Fundação Maurício Grabois
Discurso de Maurício Grabois publicado no Diário da Assembleia de 2 de setembro de 1946, p. 16 e 17.
O SR. MAURÍCIO GRABOIS – Sr. Presidente, Srs. Constituintes, a bancada do Partido Comunista nesta Assembleia tem sempre dado mostras de seu espírito de unidade, para resolver os problemas mais cruciantes do nosso povo e da democracia em nosso país.
A todos os Srs. deputados e senadores não deve ter passado desapercebido o esforço que os representantes comunistas vêm aqui desenvolvendo, com o propósito de dar ao Brasil uma Constituição verdadeiramente democrática.
Claro está, Sr. Presidente, que divergências existem entre os diversos partidos e até, por vezes, no seio dos próprios partidos, porque esta Assembleia é, de fato, democrática e expressa a vontade e a opinião das variadas correntes políticas brasileiras.
Nenhum dos ilustres Srs. representantes poderia negar o esforço que vimos desenvolvendo, a fim de dar ao país a Constituição que o povo reclama. Não só nos trabalhos constitucionais, através de nossas atividades diárias, em contato com todos os nossos dignos colegas, como nas várias Comissões parlamentares e em todos os momentos, enfim, temos demonstrado o propósito de honrar os compromissos assumidos perante o povo brasileiro.
De forma alguma, em qualquer instante de nossas atividades parlamentares, deixamos de cumprir os preceitos democráticos, e se assim agimos é porque nosso partido – partido que é do proletariado – tem, hoje, grande responsabilidade na vida política do Brasil.
Srs. Constituintes, se estamos construindo uma democracia, não podemos compreender que isto se processe sem a participação do Partido Comunista. Será sonho pensar-se que, após a derrota de Hitler nos campos de batalha, possamos realizar a verdadeira democracia sem a presença do Partido Comunista, ou seja, sem a participação do proletariado. Aí temos os exemplos da França, da Tchecoslováquia, Iugoslávia, de todas as nações do mundo, exceção feita de países onde ainda perduram vestígios do fascismo, como Espanha e Portugal.
Sr. Presidente e Srs. Constituintes, não obstante nossa posição em defesa intransigente do regime democrático, de que é guarda avançada esta Assembleia, elementos reacionários, fascistas mesmos, homens que no passado estiveram ligados a Hitler e Mussolini, e que hoje conspiram contra a democracia, procuram por todos os meios e modos, levantar as piores calúnias contra o nosso partido, tentando levar o povo à confusão, com o fim de lançar nossa organização partidária na ilegalidade.
Aqui desta tribuna teve oportunidade de afirmar o nobre senador, Sr. Luís Carlos Prestes que nós, comunistas, não temos o fetiche da legalidade. Defendemos, intransigentemente, a nossa legalidade, porém, não somos nós os comunistas, os únicos interessados na defesa dessa legalidade do partido. Porque, hoje, lutar em defesa do Partido Comunista é fazê-lo em defesa da democracia. Nós, comunistas, porque compreendemos os sofrimentos do povo, as aspirações das massas trabalhadoras, saberemos dirigi-los e orientá-los na luta em quaisquer circunstâncias, quer na legalidade, quer na ilegalidade. Não nos assusta a ilegalidade. Não serão as ameaças de que será liquidado o nosso partido, de que lhe será negada existência legal, de que seus dirigentes serão encarcerados, torturados e até mesmo fuzilados, que impedirão que o nosso povo veja sempre, nos comunistas, seus legítimos defensores, autênticos elementos democráticos. Se o povo vê nos comunistas seus lídimos representantes, é porque sempre nos temos colocado em posição de defesa dos princípios democráticos. E a nossa própria atividade, nesta Assembleia, é um exemplo disso.
