A instabilidade política em nosso país se agrava. A autoridade presidencial é questionada e vive-se uma descontrolada e selvagem situação institucional. Os partidos da oposição – tendo o PSDB à frente – são instrumentos da mídia hegemônica e de seus patrões na guerra aberta e camuflada para derrotar a esquerda, sendo o PT sua expressão principal, com o objetivo de desacreditar e derrubar a presidenta Dilma e criminalizar o ex-presidente Lula.
Por Renato Rabelo*
Temos que enfrentar a grave crise política em andamento
Grande conspirata conservadora em marchaOs recentes acontecimentos numa sucessão cumulativa vão demonstrando estar em curso uma grande conspirata conservadora em marcha batida – desde a prisão de João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, passando agora pela prisão dos presidentes das maiores empresas da engenharia nacional(Odebrecht e Andrade Gutierrez), colocando em polvorosa inúmeras lideranças políticas e inculcando de forma articulada, pela mídia hegemônica, rumores e deduções de que essas prisões são a escada para se chegar ao ex-presidente Lula. Até o inédito pedido de explicações do Tribunal de Contas da União (TCU) à presidenta da República, dando-lhe 30 dias para justificar as “manobras fiscais”. De antemão, o relator do caso já indica que esse Tribunal pode rejeitar pela primeira vez na história as contas do governo federal – situação explorada ad nauseam.
E, no vai e vem de supostas novidades, entram em cena os articulistas de plantão fazendo grande escarcéu a respeito da alardeada delação do presidente da UTC, indo além do decoro, da hipocrisia e do farisaísmo. Os holofotes se voltam condenando a presidenta Dilma e o PT, pelo dinheiro doado pelo empreiteiro para campanha eleitoral. Aécio Neves, que recebeu da mesma fonte um valor ainda maior é, neste caso, apenas uma demonstração de boa vontade do doador. Volta à baila a repisada tentativa da oposição de fundamentar“juridicamente” o pedido de impeachment da presidenta Dilma. E por aí a marcha segue.
Vozes de grande expressão no mundo jurídico e a própria OAB têm se pronunciado de forma crescente sobre o fato de que a denominada Operação Lava Jato tenha se desvirtuado. Ressalta a evidente ilegitimidade que se desenha nessa Operação policial, comandada por um juiz de primeira instância do Paraná. Vem sucedendo um distanciamento do seu mandato precípuo de julgar e analisar as provas com isenção para se tornar o defensor de uma causa, resultando numa operação cada vez mais usada politicamente. E com direito a um palco montado pela mídia hegemônica – revelando mais a postura de um “justiceiro” do que a de um magistrado. As prisões são ancoradas em presunções e não em provas. O instituto da delação premiada –que deveria ser espontânea– é provocado por meio de prisão preventiva, que se prolonga até que o detento constrangido faça uma deleção, sendo esse o roteiro para alcançar sua liberdade. Algo de estranho acontece nessa “República da Lava Jato”: já são dezoito acusados que assumiram a delação premiada. Nessa situação, o curso penal toma um destino anômalo: se afasta do princípio da presunção da inocência e do devido processo legal.
O processo que decorre em segredo de justiça é reiteradamente vazado seletivamente direcionado para atingir a presidenta Dilma, desmoralizar o PT e os partidos da base do governo e criminalizar o ex-presidente Lula. Ademais, impõe que as empresas investigadas não devem manter contratos ou participar de novos programas de concessão do governo, dificultando ainda mais a retomada do crescimento e entregando o mercado de grandes obras a empresas estrangeiras.
Assim, o curso político atinge um estágio no qual esse consórcio oposicionista prossegue a recarga, numa ação já ostensiva, de destruir o Brasil – sua economia nacional, empresas estatais, estrutura social – para abrir caminho e justificar a volta desse consórcio ao centro do poder. Ademais, essa destruição vai ao encontro de seus propósitos de “reformar”o país à sua imagem e semelhança,baseados completamente nos moldes do neoliberalismo.
Este é o modo de acumulação do capital do capitalismo contemporâneo. Daí a dominância global capitalista estar nas mãos da oligarquia financeira. Por isso, a resposta a essa grande crise capitalista, irrompida desde 2008, foi direcionada para resgatar essa oligarquia dominante,em detrimento dos trabalhadores e dos povos,das nações da chamada periferia.
