Nas atuais condições históricas, segundo o presidente do PCdoB, “é indispensável manter a identidade comunista e ao mesmo tempo atuar no curso real da luta política”. Ainda vivemos, diz, “uma realidade de defensiva estratégica e uma fase de acumulação de forças num sentido revolucionário”
Derrota histórica
Esta fase é, ainda, o desdobramento da derrota da experiência mais significativa do socialismo, efetivada na União Soviética e no leste europeu. “Conseguimos grande êxito com a revolução bolchevique”, comentou. “Ficou demonstrada a grande capacidade do proletariado e o espírito revolucionário do povo soviético, especialmente na 2ª Guerra Mundial, pois quem efetivamente derrotou o nazismo foi o Exército Vermelho. Foi uma trajetória extraordinária, mas chegou ao fim, desabou por dentro”.
O fim do socialismo real e a restauração do capitalismo em todo o leste europeu configuraram uma derrota de sentido estratégico para o movimento comunista internacional. “A realidade hoje seria bem diferente se a URSS tivesse sobrevivido. Em consequência da derrota a retomada da luta revolucionária pressupõe a acumulação de forças”.
Crise do socialismo
Os comunistas ficaram sem modelo de sociedade para seguir, ao contrário do que ocorria na época da União Soviética, quando cerca de 80% dos artigos publicados nas revistas partidárias provinham da URSS e leste europeu. “Isto nos forçou a buscar alternativas de construção de uma nova sociedade levando em conta a nossa própria realidade concreta. Ainda vivemos uma fase de crise do socialismo”.
O pano de fundo desta crise é certa estagnação da teoria revolucionária, de acordo com o presidente do PCdoB. “É preciso desenvolver a teoria revolucionária, que obviamente não é a mesma para todas as épocas históricas. A teoria revolucionária da época de Marx era uma, da época de Lênin outra e hoje estamos diante do grande desafio de elaborar a teoria revolucionária para a atualidade”.
A teoria do elo frágil
“Na época de Marx não existiam as condições objetivas de realizar a revolução. A Comuna de Paris foi um ´assalto ao céu´. Marx indicava que para superar o capitalismo é preciso construir uma nova sociedade, mas na compreensão dele a revolução se daria nos países capitalistas mais desenvolvidos. Se queremos construir uma sociedade superior é preciso levar em conta o nível mais elevado das forças produtivas para que as relações de produção pudessem ser superiores”.
“Só que nada disto aconteceu, este socialismo não aconteceu nessas sociedades mais avançadas”, observou. “A revolução ocorreu nos países mais atrasados e coube a Lênin sistematizar e teorizar as razões disto. Elaborou, então, a teoria revolucionária da época, identificando na chamada periferia do capitalismo o elo mais débil do sistema imperialista, que resulta do desenvolvimento desigual das nações. Foi a saída revolucionária para a época”.
Revolução permanente
Imaginava-se que a revolução iria extrapolar as fronteiras soviéticas, invadir a Europa e se alastrar pelo mundo, o que levou Leon Trotsky a elaborar a teoria da revolução permanente, uma fantasia pequeno-burguesa que até hoje motiva a confusão e o diversionismo nas fileiras revolucionárias.
A revolução não vingou na Europa. A possibilidade foi esmagada pela burguesia e morreu com o assassinato de Rosa Luxemburgo em 1919. Dado o atraso econômico e político da Rússia e outras nações que compunham a União Soviética, Lênin logo percebeu que seria necessário estimular formas e relações capitalistas de produção para impulsionar as forças produtivas e criar a base material do socialismo.
NEP
“Daí a passagem do comunismo de guerra para a NEP [Nova Política Econômica, que vigorou entre 1921 e 1927 na URSS]”, observou Rabelo. Problema parecido foi sentido, posteriormente, pela China, Vietnã e, mais recentemente, Cuba, deixando claro que o novo sistema preconizado pelos comunistas não advém da vontade de indivíduos, grupos ou partidos, mas do desenvolvimento objetivo da sociedade. “A China realiza hoje uma grande NEP”.
Como elaborar a teoria nas condições atuais? Conforme Renato Rabelo é preciso considerar os novos fenômenos. Citou, neste sentido, a América Latina, palco de um processo de mudanças que ocorre, singularmente, nos marcos das instituições previamente organizadas e pela via eleitoral. “A compreensão dos novos fenômenos demanda um grande esforço para desenvolver a teoria, que deve estar estreitamente associada à prática. Não estamos aqui para fazer tese acadêmica, desligada da vida”.
Teoria da prática
A teoria tem de considerar a realidade histórica concreta, de forma a servir de guia à prática revolucionária, precisa considerar o fato de que vivemos um momento de transição dada pela necessidade objetiva de uma nova ordem internacional. “Temos em vista que o mundo é constituído por um sistema de poder e que quem está no vértice deste sistema de poder são os EUA”.
Antes, tivemos a bipolaridade, de um lado a URSS e de outro os EUA, com uma rivalidade explícita entre capitalismo e socialismo. Mas isto acabou. Sobreveio o mundo unipolar, hegemonizado pelo imperialismo estadunidense, em aliança com a Europa e o Japão. “Quando falamos do avanço da transição estamos nos referindo a este sistema de poder”.
Declínio dos EUA
A crise da ordem internacional e a consequente necessidade de mudança, determinante da transição, decorre da tendência histórica de declínio relativo dos EUA, que hoje está mais clara e já não suscita tanto debate. Este declínio foi intensificado pela emergência da crise nos EUA, no final de 2007.
“Esta crise acelerou o processo de transição, pois a superpotência perdeu muitos meios que tinha nas mãos. A crise atingiu o coração do sistema, por isto é sistêmica. Começou nos EUA e agora o centro da crise é a Europa. Isto tem implicações significativas no processo de transição”, sublinhou o presidente do PCdoB.
Desenvolvimento desigual
Na lógica do desenvolvimento desigual, que atua como lei objetiva da evolução do capitalismo em sua etapa imperialista, enquanto os Estados Unidos e as potências capitalistas tradicionais (Europa e Japão) amargam um processo de declínio, com taxas de crescimento relativamente baixas e declinantes num processo de semi-estagnação, na chamada periferia do sistema surgem polos importantes em que a crise foi logo contornada.
É o caso concreto da China, que ao longo das últimas décadas cresce a taxas anuais de 10% ao ano. Alguns países da “periferia”, como os integrantes do BRICS, se beneficiaram do crescimento chinês. As divergências nos ritmos de desenvolvimento provocam o progressivo deslocamento do poder econômico mundial dos EUA e da Europa para a China e outros polos emergentes.
Comunistas recuperam influência
“A nova realidade internacional e a mudança do cenário nacional, levando em conta o ciclo político aberto por Lula e continuado por Dilma Rousseff, conferem ao Brasil uma nova dimensão também no quadro internacional”, afirma Renato.
Tudo isto realça “a importância de atualizar a teoria revolucionária”. O dirigente do PCdoB sustenta que o movimento comunista internacional “começa a recuperar sua influência no processo de acumulação de forças (no sentido ideológico, político e prático da influência concreta na sociedade)”, o que melhora as perspectivas de enfrentar os desafios emergentes do processo de transição e avançar na elaboração teórica e na apresentação de uma alternativa revolucionária concreta ao sistema capitalista e imperialista.
Do Rio de Janeiro, Umberto Martins
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