Frente ampla para combater o governo e apontar saídas para o Brasil - PCdoB. O Partido do socialismo.
II) INDICAÇÕES PARA UM BALANÇO DOS GOVERNOS LULA E DILMA
19 – Para o PCdoB, a análise do ciclo dos governos Lula e Dilma tem como referência os passos e realizações na direção de um novo projeto nacional de desenvolvimento. E, noutro polo, as condicionalidades, as insuficiências, os erros que – associados aos efeitos do acirrado confronto entre os campos em disputa – levaram ao golpe que pôs abaixo o governo da presidenta Dilma Rousseff.
O legado: eixo de quatro realizações
20 – O legado pode ser sistematizado em quatro eixos: 1) Estado como indutor do desenvolvimento; 2) política externa altiva e afirmativa da soberania nacional e da integração regional; 3) crescimento econômico associado à distribuição de renda, à redução das desigualdades sociais e regionais; 4) resgate do processo de construção da democracia.
21 – Tais eixos abarcam um elenco de realizações e conquistas que – apesar de atenuadas pelo cômputo do processo e da luta política – representam uma viragem de curso na trajetória do país que vinha de duas décadas perdidas, sobretudo devido ao grave retrocesso neoliberal dos anos 1990. O Brasil se levantou, retomou o desenvolvimento, promoveu amplo progresso social. Pôs fim às privatizações e fortaleceu as empresas estatais, entre elas a Petrobras com a riqueza do pré-sal, e o polo de bancos públicos. Fortaleceu setores importantes como a engenharia nacional, a indústria naval, a cadeia de petróleo e gás, o projeto de submarino de propulsão nuclear com tecnologia nacional. O país percorria um caminho, interrompido pelo golpe, que o direcionava para se tornar uma Nação crescentemente soberana, democrática e próspera. O ciclo demonstrou também, mesmo levando-se em conta os erros, a capacidade das forças de esquerda, progressistas, de governarem com êxito o país.
22 – O Brasil ampliou e diversificou o leque de seus parceiros comerciais, e se projetou no mundo como um ator importante de novos polos estratégicos como o grupo BRICS. Teve destacado desempenho para inviabilizar o projeto neocolonial da Alca e fomentar a criação da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e fortalecer o Mercado Comum do Sul (Mercosul). Contribuiu para garantir a participação do movimento social brasileiro nos espaços de participação da sociedade nas organizações de integração regional.
23 – Os governos Lula e Dilma associaram crescimento econômico e distribuição de renda. Mais de 36 milhões de pessoas foram retiradas da condição de pobreza extrema. Entre 2003 e 2012 houve a geração de quase 20 milhões de empregos formais, o salário-mínimo, regido por uma política inédita de reajuste entre 2002 e 2014, obteve um aumento real de 71,5%, constituindo-se num dos principais fatores que promoveram uma mobilidade para cima na pirâmide social em escala de milhões. A Educação teve expansão significativa. A partir de 2003 foram criadas 18 universidades federais, quase dobrando o número de matrículas. O Programa Universidade para Todos (ProUni) beneficiou 1,2 milhão de estudantes e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) firmou 2,5 milhões de contratos. Até 2002, o Brasil possuía apenas 140 escolas técnicas. De 2003 a 2016, 500 novas unidades foram criadas.
24 – O processo de construção da democracia foi bloqueado nos governos de FHC. Em 2003 esse processo foi retomado, com a questão democrática entrelaçada à questão social. As entidades e manifestações do povo foram valorizadas. O diálogo e a negociação foram a base da relação entre o governo e os movimentos sociais. As centrais sindicais foram legalmente reconhecidas. Secretarias especiais e programas foram implantados para promover os direitos humanos e civis. Houve avanços significativos na promoção de políticas públicas para a juventude e os negros. O racismo foi combatido, bem como a homofobia. A luta pelo direito das mulheres, contra a violência e as discriminações, teve grande reforço. Também foram criados conselhos e programas para a promoção e defesa dos direitos humanos dos LGBT. No governo Dilma, foi atendida uma reiterada reivindicação das forças democráticas com a constituição e a conclusão dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade.
25 – Contudo, conforme salientou o 13º Congresso do PCdoB, tais feitos e realizações ocorreram “no âmbito de uma transição, ainda em curso, marcada pela luta entre o neoliberalismo que persiste e o novo desenvolvimento nacional que emerge”. A avaliação dos governos Lula e Dilma necessariamente deve ter em conta essa realidade.
26 – Ressalta-se, então, um balizador importante: o PCdoB, embora valorize o legado, em nenhum momento considerou que o neoliberalismo fora superado. Sempre alertou também para o fato de que tais conquistas, muitas delas ainda em construção, se chocavam com graves deformações sociais, institucionais e econômicas acumuladas em séculos de história.