Dirijo um apelo para todos os nobres representantes do povo, que reputo democráticos, para que façam um exame de consciência, para que analisem a ação desenvolvida pela nossa bancada e, sem preconceitos, digam se não cooperamos para que tenhamos, de fato, uma Constituição verdadeiramente democrática.
Aqui mesmo, durante os debates, embora modesta, nossa colaboração, não tem faltado à elaboração da Carta Magna.
Vindo à tribuna protestar contra os fatos que estão ocorrendo na capital da República nestes últimos dias, quero ponderar que não o faço unicamente em defesa do nosso partido. O que estamos defendendo é a democracia. Todos os atentados que presenciamos são ao regime democrático. A prisão do 1° suplente de deputado Sr. Trifino Correia, que já teve assento nesta Assembléia, não é um atentado somente ao Partido Comunista, mas à democracia e, se não defendermos as imunidades parlamentares tão duramente atingidas, estaria falida a democracia que procuramos construir.
É necessário que se compreenda que essa defesa é una, indivisível. Não seria justo, atualmente, levantar problemas de ordem filosófica, de ordem partidária, que só podem separar os democratas na luta contra os remanescentes do fascismo. Assim, mantivemos, desde que se criou um clima de liberdade no país, sempre, aqui nesta Assembléia, na praça pública e em nossos documentos, posição de defensores da ordem e da legalidade, de apoio a todos aqueles que querem um regime democrático para o Brasil.
Ninguém mais do que nós deu exemplo de que não temos preconceitos; ninguém mais do que nós sofreu a reação de muitos homens que hoje estão no poder e nem por isso deixamos de lhes estender a mão, no sentido de que caminhemos para a democracia.
O Sr. Jorge Amado – V. Exa. afirma que nossa bancada tem estendido a mão aos que esposam princípios políticos contrários aos nossos e tem apoiado tudo que venha concorrer para a marcha da democracia brasileira. Disse hoje pela manhã, e volto a repetir, porque, talvez, alguns dos Srs. representantes não se encontrassem então na Casa, que, na noite de ontem, o Sr. Senador Carlos Prestes procurou o ilustre líder da União Democrática, Sr. Otavio Mangabeira, a fim de que S. Exa. fizesse chegar ao conhecimento do Governo que o Partido Comunista do Brasil estava pronto para apoiá-lo, a fim de que fosse mantida a ordem.
O Sr. Otavio Mangabeira – É verdade.
O Sr. Jorge Amado – Procurei eu também o Sr Sylvio de Campos, do PSD, porque não se encontrava no, declaradamente fascistas, que não no recinto o Sr. Senador Nereu Ramos, para transmitir-lhe idênticas palavras.
O SR. MAURÍCIO GRABOIS – Agradecido ao aparte de V. Exa.
Esse entendimento que o líder do nosso partido teve com o líder da União Democrática Nacional completa-se, agora, com o meu apelo a todos os Srs. representantes, para que tomem posição ante os atentados que se estão perpetrando contra a democracia.
Há elementos enquistados no governo, declaradamente fascista, que não são unicamente inimigos do povo, inimigos do Partido Comunista, mas do próprio Exmo. Senhor Presidente da República. Um homem, por exemplo, como o Sr. Pereira Lyra, que foi para a Chefia de Polícia, sob uma falsa auréola de democrata, compromete sem dúvida o governo.
O Sr. Samuel Duarte – Os atos do Sr. Pereira Lyra têm merecido apoio integral do Sr. Presidente da República.
O Sr. José Candido – Pior ainda.
O SR. MAURÍCIO GRABOIS – Não temos conhecimento do apoio dado pelo Sr. Presidente da República aos atos praticados pelo Sr. Pereira Lyra, conforme acentua o nobre deputado.