Ideologia dominante se apoia em camadas médias da sociedade
Portanto, a escalada conservadora, reacionária e revanchista em marcha no Brasil tem esse projeto maior e essa motivação de fundo. Não podemos compreender o que se passa no Brasil simplesmente mirando no horizonte Nacional. Veja o que se passa em nossa região continental. Essas forças da direita, com ajuda exógena, concentram sua ofensiva em instrumentalizar a insatisfação de parcelas da população, sobretudo de camadas médias, contra governos progressistas e populares, principalmente agora no Equador, na Venezuela, na Argentina e no Brasil.
No caso do Brasil, nas condições atuais,destaco que essa investida da direita – que abriu a porta do armário político, para vir à luz do dia até as forças extremadas de direita, da intolerância, do autoritarismo e do obscurantismo,do “conservadorismo odioso”, como afirma Érico Veríssimo –tem sua base social em camadas médias da pequena burguesia, que nunca aceitaram, em nossa história pátria, o ascenso social das camadas mais pobres e dos trabalhadores, absorvendo a ideologia que tem suas raízes na época colonial, do regime da Casa Grande, e hoje germinada pela visão da burguesia dominante.
Essa ideologia da classe dominante se expressa na concepção da elite conservadora, que compõe em grande medida os aparatos do Estado brasileiro, no plano judicial, dos sistemas de controle púbico, os aparatos militar e policial, e as estruturas funcionais do próprio Executivo. E, na sociedade civil, importantes parcelas de executivos e altos funcionários das grandes empresas, de profissionais liberais, e outros. E por seu domínio econômico tem representação ampla no Congresso Nacional, sendo crescente neste momento. A mídia hegemônica e monopolista tem aí sua base social e viveiro ideológico.
Golpismo “institucional” via protagonismo policial/judiciário/midiático
Qual a singularidade atual da radicalização do embate político? A significativa inclusão e emancipação social vivida nestes últimos 12 anos – conduzida pelas forças progressistas e de esquerda –requer agora um novo ciclo, constituído pelas reformas democráticas estruturais, para continuar o avanço do progresso social, da afirmação soberana nacional, que garanta a autonomia na orientação e condução econômica para a retomada do crescimento com maiores conquistas sociais.
Enquanto a situação anterior permitia ainda expansão econômica e avanço social, com desenvolvimento e distribuição de renda, a luta política, apesar do antagonismo, era “comportada”. Essa fase se esgotou. Hoje, os donos do poder se sentem mais ameaçados. Querem garantir de todo modo seus domínios. Estiveram fora do centro do poder durante mais de 12 anos. E tal situação transcorre num contexto de permanência da crise capitalista global, e exigência de um novo ciclo doméstico para se avançar, assinalado pela demanda de reformas estruturais de sentido democrático. Assim, a luta de classes se externa numa luta política mais aguda e cruenta.
O estrato dominante do sistema se apoia em camadas dessa elite conservadora que compõem o Estado e estão na cúpula social, estimulando e conformando uma grande conspirata – tudo voltado para desacreditar, desmoralizar a esquerda, o governo Dilma e o ex-presidente Lula –, para barrar o ciclo político aberto em 2003.Ademais, não se deve subestimar as evidências de erros cometidos na estratégia de comunicação e na condução política do governo, que favoreceram essa investida conservadora.
Numa analogia ao período histórico de 1964, como sempre considerando as diferenças próprias de cada época, as contingências de gargalos estruturais é que preservavam persistentes privilégios, que levaram o presidente João Goulart a assumir e tentar a realização das Reformas de Base, aspiração de crescente base social popular. Essas mesmas forças políticas e sociais conservadoras – com a mesma ideologia de hoje, numa grande conspiração, com apoio do imperialismo estadunidense – se aliaram ao protagonismo militar, perpetraram o golpe a manu militari. Assim, uma lição: numa transição que exige mudanças mais profundas, e reformas estruturais de sentido democrático, as forças conservadoras e pró-imperialistas tomam a iniciativa de provocar a ruptura para garantirem o establishment. Esse foi o sentido do golpe militar. Essa tem sido a marca da nossa história política.