As lições do ciclo
27 – Para se investigar as razões da grande derrota das forças de esquerda e progressistas, impõe-se, ao lado das realizações e do significado político e histórico do ciclo, sistematizar as insuficiências, lacunas e os erros de condução política e econômica. Apresenta-se, aqui, um ponto de partida para um estudo que o PCdoB pretende realizar no seu Congresso que ocorrerá em novembro próximo, no qual, a par de apresentar uma leitura multilateral do período, será feita uma apreciação crítica e autocrítica de seu próprio desempenho como força política destacada desse processo, embora minoritária, no governo e na sua base.
28 – Foi um erro grave ter mantido intacta a estrutura conservadora do Estado. A democratização e a modernização do Estado foram um tema que passou ao largo e, no geral, como indicam alguns analistas, foi tratado quase sempre como “republicanismo ingênuo” que reforçou instituições que passaram a agir de forma autônoma no âmbito do Estado, rompendo com o equilíbrio entre os Poderes, e mesmo se sobrepondo a eles, e prestigiou personalidades que retardaram várias ações e vários programas do governo. Prova disso é o protagonismo de setores do Judiciário, do Ministério Público, da Polícia Federal na trama e consecução do golpe.
29 – Igualmente grave foi ter sido tratado como “intocável” o monopólio dos meios de comunicação. Mais do que isto, o governo os fortaleceu com polpudas verbas publicitárias. A regulamentação, em alguma medida, dos artigos da Constituição que vedam o monopólio no setor, deveria ter sido realizada. Programa de políticas públicas poderia ter criado um forte canal de TV estatal e abrangente rede de rádio e tvs comunitárias e públicas, bem como a existência de inúmeros blogs nas redes sociais que, em conjunto, poderiam reforçar a capacidade do governo e do campo democrático e popular na esfera da luta de ideias.
30 – Não obstante as quatro vitórias eleitorais consecutivas de um mesmo bloco de forças políticas, algo único na história da República, não se conseguiu sedimentar em camadas largas do povo as razões da dura luta política que se travava. Houve uma subestimação da luta de ideias, da necessidade de informar e politizar o povo através de meios e instrumentos diversos. No caso em tela, além das deficiências do governo, há que se analisar as debilidades da esquerda partidária e do movimento sindical e popular, aos quais cabe, destacadamente, conscientizar e mobilizar o povo. Nesta matéria é preciso ter presente que o processo de se conquistar a hegemonia de ideias numa sociedade, como a história demonstra, é complexo e prolongado.
31 – A perda de hegemonia política da esquerda, cujo marco inicial foram as manifestações de junho de 2013, deu-se após prolongada ofensiva do consórcio golpista. Consumou-se a reviravolta pró-forças neoliberais no decorrer de 2015 pela junção dos danos da recessão econômica com o uso pesado e manipulado de uma velha arma da direita, “o combate à corrupção”, direcionado seletivamente contra o PT, a esquerda em geral e outras legendas que apoiaram o governo. Desde o “mensalão”, em 2005, ficou clara a indispensabilidade de uma reforma política que fortalecesse o Estado, ampliasse a democracia, acabasse de pronto com o financiamento empresarial de campanha e que retirasse a atividade política da secular condição de refém do poder econômico e financeiro. Contudo, o governo não se empenhou devidamente pelo fim do financiamento empresarial. A direita sempre pautou a reforma política com o objetivo de mutilar a democracia e manter esse tipo de financiamento. Já a esquerda e os setores progressistas se dividiram e assim não tiveram força para fazê-la acontecer. Sem essa reforma, o governo ficou sob um verdadeiro campo minado que, estruturalmente, o expôs a escândalos de corrupção – os quais, manipulados e potencializados pela grande mídia e pela seletividade do complexo jurídico-policial, provocaram uma fratura na confiança que o povo depositava no governo e na esquerda.
32 – Provou-se correta a concepção tática de que a esquerda nem vence e nem governa sem alianças, sem constituir maioria no Congresso Nacional e na sociedade. Não houve erro em pactuá-las. São indispensáveis coalizões amplas, pactuadas em torno de programas, e que, para terem condução consequente, precisam ser lideradas pelas forças progressistas e de esquerda. As coalizões abarcaram um arco amplo de classes e estratos de classes, partidos de conteúdo político-ideológico discrepantes, refletindo o quadro político-partidário do país. Foi um êxito a esquerda ter polarizado as forças políticas de centro – sem isso, o governo não teria tido força para realizar o conjunto de conquistas. O fato de o centro ter sido fator decisivo para assegurar a maioria do governo no Parlamento, por sua vez, impôs negociações e modulações quanto à profundidade das mudanças. Simultaneamente, a realidade de a esquerda ter sido minoria no Congresso Nacional, associada ao peso grande do campo conservador durante todo o ciclo, foi um elemento objetivo de freio às reformas e às mudanças.