O Chefe do Governo teve ocasião de afirmar que desejava ser o “Presidente de todos os brasileiros” e, no entanto, o Sr. Pereira Lyra está sendo, até agora, o maior inimigo dos brasileiros e, não contente com a marcha constante que o Brasil toma no sentido da democracia, inventa, a cada instante, planos mirabolantes de subversão da ordem e apresenta os comunistas como eternos perturbadores da paz interna no país. Ao contrário, temos intransigentemente tomado posição em defesa da ordem e da tranquilidade, porque só dentro desta poderemos construir a democracia, e, construindo-a, poderemos, através dos meios legais fortalecer o nosso partido, propagar o nosso programa e, desta maneira, pacificamente, acompanhar e orientar o povo na luta sempre crescente para o progresso e felicidade do Brasil.
O Sr. Samuel Duarte – Não estou justificando violências que, acaso, hajam sido praticadas pela Polícia. Quero afirmar a V. Exa. que, até o momento, o Sr. Chefe de Polícia tem merecido a confiança do Sr. Presidente da República. Por consequência, essa orientação do Sr. Pereira Lyra tem obtido apoio e aprovação do Sr. General Eurico Gaspar Dutra que, no regime presidencial em que vivemos, é o maior responsável, pelos momentos que estamos vivendo.
O Sr. Lino Machado – Neste ponto, V. Exa. tem toda razão. O Sr. General Eurico Gaspar Dutra é o maior responsável, porque, da tribuna desta Casa, tais atentados têm sido insistentemente trazidos ao conhecimento do país.
O SR. MAURÍCIO GRABOIS – O nobre deputado Sr. Samuel Duarte defende o Sr. Chefe de Polícia, que está praticando hoje as maiores violências, só comparáveis àquelas do período da ditadura e do tempo do Sr. Filinto Muller.
O Sr. Caires de Brito - Essa a razão por que sugerimos ao Sr. General Eurico Gaspar Dutra, a nomeação de uma Comissão Parlamentar, a fim de que todos fiquemos sabendo o que existe em verdade no Brasil, em face das medidas tomadas na noite de ontem, principalmente contra o fechamento do nosso partido e contra as próprias imunidades parlamentares que foram evidentemente feridas. As sedes do nosso partido estão ocupadas pela Polícia Militar.
O grupo fascista enquistado no governo está entravando a marcha da democracia, que é golpeada a cada instante. A suspensão da “Tribuna Popular” mereceu desta tribuna o protesto de todos os democratas. Mas não tomando conhecimento de tais protestos, esse mesmo grupo como que zombando dos democratas, desfere novos golpes contra a democracia.
Sabemos que a situação do nosso povo é muito séria. O ilustre deputado Sr. Café Filho teve ocasião de referir-se à miséria em que se debate o povo. Há sem dúvida um grande descontentamento popular e este só será resolvido com medidas que solucionem as causas da miséria e da fome que aflige a população.
No entanto, elementos provocadores, dirigidos por fascistas, estão mobilizando a mocidade estudiosa com a exploração do seu entusiasmo juvenil, principalmente do curso secundário, para realizar ataques à propriedade, depredando, sobretudo, o pequeno comércio, criando ambiente de intranquilidade e de insegurança, capaz de justificar atentados contra a democracia.
Tais movimentos, que estamos presenciando, são olhados, porem, como foi dito desta tribuna, com grande simpatia pelo povo. Não somos partidários desses movimentos. Sabemos que apedrejamentos de casas e violências outras não vão resolver o problema da fome do nosso povo.
O Sr. Plínio Barreto – Ao contrario, vão agravá-lo.
O SR. MAURÍCIO GRABOIS – Temos conhecimento de que tais movimentos são insuflados por elementos provocadores. São eles que estão desvirtuando um protesto de estudantes contra a carestia da vida, movimento que, em si, contava coma as simpatias populares.
Ontem, dois deputados ilustres a esta Assembleia, cujos nomes não desejo declinar, contaram que, narrando em casa o que acontecera na Cinelândia, a Senhora e os filhos de um desses colegas disseram “muito bem” e a senhora do outro lastimou não ter tal fato ocorrido na Urca.
