Horas depois de a Secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, ter afirmado que uma intervenção militar na Líbia é uma opção considerada por seu país, as Forças Armadas dos Estados Unidos começaram a ser reposicionadas nos arredores do país africano.
O porta-voz do Departamento de Defesa, coronel Dave Lapan, disse que a equipe de planejamento do Pentágono trabalha com várias opções e planos de contingência e, como parte desses, estava reposicionando suas forças navais e aéreas.Leia também
- Manlio Dinucci: A Líbia no grande jogo da nova divisão da África
- Cuba condena intervenção militar e defende soberania da Líbia
- Chávez: "Invasão da Líbia seria uma catástrofe"
O porta-voz Lapan não negou que os EUA estão considerando intervir militarmente na Líbia. Os EUA contam com força militar poderosa no Mar Mediterrâneo e têm dois porta-aviões mais ao sul, na área do golfo Pérsico.
"Nós temos planejadores trabalhando e vários planos de contenção e eu acho que é seguro dizer que como parte disso estamos reposicionando nossas forças para sermos capazes de dar esta flexibilidade assim que as decisões forem tomadas", disse.
Congelamento de bens
O presidente americano, Barack Obama, assinou uma ordem executiva para congelar todos os ativos de Muamar Kadafi, sua família e membros de seu regime, algo que não foi feito em relação aos regimes de países árabes que também estão sacudidos por revoltas populares, como o Iêmen e o Barein.
Durante uma reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, a secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, admitiu que a opção de declarar uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia "está sobre a mesa", entre outras medidas.
"A zona de exclusão aérea é uma opção que estamos considerando atualmente. Todas as opções estão sobre a mesa", disse em entrevista coletiva.
A secretária de Estado alegou que a zona de exclusão aérea é uma das opções consideradas para "pressionar o regime" de Kadafi e que há "um número de ações potenciais" que poderiam ser aplicadas nos próximos dias, "especialmente do lado europeu". Além da Itália, a Austrália já manifestou apoio à aplicação da zona de exclusão aérea.
Outra medida discutida no encontro de Genebra foi a possibilidade de um calote nos pagamentos à Líbia durante 60 dias. A opção foi proposta pela Alemanha e, apesar de ter mais apoios que a da "exclusão aérea", não obteve consenso para ser adotada a curto prazo.
"Está na hora de Kadafi sair”, trovejou Hillary. "Queremos que a violência acabe. Se Kadafi saísse e a violência acabasse, seria um bom passo, mas não devemos esquecer que ele deve pagar por seus atos", afirmou a chefe da diplomacia americana.
Hillary não pronunciou uma palavra sobre a repressão violenta que a monarquia de Barein tem cometido contra os manifestantes na capital do país, Manama, e na revolta popular do Egito o regime americano só mostrou um débil apoio à iniciativa popular depois da certeza de que o regime Mubarak era caso perdido.
No Barein, o exército Real disparou, com munição real ou usando armamento antiaéreo, contra manifestantes que protestavam com flores. Helicópteros Bell, de fabricação americana, sobrevoaram, perseguiram e assassinaram pessoas. Mesmos crimes que são atribuídos a Kadafi na repressão às manifestações na Líbia. No entanto, nenhuma voz de protesto ou a favor da condenação do regime bareinita foi levantada nos Estados Unidos ou nos seus aliados.
O Barein é um satélite importante dos Estados Unidos no Oriente Médio por abrigar a 5.ª Frota da Marinha americana, que vigia a região do Golfo Pérsico ao Mar Vermelho e leste da África. A frota americana inclui porta-aviões e destróieres, além de embarcações menores de assalto. Cerca de 4.500 americanos, civis e militares, moram na base de Juffairare, na periferia da capital Manama.
Critérios diferentes
Os líderes revolucionários latino-americanos, Fidel Castro e Hugo Chávez, já tinham advertido para os critérios diferentes utilizados pelo imperialismo norte-americano e seus aliados da União Europeia relativamente aos diferentes cenários do que se convencionou chamar de Revolta Árabe.
A brutalidade da ação imperialista para com a Líbia é tamanha, a ofensiva é tão forte que parece muito provável a queda do regime de Kadafi.
