros, com o perfil ‘criminalizável’", disse Luiza Sansão.

Nathalia Oliveira, integrante da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas (INNPD), refuta a ideia de que Rafael foi "o único condenado das manifestações de junho" porque não ele não estava se manifestando.

A militante afirma que o processo de Rafael é um caso que se relaciona com a fragilidade da Lei de Drogas de 2006. Para ela, nova legislação caracterizou o tráfico em um nível de um crime hediondo, com sentenças duras em relação à droga apreendida.

"Qualquer prisão que acontece em área periférica com droga é entendida como tráfico porque a Lei das Drogas é construída a partir de uma narrativa em que o tráfico só acontece nas regiões periféricas da cidade", apontou Nathalia.

O caso ganhou notoriedade, segundo Oliveira, pelo didatismo, por escancarar uma realidade que ocorre todos os dias no país.

"O simbólico, para o movimento negro, é mostrar uma coisa que a gente está falando faz tempo: as prisões no Brasil são políticas, por uma decisão de Estado de utilizar das prisões como mecanismo que tem como resultado a segregação da população negra.", contou Nathalia.

A jornalista Luiza Sansão pondera que a repercussão midiática relaciona-se com o contexto do momento, de mobilização e manifestações.

“E quando pessoas que também foram criminalizadas e que também foram presas — em grande parte pessoas brancas, jovens, de classe média — se deram conta que tinha ficado uma pessoa para trás, essas pessoas foram saber quem era aquele cara que tinha ficado. E era o Rafael.”, comentou a jornalista.

‘Explosivo’ de Pinho Sol

Naquele dia 20 junho de 2013, os protestos reuniram um milhão de pessoas em todo o país. Só na capital fluminense, 300 mil pessoas foram para Candelária, em um ato que terminou com feridos pela repressão policial e com detidos. O jovem Rafael Braga Vieira, na época com 25 anos, foi um destes jovens — mesmo sem participar dos protestos.

Durante a dispersão do protesto, Rafael foi abordado por dois policiais civis na Rua do Lavradio, no bairro da Lapa.

Segundo os agentes, o jovem carregava dois frascos em suas mãos, “aparentemente semelhante ao coquetel molotov" e "com odor semelhante ao de álcool e o outro preenchido com substância de odor muito forte, embora não identificado”.

Posteriormente, o laudo do esquadrão antibomba da Polícia Civil atestou que os frascos de Pinho Sol e Água Sanitária tinham uma ínfima capacidade explosiva e seria pouco efetivo para funcionar como coquetel molotov.

Rafael Braga ficou preso por cinco meses no Complexo Penitenciário de Japeri, até dezembro 2013, quando foi condenado em primeira instância. A sentença do jovem foi de cinco anos em regime fechado por porte de material explosivo.

Em dezembro de 2015, o jovem conseguiu autorização para a progressão ao regime aberto.

No entanto, na manhã do dia 12 de janeiro de 2016, Rafael Braga, em uma abordagem na comunidade de Vila Cruzeiro, foi detido com 0,6g de maconha, 9,3g de cocaína. O jovem negou que a droga era sua e a defesa afirma que o flagrante foi forjado.

Durante o cumprimento da pena no complexo de Bangu, o ex-catador foi internado com tuberculose, em agosto de 2017. Em setembro, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Rogério Schietti Cruz, entendeu que não haviam condições para um atendimento de saúde com a reclusão.

Desde então, há nove meses, ele está em prisão domiciliar para o tratamento da doença. Rafael cumpre a pena em uma casa doada por militantes através da Campanha 30 dias por Rafael Braga, uma série de mobilizações em solidariedade que antecedeu o julgamento da liminar.



Por Rite Pina, no Brasil de Fato

O elo que falta: por um sindicalismo consciente e classista - Paulo Vinícius Silva

Que fazer?

Um dos temas de mais difícil apreensão na luta social é o da relação entre o espontâneo e o consciente, segundo a análise de Lênin em “Que Fazer”, reflexão complexa e essencial sobre o papel dos comunistas na luta social. Desenvolve o dever anunciado no Manifesto Comunista, escrito há 170 anos: Lutam para alcançar os fins e interesses imediatos da classe operária, mas no movimento presente representam simultaneamente o futuro do movimento.(2) Essa consigna implica uma articulação dialética entre teoria e prática, espontâneo e consciente, estratégia e tática, temas centrais no marxismo.

Lênin problematiza os limites do movimento sindical. A luta circunscrita à negociação da compra e venda da força de trabalho, limita-se ao sindicalismo trade-unionista, sem disputar o conteúdo da sociedade capitalista. O foco exclusivo em reivindicações e denúncias econômicas limita o entendimento da dinâmica que move a sociedade e a possibilidade da classe trabalhadora dirigir-se ao conjunto das classes sociais e ao Estado. É papel da vanguarda “empreender ativamente a educação política da classe operária, trabalhar para desenvolver sua consciência política”(3).

