Blog do Nassif: As bobagens na denúncia da UOL - Portal Vermelho
O jornalista Luís Nassif destrincha as denúncias publicadas pelo UOL, hoje (19), e conclui que se trata de um jornalismo "de suposições, impossível de levar a sério". Para completar sua argumentação, Fernando Souza Jr acrescenta, em novo texto, que a matéria induz o leitor a acreditar que o ministro comprou o terreno para faturar com futura desapropriação. Confira as duas matérias, abaixo.
Um dos principais recursos nas campanhas midiáticas é sufocar o leitor com uma série infindável de manchetes com supostas denúncias. Mesmo que, analisadas individualmente, a maioria se mostre inconsistente, atinge-se o objetivo de aumentar a marola e sufocar o alvo.
Tome-se a denúncia que acabou de ser publicada pela UOL, sobre a compra de um terreno em Campinas por Orlando Silva, que "poderia" ser desapropriado pela Petrobras.
Denúncia 1
A Petrobras teria desapropriado parte da propriedade, antes da venda para o ministro, pagando ao proprietário um preço maior por m2 do que aquele pago ao ministro.
A petrolífera pagou R$ 5,96 pelo m², enquanto para o ministro cada m² custou cerca de R$ 4.
A desapropriação de parte do terreno foi para construir uma servidão de passagem. Não é necessário ser consultor imobiliário para saber que terreno cercado por servidões de passagem perde valor.
Denúncia 2 – Orlando fez negócio da China.
Orlando fez um negócio da China em comparação com os terrenos à disposição no mesmo condomínio. Sem dutos por perto, as propriedades custam entre R$ 15 e R$ 20 cada m², de acordo com um corretor consultado pela reportagem. Nessa área, um terreno de 20 mil m² está sendo oferecido por R$ 380 mil, quase a mesma quantia paga pelo ministro em 90.000 m².
Denúncia 3 – Orlando não fez um negócio da China
Apesar de poucas casas por perto, o lote escolhido pelo ministro não favorece quem busca tranquilidade para passar os finais de semana com a família. Fica em frente a um pesqueiro, o que provoca grande movimentação aos sábados e domingos. O local é de acesso razoavelmente difícil, com um trecho de 9 km em estrada de terra.
Ou seja, o Ministro pagou menos por um terreno que vale menos, porque com servidões de passagem e em frente a um pesqueiro movimentado e com 9 km de estrada de terra para se chegar a ele. E se é princípio de todo condomínio ter as estradas internas asfaltadas, como se explica a afirmação de que o terreno está no condomínio e o acesso a ele é por 9 km de estrada de terra?
Cadê o escândalo, então, cadê o negócio da China?
Denúncia 4 - Orlando está escondendo a propriedade do terreno por não constar seu título de ministro na relação de condôminos.
Para chegar ao terreno, precisou passar pelo portão 3 do Condomínio Atibaia. Na parede da portaria, foi colocado um papel com o nome de todos os moradores. À caneta, por serem mais recentes, aparecem Silva Júnior e Ana Cristina. A patente ministerial não aparece.
Aí se envereda por um jornalismo de suposições impossível de levar a sério. Ele teria pagado menos (por um terreno que vale menos) porque no futuro, algum dia, quem sabe, a Petrobras irá desapropriar o terreno ou parte dele (que ela já desapropriou para construir a servidão de passagem) e talvez, quem sabe, pagar um preço maior pela desapropriação.
Está difícil fazer jornalismo hoje em dia.
Luís Nassif é jornalista político e econômico
Além desta questão lógica, há outros absurdos na matéria, sobretudo do ponto de vista jurídico:
1) servidão de passagem não é espécie de desapropriação. Isso é uma bobagem sem tamanho. Na servidão de passagem não há qualquer modificação na propriedade do imóvel, logo não há "desapropriação". São figuras jurídicas absolutamente distintas.
2) a matéria induz o leitor desavisado a acreditar que o ministro comprou o terreno para faturar com futura desapropriação (mesmo depois admitindo que não é desapropriação, e sim servidão de passagem). E afirma que o ministro, por ter proximidade com a Petrobras, pode negociar um preço melhor na futura desapropriação. Ora, qualquer pessoa minimamente informada sabe que processo de desapropriação não é um negócio entre particulares, onde se pode barganhar um preço melhor. E a maioria esmagadora das desapropriações hoje em dia são feitas amigavelmente mediante intermediação do Ministério Público e do Poder Judiciário, vide os casos das obras do metrô em SP e outras obras da própria Petrobras em que se necessita desapropriar imóveis de particulares.
3) o autor da denúncia afirma que o terreno está em condomínio, depois admite que a escritura não diz isso. Ou seja, para a matéria, o que vale é a palavra do repórter, e não o documento de propriedade do imóvel registrado no cartório de imóveis. Coisa absurda.
4) a matéria "denuncia" que a esposa do ministro é atriz e trabalha para uma companhia teatral patrocinada pela Petrobras, como se isso por si só fosse algo condenável ou ilegal. A Petrobras é a grande patrocinadora da cultura nacional. Talvez o jornalista esteja insinuando que ministro de Estado não possa ser casado com atrizes. Imagino se ele fosse caso com uma frentista de um posto de gasolina com bandeira BR, que "escândalo" seria...
5) a matéria diz que o ministro mentiu ao dizer que pagou pelo terreno com recursos próprios porque o pagamento teria sido feito com cheque administrativo. Ora, qualquer pessoa que tenha conta em banco pode se utilizar de um cheque administrativo, cujos recursos para compensação saem, evidentemente, da conta do titular. Isso não significa que ele não tenha utilizado recursos próprios para pagar o terreno.
6) A confusão na matéria me parece proposital. Exemplo: ela não esclarece que a compra foi feita junto a um particular. Um leitor mais desavisado pode facilmente concluir, pela precariedade do texto, que o ministro comprou o terreno da própria Petrobras e agora espera lucrar com futura desapropriação.
7) porque diabos ele deveria se identificar como ministro na lista de proprietários a porta do suposto condomínio? Ministro é ocupação, não é profissão. Ele está ministro, não será ministro para sempre. Coisa ridícula.
Fernando Souza Jr.
Fonte: Blog do Luís Nassif
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quarta-feira, 19 de outubro de 2011
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