Essa analogia histórica, como todas, é relativa, tem semelhanças e diferenças. Essa lição de 1964 se encaixa na semelhança de hoje – a transição do ciclo expansivo, distributivo, para as reformas estruturais democráticas–, ainda mais num contexto de crise sistêmica global do capitalismo. Repete, assim, com a singularidade atual a conformação de uma grande conspirata do conjunto das forças conservadoras, que se movimentam no sentido de uma ruptura que trunque o avanço democrático e progressista e permita a volta dessas forças ao poder central. Desta vez através do protagonismo policial/judiciário/midiático, numa forma esdrúxula de golpe “legal”, ou golpismo “institucional”. Não é um embate político pacífico, mas uma guerra de extermínio, hoje declarada, para provocar a ruptura mencionada, estampada sem cessar pelo cartel de empresas midiáticas hegemônicas. Essa é a concretude do curso político atual.
Frente Ampla para a unidade de ação antigolpista
A dimensão da crise política no período atual abrange essa grande conspirata em andamento das forças conservadoras e a resposta em tempo das forças democráticas, populares e progressistas, a fim de seguir o aprofundamento das mudanças.
Diante dessa tempestuosa ameaça de retrocesso, se sobressai o imperativo de sustentar a unidade do campo democrático, popular e progressista, das suas lideranças, buscando a convergência numa ação comum, na base da relação de confiança mútua, enfatizando a relação de apoio e impulso à presidenta Dilma, visando a ampliar forças para fazer frente e derrotar a escalada conservadora. Nesse sentido, é maior a responsabilidade da esquerda, de seus partidos, e dos movimentos sociais em busca de reforçar a resistência e impulsionar a contra ofensiva.
Nesse tipo de grande batalha, para a superação da condição de defensiva é preciso distinguir duas tarefas que se combinam: uma de caráter emergencial para rechaçar a investida golpista em marcha; outra, de caráter fundamental, que se relaciona com essa premissa, a fim de que se possam realizar as reformas estruturais democráticas imprescindíveis ao desenvolvimento nacional. A emergencial deve ser compreendida por bandeiras aglutinadoras, podendo se expressar numa frente ampla democrática, patriótica e progressista.Primeiro, a defesa do Estado Democrático de Direito, em face da investida autoritária, contra o retrocesso institucional, destacando-se a defesa do mandato constitucional da presidenta Dilma, recém-eleita; e, indo além, porque estão em jogo as leis e normas constitucionais, os princípios do legítimo processo penal e da segurança jurídica de todo cidadão, sendo uma exigência a mobilização do pensamento jurídico nacional e de todos os partidários da defesa da democracia. Segundo, a defesa da economia nacional, para a retomada do desenvolvimento com progresso social, expressa neste momento no fortalecimento da Petrobras, na manutenção do regime de partilha na exploração do pré-sal, do conteúdo nacional e da engenharia nacional.
A fundamental compreende a defesa das reformas estruturais de sentido democrático, amplamente referidas pelo Programa do PCdoB, numa ampla conjunção de forças democráticas, populares e progressistas –sem as quais é inviável o desenvolvimento nacional nesse novo ciclo, que requer desobstrução dos gargalos estruturais para elevação do investimento e da produtividade geral da economia, soberania na condução econômico-financeira e avanço social.
A convergência da ação na base do governo, a importância da aliança com o PMDB neste momento e o necessário papel político desempenhado pelo vice-presidente da República são exigências estabelecidas pelo nível da relação de forças – sendo assim, um meio imediato de abrir caminho para se superar a fase mais aguda da crise. Neste sentido, a superação da crise e o avanço progressista do novo ciclo dependem em grande medida da retomada do crescimento, essencial para a recomposição do liame do governo com os trabalhadores, com as massas populares e com os setores do capital produtivo.
O ajuste, considerado pelo governo inevitável para retomar o crescimento, já está posto. É preciso ir adiante. O essencial agora é dar sistematização e consistência ao projeto de desenvolvimento nacional nesta etapa. Nessa orientação, as primeiras iniciativas do governo são significativas, apesar de um verdadeiro boicote imposto aos fatos pela grande mídia, como: Programa Minha Casa, Minha Vida 3; Planos Safra para a agropecuária e a Agricultura Familiar, com maior volume de crédito; Programa de Exportação; Megaplano de Concessões do governo federal para infra-estrutura logística. Enfim, começam a ser estabelecidos grandes aportes de investimentos, e programados outros de grande porte, como o empreendimento Brasil, Pátria Educadora.
*Renato Rabelo é ex-presidente nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
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