Essa consigna se expressa na disputa da hegemonia, na organização e politização da classe, na articulação do movimento espontâneo como momento do consciente. É duro desafio para a luta sindical que, a todo instante, é pautada por demandas corporativas, econômicas, estritamente sindicais. É a natureza “economicista” do movimento sindical que fundamentou a necessidade de uma consciência “externa”, de vanguarda, que inocule no movimento espontâneo o toque consciente para superar tais fronteiras, passando à disputa do poder político capaz de mudar toda a ordem social.

Esse debate é relevante diante das vicissitudes que, desde 2013, trouxeram-nos à situação dramática que vivemos. A todo instante somos confrontados com bandeiras e problemas que – a despeito de sua justeza intrínseca – fazem parte de um contexto maior, e são muitas vezes utilizados para objetivos políticos ocultos e malsãos. Foi-se a época da inocência. A justeza depende do contexto, cuja análise concreta exige ver o conjunto das classes e de seus movimentos e desvendar o seu sentido, que não é unívoco. Uma bandeira progressista pode servir a um propósito reacionário.

De outra parte, um novo capítulo da comunicação de massas e de sua manipulação se desenhou no curso da 4ª Revolução Técnico Científica, com as redes sociais e a análise do comportamento humano através de super-computadores, assim como a “informação” a se originar de minguadas fontes, distribuída para todo o mundo. Como saber pelo que vale a pena lutar?!

Avanços e limites de um ciclo político que se encerrou

Um intento nesse sentido da consciência, foi potencializar a unidade de ação, com a construção das centrais sindicais, em meio aos avanços sociais e políticos da chegada de Lula ao governo central. Aparentemente, a classe chegara ao poder. Todavia, como percebemos, - e ensinam as “velhas lições” do caráter de classe do Estado - o poder tem muitas moradas e artifícios, que não admitem a ingenuidade diante das “regras do jogo”, pois a banca é deles. Por isso a importância da criação da nossa central classista e combativa, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil. Sua criação e a defesa de nossa autonomia já compreendia as limitações sindicais e a necessidade de ir além.

Grandes virtudes são o protagonismo político da CTB, sua ampliação para outros partidos e entidades independentes e expressivas da luta sindical. A CTB se destaca por lutar pela unidade de ação da classe trabalhadora, insiste e anima o Fórum das Centrais, que é a mais representativa frente, tanto em extensão da representação quanto pelo espectro ideológico. O sindicalismo classista, não obstante, atua nas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, o que explicita seu esforço unificador. Esta foi a senda que possibilitou um programa comum – a Agenda Prioritária da Classe Trabalhadora – uma bela plataforma nas eleições de 2018, em especial se essa atuação no âmbito das centrais enraizar-se, espraiar-se, se tiver tribunos(as) para dirigir-se à classe trabalhadora. Carecemos de união, trabalho de base, de sujeitos políticos e eleitorais.

Esse protagonismo e capacidade de pautar o conjunto da sociedade são a maior garantia às eleições de 2018, ainda sob ameaças, como ilustra a farsa judicial e midiática que levou à prisão do ex-presidente Lula para retirá-lo da disputa. Em parte por esse fator, vemos a dispersão das forças progressistas. Daí a importância de ver além do corporativismo, do economicismo e da despolitização, de lutar pela unidade nacional, democrática e popular. Exemplo disso é a luta concreta em defesa das estatais brasileiras como uma contribuição classista, orgânica, eleitoral e programática à Frente Ampla. Também a defesa do SUS, da Educação Básica e das Universidades Públicas favorecem a convergência de políticas públicas, necessidades da sociedade, do interesse e do desenvolvimento nacional e dos direitos da classe trabalhadora. É esse protagonismo político e eleitoral na construção da Frente que pode fazê-la Ampla E Popular, para dar centralidade à valorização do Trabalho no Projeto Nacional de Desenvolvimento, afirmando a necessária REVOGAÇÃO DA DEFORMA TRABALHISTA.

Há, portanto, um debate a pautar e a vencer. Uma batalha que exige mobilização e ampliação da representação sindical para muito além dos(as) sindicalistas liberados(as), chegando e ampliando CIPAS, conselhos, coletivos de delegados sindicais.