Que significa isso? Significa que há um ambiente de intranqüilidade no país.
Deseja-se, entretanto, transferir a responsabilidade da agitação que ai está, para o Partido Comunista. O Sr. Pereira Lira procura apontar os comunistas como os responsáveis por essas perturbações a que estamos presenciando nos últimos dias.
Protestamos contra tais afirmações. Temos ciência de que o Chefe de Polícia está preparando um plano para atribuir ao nosso partido a responsabilidade de todos esses atos. As prisões em massa contra os membros do Partido Comunista estão se verificando agora, não só nas ruas, como nas residências – para, amanhã, pretender-se justificar que foram eles os promotores desses movimentos contra a propriedade.
Queremos desmascarar essas atividades policiais que não são unicamente dirigidas contra o Partido Comunista, mas contra a própria democracia.
A sede do nosso Comitê Nacional, na Rua da Glória, está ocupada militarmente, quando não há nenhuma resolução do Superior Tribunal Eleitoral a respeito. É indispensável que se respeite a justiça eleitoral. Como se ocupa militarmente a sede de um partido legalmente registrado, com representantes nesta Assembléia? Que quer isso dizer? O que significa a invasão de casas de representes do povo, como a do Sr. Carlos Marighela, onde a polícia entrou à força, prendendo quatro pessoas?
O Sr. Lino Machado – Isto é um atentado à Constituinte, não ao Partido Comunista.
O SR. MAURÍCIO GRABOIS – É um atentado à democracia. Hoje mesmo o Sr. José Crispim foi visitar o deputado João Amazonas, sendo impedido de entrar na residência do nosso companheiro por dois beleguins da polícia, que ali estão para proibir a entrada de qualquer pessoa.
Onde estão Srs. Constituintes, as imunidades parlamentares?
O Sr. Gabriel Passos – E as garantias individuais?
O Sr. Lino Machado – E as próprias garantias individuais, diz muito bem o Sr. Gabriel Passos.
O SR. MAURÍCIO GRABOIS – É indispensável que a Assembleia compreenda o grave momento que atravessamos.
O Sr. Caires de Brito – O suplente de deputado, Capitão Trifino Corrêa, foi preso hoje, apesar de todas as suas imunidades.
O SR. MAURÍCIO GRABOIS – Não só o suplente Trifino Corrêa, mas a própria imprensa. Quase toda a redação da “Tribuna Popular” está detida. A conhecida jornalista Maria da Graça encontra-se encarcerada.
Todos esses atentados mostram a situação de anormalidades que estamos vivendo. E os auxiliares, do governo que cometem tais arbitrariedades, são, na pratica, seu maior inimigo, pois estão criando ambiente de intranqüilidade no país.
Por isso, pedimos à Casa a constituição de uma Comissão de Parlamentares, com representantes de todos os partidos, a fim de fazer sentir junto a S. Exa. o Sr. Presidente da República a necessidade de afastar tais elementos que dificultam e entravam a normalização constitucional em nossa terra.
Acreditamos no patriotismo do atual governo. Esperamos que, conforme suas declarações, seja ele, como pretende, o Presidente de todos os brasileiros.
Precisamos compreender que se desejamos uma Constituição democrática, o império da ordem e da lei em nosso país, é indispensável o entendimento entre todas as correntes políticas. Unidos, lutemos por este ambiente de ordem e tranquilidade, para o qual o nosso partido dá toda a sua colaboração.
Assim, Srs. Constituintes, encaminho à Mesa o requerimento da bancada do Partido Comunista.
Espero que a Assembleia Constituinte faça respeitar as imunidades parlamentares dos representantes do povo e envide todos os esforços no sentido de evacuar as tropas que ocupam militarmente a sede do Partido Comunista e impedem a entrada no seu recinto dos respectivos dirigentes. (Muito bem; muito bem. Palmas).