A esta altura a situação da Líbia é muito complexa e nenhuma solução parece satisfatória a quem se preocupa pela paz no mundo e por uma saída política para os conflitos. A tal ponto que o secretário-geral da ONU, Ban ki-moon despachou nesta segunda-feira com o presidente dos Estados Unidos na Casa Branca, examinando conjuntamente as “opções” que madame Clinton diz não descartar. É bem o sinal da decadência das instituições multilaterais, inteiramente instrumentalizadas pelo imperialismo.
É algo sobre o que as forças progressistas e amantes da paz teriam que refletir profundamente para não cair no conto do multilateralismo retórico que apenas serve de biombo para o unilateralismo e a política de força.
As possíveis saídas para a situação da Líbia são dramáticas. A permanência de Kadafi no poder será combustível ao fogo da guerra civil. Sua resistência à base de atitudes de desespero, poderá dar o pretexto à invasão das tropas norte-americanas, da Otan ou dos capacetes azuis. A ameaça de que tal intervenção se concretize é hoje o maior fator de pressão do imperialismo sobre Kadafi.
Rebelião pré-ordenada
A evolução dos acontecimentos na Líbia nas duas últimas semanas mostrou que muito ao contrário do que se passou na Tunísia e no Egito, onde houve uma explosão popular espontânea, ali ocorreu uma espécie de rebelião pré-ordenada, combinada com uma estrepitosa cisão do governo e das forças armadas apoiadas por forças reacionárias internas e pelas potências externas.
O grupo dirigente, chefiado pelo coronel Kadafi, outrora um líder nacionalista e anticolonialista, degenerou no poder, transformou-se numa espécie de autocracia familiar ou oligárquica e ultimamente se perdeu em atitudes erráticas, que culminaram no estabelecimento de relações ambíguas com as potências imperialistas.
Num ambiente de dificuldades para a imensa maioria do povo, de concentração de riqueza, corrupção, divisões tribais e em meio à montagem de um cenário para uma sucessão dinástica que desagradou as forças armadas, convergiram diferentes tipos de descontentamentos que tiveram a oportunidade de explodir a partir dos acontecimentos nos demais países do norte da África, principalmente Tunísia e Egito.
Os acontecimentos na Líbia são emblemáticos de como agem o imperialismo e a sua mídia. Desde os primeiros dias, não eram apenas manifestações pacíficas e democráticas, conduzidas por jovens, intelectuais e políticos democráticos, como no Egito e na Tunísia.
Na verdade, logo no início da rebelião na Líbia, surgiram focos de um conflito armado, uma guerra civil, com tanques e armas pesadas dos dois lados. Os Estados Unidos e a Europa, que posam de democráticos, e a sua mídia da “liberdade de expressão” deram voz, força e o status de “oposição” aos remanescentes do poder tribal, da monarquia retrógrada derrubada há mais de quatro décadas e aos representantes do que há de mais obscurantista não só no Magreb mas também no Mashrek, como são designados o Ocidente e o Oriente no mundo árabe.
Disputa entre potências?
Certamente, estas são apenas as primeiras escaramuças de uma história sem fim previsível. Seu leitmotiv e sua “moral” é o petróleo cada vez mais escasso. Pela mesma razão as potências imperialistas, com os EUA à frente, ameaçam o regime dos aiatolás no Irã, desde que o fantoche pró-americano, o xá Reza Pahlevi, foi destronado há 32 anos pela revolução popular. No Iraque já vão na segunda guerra de agressão e lá os imperialistas se encontram empantanados e desmoralizados.
É preciso estudar a fundo as razões por que os Estados Unidos e seus aliados europeus se pronunciam com tamanha virulência e estão prontos para intervir militarmente. A Líbia é grande fornecedora de petróleo também para a China.
Nos últimos dias, 30 mil chineses que trabalhavam em diferentes atividades foram evacuados do país. É um numero surpreendentemente revelador da intensa atividade econômica chinesa na Líbia. O mesmo se passa em quase toda a África, que pode estar se tornando no novo alvo de uma disputa entre uma potência declinante e outra emergente.
Não é à toa que os Estados Unidos estão instalando o Comando Africano, apelidado de Africom, um dispositivo militar múltiplo envolvendo bases militares e instalação de equipamentos bélicos. Pode ter o mesmo sentido a preocupação dos think tanks ligados ao Pentágono com a disputa pela hegemonia militar no Oceano Índico, que banha precisamente o lado oriental da África.
José Reinaldo Carvalho e Humberto Alencar, com informações das agências
Nenhum comentário:
Postar um comentário