Quando ele foi fundado, há nove décadas, o mundo era totalmente diferente. O grupo que se reuniu para criá-lo, na grande cidade chinesa de Xangai, não tinha qualquer força política, mas estava impressionado com as noticias que chegavam da Rússia. Ali, proletários, à frente de uma revolta, derrubaram poderosa e cruel monarquia e começaram a construir uma sociedade nova, a que chamaram de socialismo. Era incrível.
Por Haroldo Lima*Como isto foi possível? E na China, será que uma coisa semelhante poderia acontecer?
E o grupo resolveu agir. O primeiro passo era fazer o que os russos fizeram em primeiro lugar: organizar uma turma coesa, disciplinada, que fosse buscar no marxismo o guia para suas ações. E por isso fundou, em primeiro de julho de 1921, esse agrupamento que recebeu o nome de Partido Comunista da China.
Havia doze pessoas naquela reunião que fundou o Partido. No meio delas estavam dois professores universitários e trabalhadores em geral. Também havia um líder camponês, de 28 anos, alto, que estudara Pedagogia e trabalhava em biblioteca, que era também poeta, e que, talvez por isso mesmo, acreditava firmemente no que, na época, era quase uma licença poética – a libertação nacional e social da velha China. Seu nome era Mao Zedong.
Naquele período, alguns países centrais impunham uma vida periférica à maior parte dos povos do mundo. Estes eram massacrados, dominados, saqueados. Tirando a Rússia, o mundo vivia sob o império do capital, aparentemente sólido. Mas, a esperança é que, segundo Marx, “tudo que é sólido se desmancha no ar”.
A China, que tinha sido, há séculos atrás, um grande e próspero país, fora transformada, pela ação do capital estrangeiro, aliado às elites retrógradas internas, numa vasta área oprimida, espoliada e humilhada. A Inglaterra, então maior potência do mundo, fez-lhe duas guerras, em 1840 e 1856, para impor-lhe o consumo de ópio, ao final do que he surrupiou 1.092 km2 de território no delta do Rio das Pérolas, onde estava a cidade de Hong Kong, das maiores do mundo, conhecida como a Pérola do Oriente. Quando o século 20 chegou, o antigo Império do Meio estava em situação deplorável, seu território dilacerado e ocupado por tropas de oito potências imperialistas, que se chamavam de “nações civilizadas”, Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Rússia, Itália, França, Áustria e Japão.
Contra tudo isso pelejou o povo chinês. A partir de 1921, o pequeno agrupamento comunista que surgira, “talhado para as grandezas, para crescer, criar, subir”, integrou-se nessas pelejas, foi ganhando força e se pondo à frente das grandes lutas. No país da Grande Muralha de 3.000 km, os comunistas fizeram a Grande Marcha de 9.650 km a pé, e depois de 28 anos de lutas e 26 de guerra, encabeçando uma frente popular, chegaram a Beijing e conquistaram o Poder, em 1949. Mao Zedong, o grande timoneiro dessa travessia, proclamou então, ao seu país e ao mundo: “Está fundada a República Popular da China. De hoje em diante o povo chinês vai se por de pé.” Os que conheciam história lembraram-se do prognóstico de Napoleão, feito no século 18: “Quando a China se levantar o mundo estremecerá”.
E a China começou a se levantar. Quem dirigira o processo da libertação fora aquele Partido Comunista, que agora tinha a responsabilidade de dirigir a fase seguinte, a da construção do país. E a idéia e o compromisso do Partido era de construir o socialismo em seu país. Com este objetivo, outra Grande Marcha foi então iniciada e, como a primeira, que venceu montanhas e vales fazendo ziguezagues, também esta conhece altos e baixos na sua marcha ascendente. Ficava claro que avançar, era ter a perseverança para seguir o caminho da vida, sempre tortuoso, como tudo que é humano, tudo que busca, tudo que cria.
Na primeira década passou-se à estruturação de uma economia socialista. Mas, com forças produtivas atrasadas, tecnologia primitiva, enfrentando pobreza extrema e costumes retrógrados, o socialismo tinha pouco fôlego para se desenvolver. Atalhos foram tentados, como o Grande Salto à Frente, a política das Comunas, que não deram certo. O objetivo inicial, contudo, ia sendo atingido, o de criar uma situação onde todo o povo tivesse o que comer, tivesse o que vestir e tivesse onde morar. Estes eram os direitos humanos concretos mais importantes, que o povo nunca tivera.
O Partido foi se desenvolvendo, e ganhando experiência na construção da Nova China. Em 1978, deu um passo importante. Assumiu que, na China, o socialismo vivia uma “etapa primária”, na qual, perseverando-se no caminho socialista, na base teórica marxista e na direção partidária comunista, havia que se adotar métodos inovadores de construção econômica, naquilo que foi chamado de “socialismo com peculiaridades chinesas”.
