A
Carta Testamento que Getúlio nos deixou é um dos mais importantes
documentos de referência política e ideológica em defesa dos interesses
nacionais.
O Brasil enfrenta um momento
histórico de extrema gravidade. Um golpe de estado institucional está
prestes a ser consumado, afastando definitivamente uma Presidenta da
República eleita com mais de 54 milhões de votos.
E muito do que está em jogo hoje guarda semelhanças profundas com outra
conjuntura trágica ocorrida há sessenta e dois anos, quando forças
anti-democráticas com idênticos interesses anti-povo e anti-nacionais
levaram o Presidente Getúlio Vargas a dar um tiro no próprio peito.
Esse gesto político extremo barrou a tentativa de golpe e levantou
grande parte do povo contra líderes de direita, partidos e mídia
golpistas de então, derrotando-os fragorosamente. Venceu a democracia e
venceram os interesses maiores do povo brasileiro.
A Carta Testamento que Getúlio nos deixou é um dos mais importantes
documentos de referência política e ideológica em defesa da democracia e
dos interesses nacionais da história do Brasil.
O Fórum 21 faz aqui a sua republicação integral para difundi-la da forma mais ampla possível.
Seu conteúdo profundo e sua forma aguerrida são ainda hoje uma bala de grosso calibre contra golpistas de toda espécie.
O momento exige ação, atitude, formas de luta que confrontem a farsa do rito golpista. As mais variadas e criativas.
O modo como as forças democráticas irão vencer ou perder a batalha nesta
reta final do golpe fará toda a diferença para os passos seguintes da
história.
A firme indignação e a denúncia veemente contra a ruptura democrática em
curso são essenciais, mas insuficientes. É preciso reagir também com
gestos e atitudes políticas à altura da gravidade dos fatos e da
desfaçatez dos golpistas.
Tudo o que eles querem – políticos de direita, dirigentes da FIESP e de
várias organizações empresariais, banqueiros, donos da grande mídia,
entre outros – é que a grande maioria da sociedade aceite a
“normalização” do processo, sob essa espúria máscara de legalidade.
É isso que os meios de comunicação oligopolizados repetem todos os dias,
fazendo jus à alcunha que lhes cai tão bem: “PiG, Partido da imprensa
Golpista”.
A resposta das amplas forças democráticas, que estão se manifestando em
todos cantos do país, inclusive nas arenas das Olimpíadas, vistas por
todo o planeta, só pode ser uma: resistência e rebeldia contra o golpe e
os golpistas, em defesa ativa da democracia.
Ao romper com a Constituição, de modo farsesco e sem nenhum pudor, as
elites golpistas lançam o país e suas instituições no rumo do
imponderável. Quem continuará acreditando nas garantias constitucionais
aos mandatos populares se este golpe se consumar? Quem respeitará
poderes ilegítimos?
Mas os golpistas querem usurpar o governo de forma definitiva para impor
um programa antissocial e anti-nacional que não ousariam submeter às
urnas. É por isso que se voltam contra as conquistas sociais desde a era
Vargas e têm por objetivo acabar com a universalização de direitos
sociais inscritos na Carta de 88. Além de entregar o Pré-Sal às
petroleiras estrangeiras, privatizar a Petrobras e outras empresas
estatais e voltar a submeter o Brasil aos interesses das grandes
potências, sepultando a diplomacia da última década, mundialmente
reconhecida como independente ativa e altiva.
Perda da democracia e perda de direitos – uma regressão política, cultural e social profunda – é disso que se trata.
Mas por que republicar e divulgar amplamente agora a Carta Testamento de Getulio?
Nós sabemos que a história não se repete e que cada momento conjuntural
tem suas próprias especificidades. Mas consideramos que há muito em
comum nas várias conjunturas em que as elites antidemocráticas
brasileiras buscaram chegar ao poder rompendo a Constituição, de forma
aberta ou velada, derrubando governantes populares, eleitos
democraticamente pelo povo.
Getúlio enfrentou o golpe e venceu com o sacrifício da própria vida em 24 de agosto de 1954.
Brizola também venceu o golpe contra a posse constitucional do vice-presidente João Goulart,
em 7 de setembro de 1961, usando como principal arma de comunicação a
Rede da Legalidade, formada por emissoras de rádio em várias regiões do
país.
Jango decidiu não reagir ao golpe, em 1° de abril de1964, certamente
evitando o risco de uma guerra civil e a muito provável invasão do
Brasil pela Marinha dos Estados Unidos na conhecida Operação Brother
Sam.
Com o domínio dos golpistas, o país e o nosso povo pagaram o preço de
duas décadas de ditadura, com centenas de mortos e desaparecidos
políticos e milhares de presos, torturados, exilados e banidos, além de
arrocho salarial e extraordinária concentração de renda.
Temos plena consciência dos sacrifícios que o país e o povo terão que
pagar se a cidadania democrática não reagir a altura nesta reta final do
golpe.
Que se unam fortemente todas as forças democráticas do Brasil – partidos
políticos, sindicatos, movimentos sociais, em especial a juventude
combativa, os trabalhadores conscientes, as mulheres destemidas, os
intelectuais e artistas libertários, os religiosos humanistas e tantos
outros.
Que se avance além da denuncia indignada e das manifestações de protesto.
Que se incentive a desobediência civil contra os usurpadores e os que lhes dão cobertura falsamente legal.
Que se adotem variadas formas de luta e ações corajosas e criativas que
desmascarem e deslegitimem na prática a farsa do impeachment no Senado.
Revisitemos a História. Com a palavra, Getúlio Vargas:
Carta Testamento
Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se novamente e se desencadeiam sobre mim.
Não me acusam, me insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o
direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação,
para que eu não continue a defender como sempre defendi, o povo e
principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de
decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros
internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o
trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive
que renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha
subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais
revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros
extraordinários foi detida no Congresso. Contra a Justiça da revisão do
salário-mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade
nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás,
mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás
foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja
livre. Não querem que o povo seja independente.
Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores
do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao
ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes
constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do
café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu
preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia a
ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão
constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo,
renunciando a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda
desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser meu sangue. Se as aves de
rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo
brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de
estar sempre convosco. Quando vos humilharem sentireis minha alma
sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em
vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos
vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação. Meu
sacrifício nos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta.
Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e
manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o
perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória.
Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo
de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício
ficará para sempre em sua alma e meu sangue terá o preço do seu resgate.
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo.
Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia, não
abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha
morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da
eternidade e saio da vida para entrar na história.
Fonte: Fórum 21
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