O povo nas ruas fará bem à presidente
As duas crises recentemente vividas pelo governo da presidente Dilma revelaram alguns vícios crônicos da vida política brasileira e simultaneamente puseram a descoberto as debilidades políticas e ideológicas do time titular à frente do país. Tais dificuldades precisam ser superadas, sob pena de não se cumprir a missão que justificou sua eleição pela esmagadora maioria do povo brasileiro em outubro passado.Quanto ao primeiro aspecto, ficou escancarado que a corrupção, o tráfico de influência, o enriquecimento meteórico de titulares de cargos públicos e de seus familiares ou laranjas permanecem como um mal crônico próprio de um Estado que só é democrático em seus aspectos formais. Falta-lhe a essência renovadora da participação popular e uma composição de forças nos órgãos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, que assegure poder aos trabalhadores e demais camadas populares.
A presidente já deu mostras suficientes de que não transige nem transigirá com o ilícito e o errado, mas o fato de partidos da sua base parlamentar e figuras de seu próprio partido estarem no olho do furacão dos escândalos mais recentes recobre o povo que a segue e apoia de dúvidas quanto à eficácia da sua ação à frente dos destinos do país.
Episódios nefastos como o protagonizado por Palocci e agora pela cúpula do PR, os quais revelaram nenhum republicanismo, paralisam o governo e o colocam sob uma saraivada de golpes baixos próprios de uma situação em que se instala uma luta intestina sem princípios por nacos de poder.
Em tal ambiente, o risco de a situação política se estiolar e o governo se perder em questiúnculas, desviando-se do rumo e afastando-se da luta por um novo projeto nacional de desenvolvimento, é grande.
Por óbvio, a causa destes problemas não se encontra em fatores de ordem moral, mas política, e radica em dois fatores principais. O primeiro deles é que a vida vai revelando que faltam convicções profundas e sólidas quanto à necessidade de efetivamente avançar na realização de mudanças. Isto fica patente nos descaminhos da reforma política, que vai tomando contornos de uma contrarreforma antidemocrática, e no espírito de rotina conservadora com que vai sendo tocada a política econômica, enquanto os problemas se avolumam, entre eles a desindustrialização do país. É um ambiente de acomodação geral, como se por um lado o aprofundamento e alargamento da democracia e, por outro, o desenvolvimento do Brasil, não fossem necessidades impostergáveis, sem cujo atendimento o país inevitavelmente retrocederá.
O segundo é a total ausência de uma articulação política e a inexistência de um núcleo de esquerda no interior do governo, para problematizar, pensar em novas alternativas, assessorar multilateralmente, contribuir para dar rumo e adensar a orientação política. Trata-se de um contrassenso, pois sem um núcleo com tais características atuando junto aos movimentos populares e ao eleitorado progressista a batalha de 2010 não teria sido vitoriosa. E uma vez constituído o governo, a falta desse núcleo corresponde ao exercício de um ilegítimo hegemonismo de uma facção de um só partido.
A esquerda, o movimento popular, as forças vivas da nação, os patriotas e democratas, que lutam pelo avanço do Brasil por meio da realização de transformações de fundo em sua vida política e social e no seu modelo de desenvolvimento, podem e devem ajudar o governo a resolver seus impasses e superar suas debilidades. A hora é propícia a mais diálogo, mais interlocução entre essas forças e o governo.
O momento requer ainda maior mobilização popular. Foram pedagógicas as mais recentes manifestações dos trabalhadores. Lideradas pelas centrais sindicais, entidades que não se opõem ao governo, muito pelo contrário, apoiaram com entusiasmo a eleição da presidente e lhe dão respaldo político, foram demonstrações de luta por direitos sociais – principalmente a redução da jornada de trabalho para 40 horas – e por um novo rumo para a política econômica, quando exigiram um basta à desindustrialização do país. O povo na rua pode fazer bem ao governo. É o fator que vai garantir a formação de uma consciência favorável à realização das reformas estruturais democráticas.
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