Diferentes formas de propriedade foram admitidas em diferentes setores da sociedade, tudo sob o predomínio da propriedade social, especialmente da propriedade estatal, presente nas milhares de empresas estatais, atuantes em todos os setores estratégicos da economia e da sociedade. As leis do mercado foram respeitadas e as próprias empresas estatais foram orientadas para participarem do mercado, concorrerem no mercado, se afirmarem no mercado, se destacarem no mercado. Surgia o que os comunistas chineses chamam de “economia socialista de mercado”.
O desenvolvimento atingiu níveis extraordinários. Nos últimos trinta anos uma expressão nova passou a ser conhecida no jargão universal, os “índices chineses de desenvolvimento”. Tudo que cresce muito, em qualquer parte do planeta, é tido como tendo crescimento chinês.
E o que se julgava impossível aconteceu rápido. A economia chinesa, de atrasada, periférica, começou a ultrapassar a economia de países altamente desenvolvidos. E ultrapassou a França, a Inglaterra, a Alemanha, o Japão. Passa a ser a segunda economia da Terra. E os Estados Unidos? O bastião avançado do capitalismo no mundo, o Estado prepotente e arrogante, que invade países e massacra povos, vai sendo alcançado inexoravelmente pelo gigante socialista da Ásia. Estudiosos diziam que a China, na marcha que vai, passaria os EUA aí pelo ano de 2.050. Hoje, predomina o ponto de vista que de 2.020 a 2.050 a vantagem americana não passa.
E assim, o mundo mudou. De forma intensa, espantosa. “O tempo cobre o chão de verde manto, que já coberto foi de neve fria”. Claro que ainda não é uma mudança completa, e que ainda há muito por mudar. Mas é significativa, e mostra que, por esse caminho, outras mudanças virão.
O tosco analista do capital, perplexo, olha a China de hoje e balbucia baboseiras, sem entender o que está se passando, de onde veio tanto progresso, para onde vai, como se conseguiu tirar tanta gente da pobreza. O que o rústico especialista do capital não diz, ou não percebe, ou não tem dignidade para dizer, é que a emergência da China está ligada ao caminho que ela segue, a do socialismo moderno, com feição nacional, e que esse próprio caminho não poderia ser palmilhado se não tivesse na direção de todo o processo ele, que agora está completando noventa anos, o Partido Comunista da China.
* Haroldo Lima é membro do Comitê Central do PCdoB e ocupa o cargo de Diretor Geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis
Por Haroldo Lima*Como isto foi possível? E na China, será que uma coisa semelhante poderia acontecer?
E o grupo resolveu agir. O primeiro passo era fazer o que os russos fizeram em primeiro lugar: organizar uma turma coesa, disciplinada, que fosse buscar no marxismo o guia para suas ações. E por isso fundou, em primeiro de julho de 1921, esse agrupamento que recebeu o nome de Partido Comunista da China.
Havia doze pessoas naquela reunião que fundou o Partido. No meio delas estavam dois professores universitários e trabalhadores em geral. Também havia um líder camponês, de 28 anos, alto, que estudara Pedagogia e trabalhava em biblioteca, que era também poeta, e que, talvez por isso mesmo, acreditava firmemente no que, na época, era quase uma licença poética – a libertação nacional e social da velha China. Seu nome era Mao Zedong.
Naquele período, alguns países centrais impunham uma vida periférica à maior parte dos povos do mundo. Estes eram massacrados, dominados, saqueados. Tirando a Rússia, o mundo vivia sob o império do capital, aparentemente sólido. Mas, a esperança é que, segundo Marx, “tudo que é sólido se desmancha no ar”.
A China, que tinha sido, há séculos atrás, um grande e próspero país, fora transformada, pela ação do capital estrangeiro, aliado às elites retrógradas internas, numa vasta área oprimida, espoliada e humilhada. A Inglaterra, então maior potência do mundo, fez-lhe duas guerras, em 1840 e 1856, para impor-lhe o consumo de ópio, ao final do que he surrupiou 1.092 km2 de território no delta do Rio das Pérolas, onde estava a cidade de Hong Kong, das maiores do mundo, conhecida como a Pérola do Oriente. Quando o século 20 chegou, o antigo Império do Meio estava em situação deplorável, seu território dilacerado e ocupado por tropas de oito potências imperialistas, que se chamavam de “nações civilizadas”, Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Rússia, Itália, França, Áustria e Japão.