O movimento consciente é insubstituível

É exatamente aí que a jurupoca pia. A obstar essa força de massas estão vários fatores que só podem ser vencidos pela tal consciência de que Lênin falava. A consciência coletiva apontou obstáculos conhecidos na luta dos trabalhadores(as), não superados, que atingiram maior complexidade após a criação da CTB:

→ A pirâmide invertida, cabeça grande, corpo pequeno, muito cacique, pouco índio – cupulismo, burocratismo, autonomização dos representados face seus representantes;
→ A incapacidade de se constituir o movimento sindical como força eleitoral e política – a contrariar avanços institucionais, políticos e materiais a partir de 2003;
→ A baixa renovação, a afastar a juventude, e o machismo, a afastar as mulheres da luta sindical. Não foi em grande medida a juventude trabalhadora sem representação e pertencimento que saiu às ruas em 2013?
→ A baixa formação marxista, o espírito de rotina, expressos no fato de a luta “não empolgar”, na perda da perspectiva revolucionária, no demissionismo e no derrotismo;
→ A baixa consciência em financiar a luta geral, inter-sindical, a excessiva dependência estatal e a baixa compreensão dos deveres à consolidação do projeto CTB;
→ A perda de espaço eleitoral, com a diminuição da bancada trabalhista no Congresso, a baixa projeção eleitoral das lideranças sindicais, outra face da pirâmide invertida.

Tais fenômenos são gerais. No caso da CTB, as direções e a própria frente sindical tem combatido tais debilidades, com correto diagnóstico, a partir dos Encontros Sindicais . O diagnóstico correto não ser implementado ilustra outra enfermidade. Como diria Mao: O liberalismo é a passividade(5). Essas dificuldades se referem a um período de muitas ilusões de classe, em um progresso democrático indefinido, evolucionista, na firmeza das “instituições da República”, no socialismo pela via eleitoral-institucional, que resvalaram para a incapacidade de articular um contra-poder para a defesa do processo.

No nosso sindicalismo classista: a) afirmou-se a dependência material sindical do Estado; b) cresceram enormemente as demandas institucionais, tornando tangível uma perspectiva de poder que se mostrou ilusão de classe; c) Deu-se enorme papel ao instituto da Presidência nos sindicatos e demais entidades, que assumiu status supostamente ideológico, anulando em parte decisões sobre a renovação depois do 2º mandato; d) O fim da Corrente Sindical Classista se deu em paralelo com os problemas no trabalho de base partidário nas categorias estratégicas, e com a hipertrofia da arena institucional face às da disputa de ideias e da luta social. Todos são fatores que favorecem tudo, menos o consciente a pautar a ação sindical.

Consertar o carro em movimento: as eleições de 2018

Como se vê, a despeito das virtudes da CTB, segue inescapável aos(às) comunistas afirmar a consciência externa, política, a inteligência coletiva, o trabalho sistemático e a disciplina como motores que elevem a luta sindical à disputa da hegemonia. No passado, a CSC cumpriu esse importante papel e preparou a década de vitórias e expansão. Hoje, a insuficiente estruturação partidária entre os trabalhadores é obstáculo para uma percepção mais clara de nossa política para milhões de trabalhadores que formam as categorias que representamos. Uma direção política mais efetiva do movimento sindical pelos comunistas é essencial num momento de grande crise financeira, que precisa ser superada a partir do relacionamento com nossa base social.

Muitas das dificuldades que vivemos se situam exatamente ao nível do elo que falta, ocupado no passado pela CSC. A nova solução precisa dar conta das novas condições de hoje, em uma CTB plural, que cresceu e se consolidou como referência nacional e latino-americana do sindicalismo classista. Parte da solução está em como as lideranças sindicais enfrentarão as eleições de 2018 e pautarão o debate público, inclusive na esquerda. É nessa disputa que precisamos organizar nossa influência, uma rede integrada e extensa de quadros de base e intermediários, não fragmentando, mas afirmando a importância da classe trabalhadora. E, estrategicamente, fortalecendo as secretarias sindicais, integrando-as em um trabalho planejado e permanente de construção partidária, com o Departamento de Quadros e a Secretaria de Juventude.

__________________________

(2) MARX, Karl e ENGELS, Friederich. Manifesto do Partido Comunista. Capítulo IV - Posição dos Comunistas para com os Diversos Partidos Oposicionistas. Disponível em https://www.marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComunista/cap4.htm

(3) LENINE, Vladimir Ilitch. Que Fazer? Capítulo 3. Política Sindical e Política Social-democrata. Disponível em https://www.marxists.org/portugues/lenin/1902/quefazer/cap03.htm

(4) O 4º Encontro Sindical Nacional, especialmente, é muito rico no diagnóstico dessas questões como se poderá depreender a partir da leitura de suas resoluções, disponíveis em http://www.vermelho.org.br/admin/arquivos/biblioteca/revista_do_4_encontro_sindical_nacional_do_pcdob[1]18089.pdf

(5) TSETUNG, Mao. Contra o Liberalismo. Disponível em https://www.marxists.org/portugues/mao/1937/09/07.htm