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sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Ao camarada Chico Passeata - Marcelo Gurgel Carlos da Silva



A sociedade cearense e a medicina, em particular, emudecem hoje (12/08/11), diante da perda do seu valoroso varão, o cidadão Francisco das Chagas Dias Monteiro, mais conhecido por “Chico Passeata”, alcunha oriunda de sua combativa militância estudantil, quando pôs sua integridade física sob risco, para dar combate ingente às forças repressivas, vigentes no Brasil pós-64, insurgindo-se ele, com palavras e ações cívicas, contra o estado de exceção então imposto.
O seu posicionamento político, calcado na franca defesa dos seus ideais, rendeu-lhe dissabores, extensivos aos seus familiares, que testemunharam sua via crucis, marcada por sucessivas e irregulares detenções, seguidas de uma condenação, pela justiça militar, cumprida por longos e penosos meses na ilha de Itamaracá.
Em suas diversas passagens, pelos cárceres, conheceu na própria pele e nas suas entranhas, o peso da nefasta intervenção de algozes que, obstinadamente, tentaram minar o seu espírito de luta, mediante a coação e a coerção, com emprego sistemático da tortura física e psicológica, sequer poupando a sua amada Helena Serra Azul, a fiel companheira de mais de quatro décadas de convivência.
Esses percalços de sua juventude truncaram a sua carreira acadêmica, iniciada em 1966, na Faculdade de Medicina da UFC, impedindo-o de se formar em 1971, ao lado dos colegas da Turma Andreas Vesalius, e retardando, em quatro anos e meio, a sua diplomação, como médico, o que aconteceu em evento realizado, na reitoria da universidade, em julho de 1976, para apenas dez diplomados. Apesar da defasagem temporal, os egressos de 1971, que ora se preparam para celebrar os quarenta anos de formatura, sempre o consideraram como um dos integrantes da briosa turma.
Já como médico, cada vez mais Chico Monteiro, porém sem anistiar a sua veia de condutor das marchas de protesto, abraçou, com alentadas determinação e disposição, as grandes causas sociais que afligem o povo brasileiro, notadamente aquelas comprometedoras das condições de saúde. Em resposta a essas carências de seus concidadãos, tornou-se um médico-sanitarista, pela prática, adquirida ao longo de sua atuação médica, começada em Aratuba, inserida no bojo das ações das Comunidades Eclesiais de Base, passando por Paulínia, Campinas, Canindé, especialmente voltada para a Atenção Primária de Saúde, e pela formação técnica e educacional, conquistada na Especialização em Saúde Pública na Unicamp e no Mestrado de Saúde Pública na UFC.
A feliz combinação de experiência de campo e preparo acadêmico com o fervor de seu empenho fizeram dele um baluarte para a construção do Sistema Único de Saúde no Ceará e também no Brasil. Foi presença marcante, por sua desprendida dedicação à Saúde Pública, nas variadas entidades da classe médica cearense (Associação Médica Cearense, Sindicato dos Médicos do Estado do Ceará, Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará etc.), e nos fóruns, que levaram à edificação do SUS, a exemplo das Conferências Nacionais de Saúde, e nos Conselhos de Saúde, incluindo o nacional (CNS), do qual foi membro titular, representando a categoria médica.
Apesar de tantos infortúnios juvenis, Chico Monteiro não transparecia guardar ressentimentos daqueles que travaram a consecução dos seus propósitos, levantando-se após os tombos, e carregando a sua pesada cruz, sem um irmão cireneico para ajudá-lo, mas até encontrava forças para consolar e animar os companheiros de labuta cotidiana. A firmeza na defesa de suas convicções não lhe tolhia o acolhimento de escutar outros, de voz discordante, trilhando o diálogo como forma de tomar decisões consistentes.
Talvez por sua sensibilidade de poeta, exibida em dezenove antologias da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores – Regional do Ceará, somando 168 poemas publicados, o aguerrido Chico apascentará ovelhas celestiais, como uma reluzente estrela, a brilhar no firmamento, servindo igualmente de farol, aos que aqui permanecem, a fim de que perseverem no alcance de tão nobres ideais, os quais o destemido Chico tanto perseguiu.
Com um abraço amigo,
*Marcelo Gurgel Carlos da Silva,
Médico-sanitarista.

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