Contra tudo isso pelejou o povo chinês. A partir de 1921, o pequeno agrupamento comunista que surgira, “talhado para as grandezas, para crescer, criar, subir”, integrou-se nessas pelejas, foi ganhando força e se pondo à frente das grandes lutas. No país da Grande Muralha de 3.000 km, os comunistas fizeram a Grande Marcha de 9.650 km a pé, e depois de 28 anos de lutas e 26 de guerra, encabeçando uma frente popular, chegaram a Beijing e conquistaram o Poder, em 1949. Mao Zedong, o grande timoneiro dessa travessia, proclamou então, ao seu país e ao mundo: “Está fundada a República Popular da China. De hoje em diante o povo chinês vai se por de pé.” Os que conheciam história lembraram-se do prognóstico de Napoleão, feito no século 18: “Quando a China se levantar o mundo estremecerá”.
E a China começou a se levantar. Quem dirigira o processo da libertação fora aquele Partido Comunista, que agora tinha a responsabilidade de dirigir a fase seguinte, a da construção do país. E a idéia e o compromisso do Partido era de construir o socialismo em seu país. Com este objetivo, outra Grande Marcha foi então iniciada e, como a primeira, que venceu montanhas e vales fazendo ziguezagues, também esta conhece altos e baixos na sua marcha ascendente. Ficava claro que avançar, era ter a perseverança para seguir o caminho da vida, sempre tortuoso, como tudo que é humano, tudo que busca, tudo que cria.
Na primeira década passou-se à estruturação de uma economia socialista. Mas, com forças produtivas atrasadas, tecnologia primitiva, enfrentando pobreza extrema e costumes retrógrados, o socialismo tinha pouco fôlego para se desenvolver. Atalhos foram tentados, como o Grande Salto à Frente, a política das Comunas, que não deram certo. O objetivo inicial, contudo, ia sendo atingido, o de criar uma situação onde todo o povo tivesse o que comer, tivesse o que vestir e tivesse onde morar. Estes eram os direitos humanos concretos mais importantes, que o povo nunca tivera.
O Partido foi se desenvolvendo, e ganhando experiência na construção da Nova China. Em 1978, deu um passo importante. Assumiu que, na China, o socialismo vivia uma “etapa primária”, na qual, perseverando-se no caminho socialista, na base teórica marxista e na direção partidária comunista, havia que se adotar métodos inovadores de construção econômica, naquilo que foi chamado de “socialismo com peculiaridades chinesas”.
Diferentes formas de propriedade foram admitidas em diferentes setores da sociedade, tudo sob o predomínio da propriedade social, especialmente da propriedade estatal, presente nas milhares de empresas estatais, atuantes em todos os setores estratégicos da economia e da sociedade. As leis do mercado foram respeitadas e as próprias empresas estatais foram orientadas para participarem do mercado, concorrerem no mercado, se afirmarem no mercado, se destacarem no mercado. Surgia o que os comunistas chineses chamam de “economia socialista de mercado”.
O desenvolvimento atingiu níveis extraordinários. Nos últimos trinta anos uma expressão nova passou a ser conhecida no jargão universal, os “índices chineses de desenvolvimento”. Tudo que cresce muito, em qualquer parte do planeta, é tido como tendo crescimento chinês.
E o que se julgava impossível aconteceu rápido. A economia chinesa, de atrasada, periférica, começou a ultrapassar a economia de países altamente desenvolvidos. E ultrapassou a França, a Inglaterra, a Alemanha, o Japão. Passa a ser a segunda economia da Terra. E os Estados Unidos? O bastião avançado do capitalismo no mundo, o Estado prepotente e arrogante, que invade países e massacra povos, vai sendo alcançado inexoravelmente pelo gigante socialista da Ásia. Estudiosos diziam que a China, na marcha que vai, passaria os EUA aí pelo ano de 2.050. Hoje, predomina o ponto de vista que de 2.020 a 2.050 a vantagem americana não passa.
E assim, o mundo mudou. De forma intensa, espantosa. “O tempo cobre o chão de verde manto, que já coberto foi de neve fria”. Claro que ainda não é uma mudança completa, e que ainda há muito por mudar. Mas é significativa, e mostra que, por esse caminho, outras mudanças virão.
O tosco analista do capital, perplexo, olha a China de hoje e balbucia baboseiras, sem entender o que está se passando, de onde veio tanto progresso, para onde vai, como se conseguiu tirar tanta gente da pobreza. O que o rústico especialista do capital não diz, ou não percebe, ou não tem dignidade para dizer, é que a emergência da China está ligada ao caminho que ela segue, a do socialismo moderno, com feição nacional, e que esse próprio caminho não poderia ser palmilhado se não tivesse na direção de todo o processo ele, que agora está completando noventa anos, o Partido Comunista da China.
* Haroldo Lima é membro do Comitê Central do PCdoB e ocupa o cargo de Diretor Geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis
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