33 – Mesmo assim, foi um erro a não realização, ainda que de modo parcial, das reformas estruturais democráticas. No período 2007-2012, estabeleceu-se correlação de forças favorável, criando espaço de oportunidade para se tentar implementar as reformas, mas os governos Lula e Dilma não souberam aproveitá-lo. Faltou-lhes decisão e convicção política. A não realização de tais reformas travou o governo e o impediu de conduzir o desenvolvimento a novos estágios, minando suas bases sociais e políticas de apoio.
34 – Ao PT, pelo seu papel e força, cabia exercer a hegemonia da coalizão, mas ao exercê-la incorreu em erros e distorções. Minimizou o papel da esquerda na condução do processo político. Teve deficiências para exercer a direção política da aliança. Por um lado, faltou-lhe convicções em torno de um projeto de Nação para impulsionar a transição, adotando com frequência uma posição intermediária ou de cedência política. Por outro, agiu com exclusivismo, concentrou poderes, não soube partilhar e construir decisões com os aliados, e aferrou-se no controle de postos para além do que correspondia à correlação de forças no âmbito da aliança. A falta de unidade decorrente da disputa entre as tendências petistas dificultou a condução da coalizão e criou brechas para a ação dos golpistas.
35 – O desenvolvimento contínuo do país a taxas robustas, indispensável para a existência de um ciclo longo no qual avance um Projeto Nacional, não teve a prioridade necessária. Prevaleceu uma política econômica híbrida, com direções opostas: uma dirigida ao desenvolvimentismo, enquanto a outra beneficiava o rentismo tanto pelas políticas monetária e cambial, quanto pelo superávit primário. Foi mantido — com mitigações no segundo governo Lula e no início do primeiro governo Dilma — o chamado tripé macroeconômico ortodoxo — e isso agravou a perda de competividade da indústria, funcionou como uma trava ao desenvolvimento e canalizou grande parte do Orçamento Federal para os rentistas, com pagamento de juros e serviços da dívida pública. Revelaram-se insuficientes e pouco ajustados à realidade os esforços para se investir na infraestrutura do país, com capital estatal e privado, nos serviços e na produção. Foram também insuficientes, embora tenham avançado, as políticas e os programas relacionados à produção científica e tecnológica articulada em torno de um sistema nacional de inovação que elevasse a capacidade tecnológica da estrutura produtiva do país. A experiência também evidenciou que os dilemas para se enfrentar as amarras do poderio empresarial e financeiro não se resolvem nem com cedência, nem com voluntarismo.
36 – Para governar e avançar nas mudanças é essencial a mobilização política do povo, uma vez que ele constitui a força motriz dos avanços e transformações sociais. Avanços foram conquistados em decorrência da luta e da mobilização dos trabalhadores e do povo. Alguns exemplos significativos: a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora, realizada em junho de 2010; as marchas unitárias das centrais sindicais, que resultaram na aprovação da política permanente de valorização do salário-mínimo; a expansão das universidades federais; destinação de 75% dos royalties do Petróleo para a educação; e a meta de 10% do PIB para o setor, incluída no Plano Nacional de Educação. As conferências temáticas, que reuniram milhões de pessoas ao longo do ciclo, jogaram papel importante na elaboração de políticas públicas, constituíram-se em espaços de proposição e pressão dos movimentos sociais e deram maior legitimidade às ações do governo. É claro que pela sua natureza tinham limitações devido à institucionalidade e à compartimentação.
37 – Os fatos positivos, no entanto, não podem ocultar erros e insuficiências tanto do governo quanto dos movimentos sociais. Em diversas oportunidades, o movimento sindical não alcançou a politização e unidade política compatíveis com o grau de acirramento do confronto com a oposição. O governo, no curso da acirrada luta política, se relacionou insuficientemente com a sua base de movimentos sociais, salvo em momentos críticos. Subestimou também o papel de importantes entidades da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Lideranças do governo alimentaram a concepção errônea – com respaldo de certas áreas do movimento social – de que a mobilização popular poderia desestabilizá-lo. Essa concepção inculcou o imobilismo e reduziu o papel crítico e impulsionador dos trabalhadores. Partidos e outros segmentos políticos com presença nos movimentos sociais (conservadores ou esquerdistas) em muitas ocasiões se somaram à oposição ao governo, principalmente no segundo mandato da presidenta Dilma – inclusive em apoio ao golpe. Os ensinamentos desse período apontam no sentido de que as entidades e os movimentos dos trabalhadores e do povo devem alcançar outro patamar de politização, ter autonomia e protagonismo na luta pelo poder. Precisam combinar o apoio aos governos progressistas às jornadas por suas bandeiras, para impulsionar o governo pelas mudanças e o indispensável combate às forças conservadoras.
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quinta-feira, 6 de abril de 2017
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