Estudos que buscam revelar um pouco mais da história de um dos fatos mais traumáticos da história recente da Amazônia são apresentados ao público na nova edição do "Destaque Amazônia", publicação do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG).
Durante a ditadura militar, vários partidos políticos e organizações de esquerda optaram pela luta armada. Nos conflitos rurais, o mais importante foi a Guerrilha do Araguaia. Ocorrida no início da década de 1970, a guerrilha teve este nome por ter sido travada em locais próximos ao rio Araguaia, na divisa entre Pará, Maranhão e, hoje, o estado do Tocantins.Como resultado do conflito, foram registrados 76 mortos, dos quais 59 militantes do Partido Comunista do Brasil e 17 recrutados na região. Também por isso, acabou se transformando no principal confronto direto entre o regime militar e a esquerda armada.
Assim, a edição de janeiro do informativo do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), "Destaque Amazônia", é especial, e trata de estudos desenvolvidos por pesquisadores e bolsistas da instituição na região do Araguaia. E é nesse local onde o Grupo de Trabalho do Tocantins (GTT), criado no âmbito do Ministério da Defesa, desenvolve diversos estudos sobre esse recente acontecimento na história da região amazônica.
O grupo é responsável pela construção do acervo da memória social da Guerrilha do Araguaia integrado ao projeto de identificação dos restos mortais dos guerrilheiros. O trabalho conta com a participação de dois pesquisadores do Museu Goeldi: Rodrigo Peixoto e Ivete Nascimento. Reunir, reproduzir, catalogar e organizar a vasta documentação sobre a guerrilha a fim de disponibilizá-la ao público é a meta do grupo.
Para isso, o GTT registra, em áudio e vídeo, depoimentos sobre a guerrilha para construir um arquivo de história oral temático, e é com base nessas gravações em vídeo que Adriana Coimbra, bolsista de iniciação cientifica do Museu Goeldi, realiza a pesquisa "Memórias do Araguaia: relatos de uma guerrilha".
Em busca da verdade
Em 1982, instaurou-se processo contra a União Federal do Brasil, que ordenava que fossem achados e identificados os restos mortais de 70 pessoas, entre os quais membros do PC do B e camponeses presos, torturados e desaparecidos. De lá pra cá, houve quebra de sigilo das informações militares, a criação do Grupo de Trabalho do Tocantins, 19 expedições ao local onde os combates ocorreram, identificação de duas pessoas e a condenação do Brasil frente à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Mas o resgate da história da Guerrilha do Araguaia ainda está longe de ser concluída. Presente na vida e na memória das pessoas que sobreviveram, a Guerrilha tem parte de sua história guardada pelos que fazem parte da Associação dos Torturados, no Tocantins.
Memória Social
Em tantos anos, as feridas que a Guerrilha do Araguaia deixou nas pessoas e no local ainda não foram cicatrizadas. A paisagem resultante no local é de destruição e desolação, os sentimentos das pessoas são de insegurança e impunidade e as perguntas ainda continuam sem respostas.
"Os que viveram os horrores daqueles dias de incerteza e de restrição das liberdades capitaneados pela dureza dos chamados 'anos de chumbo', trazem na memória lembranças que talvez prefeririam esquecer. Nesse sentido, o desafio é mostrar que a memória não é apenas um instrumento ideológico, mitológico e não confiável. Deve ser, sobretudo, um instrumento de luta, como meio de acesso à igualdade social, garantindo o direito à conquista das identidades", afirma Adriana Coimbra.
O estudo, que ganhou matéria na mais recente edição do jornal do Museu Paraense Emílio Goeldi, é orientado pelo pesquisador Rodrigo Peixoto - também do Goeldi - e analisa as memórias existentes sobre a Guerrilha do Araguaia na região conhecida como Bico de Papagaio, no sul e sudeste do Pará, no período entre 1967 e 1975.
Adriana Coimbra ressalta que diversas são as visões criadas acerca da guerrilha e de seus participantes, tanto do lado do Estado quanto da sociedade civil. Além disso, a proximidade com os dias de hoje faz a guerrilha muito presente na memória e no cotidiano da população local - mesmo que já se tenham passado 35 anos da dizimação do projeto guerrilheiro.
Religião e resistência
Outro aspecto abordado no "Destaque Amazônia" é a questão religiosa. Ana Andrade, bolsista de iniciação científica desenvolveu o trabalho "Razões práticas da Teologia da Libertação no Xingu e no sul sudeste do Pará". Orientada por Rodrigo Peixoto, ela procura identificar a atuação e a percepção dos agentes sociais ligados à ala progressista da Igreja Católica envolvida com as causas dos movimentos sociais e lutas pela terra no Xingu, Sul e Sudeste do Estado do Pará.
Os padres atuantes no sul do Pará, ditos revolucionários e ligados à Teologia da Libertação, promoviam encontros em igrejas. Nos seus sermões falavam a respeito do que estava acontecendo na sociedade. "Os militares não gostaram muito disso e, logo no início, a Igreja, que apoiava a revolução, teve que romper com o Estado e adotar claramente o lado dos reprimidos", lembra Ana.
Confira aqui a versão online do "Destaque Amazônia".
Fonte: Jornal da Ciência, com informações da Agência Goeldi
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