O capitalismo revela sua natureza no país mais rico do mundo, concentrando riqueza num polo e miséria noutro. O contingente de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza no rastro da crise iniciada no final de 2007 é o maior da série histórica e equivale à população da Espanha.
Dados divulgados nesta terça-feira, 13, pelo escritório responsável pelo censo dos Estados Unidos revelam que o número de americanos vivendo na pobreza chegou a 46,2 milhões em 2010, o número mais alto desde que os dados começaram a ser coletados, em 1959.
Polarização social
A taxa de pobreza no país aumentou, pelo terceiro ano consecutivo, de 14,3% em 2009 para 15,1% no ano passado, a mais alta desde 1993. Quase um em cada seis estadunidenses vive na pobreza – definida como renda anual individual de até US$ 11,13 mil (aproximadamente R$ 18,8 mil ou R$ 1,56 mil por mês) ou renda de até US$ 22,31 mil (cerca de R$ 37,68 mil; R$ 3,14 mil por mês) para uma família de quatro pessoas.
O critério é mais rigoroso do que o usado no Brasil e o que aqui é celebrado, equivocadamente, como classe média emergente, sob o prisma da renda por lá estaria situado na faixa de pobreza. É indispensável levar em conta, porém, o custo de vida, relativamente bem mais elevado nos EUA.
O avanço da pobreza tem por contrapartida a maior concentração da renda produzida, cada vez mais apropriada pelos ricos em detrimento da classe trabalhadora, o que lembra o vaticínio de Karl Marx de que o capitalismo, deixado ao sabor do mercado, tende a exacerbar a desigualdade e a polarização social, ao concentrar riqueza num polo e miséria noutro.
Crise
A política econômica adotada desde Ronald Reagan (1981-1988), apelidada de reaganomics e preservada ao longo das últimas décadas, alavancou a concentração ao reduzir a carga tributária das camadas mais ricas, a pretexto de promover o crescimento da economia. Há 25 anos, a faixa do 1% mais rico da população detinha 12% da renda americana e controlava 33% da riqueza do país. Agora, este 1% do topo da pirâmide social tem perto de 25% da renda e 40% da riqueza nacional.
A renda real média nos Estados Unidos caiu 2,7% entre 2001 e 2009, refletindo as fragilidades da economia e a atual crise. Mas a fatia apropriada pelos 20% dos americanos mais pobres no período caiu 6,1%, enquanto a dos 5% mais ricos recuou apenas 1,3%. É um escárnio sobre o qual os apologistas do império, que não se cansam de enaltecer as falsas virtudes da maior potência capitalista da história, guardam um profundo e esclarecedor silêncio.
A crise agravou o problema, propiciando um crescimento assustador do número de trabalhadores e trabalhadoras desempregadas e desamparadas, estimado entre 25 a 30 milhões de pessoas. É desta classe que provém a multidão de pobres norte-americanos.
Desemprego
A taxa oficial de desemprego nos Estados Unidos é de 9,1%, mas abrange apenas os assalariados que ainda estão procurando emprego. A realidade do mercado de trabalho é bem pior. Em 2009, o número de pobres também já havia chegado a um recorde, de 43,6 milhões de pessoas. Desde então, apesar das declarações de que a economia estava se recuperando, outros 2,6 milhões de americanos caíram abaixo da linha da pobreza, no quarto ano consecutivo de crescimento da miséria.
Os novos dados também revelam as dificuldades econômicas das famílias consideradas de classe média. A renda dessas famílias caiu 2,3% em 2010, chegando a US$ 49,44 mil (cerca de R$ 83,51 mil).
Negros e hispânicos
O censo também reflete o uso e abuso da discriminação étnica pelo capitalismo estadunidense, que nos é apresentado pela direita como o modelo ideal para o mundo. A taxa de pobreza é ainda mais alta entre negros (27,4%) e hispânicos (26,6%) do que entre brancos (9,9%). Entre crianças negras, a taxa de pobreza chega a 39%, mais de três vezes maior do que a registrada entre crianças brancas (12,4%).
O censo também revela que cerca de 50 milhões de americanos não tinham seguro saúde em 2010, mesmo patamar registrado no ano anterior. Os dados foram divulgados poucos dias depois de o presidente Barack Obama ter proposto ao Congresso um plano de US$ 447 bilhões (cerca de R$ 755 bilhões) para combater o desemprego no país.
Há dúvidas, no entanto, sobre as chances de o plano ser aprovado no Congresso, em um momento de grande divisão política nos Estados Unidos e com a oposição republicana no controle da Câmara dos Representantes (deputados federais).
Contradições do capitalismo
A economia será um fator determinante no pleito presidencial do próximo ano, em que Obama busca a reeleição. Pesquisas de opinião indicam que a economia e o desemprego estão entre as maiores preocupações dos eleitores. Isto ajuda a explicar a súbita opção pelos pobres por parte do presidente, que não cumpriu as promessas de campanha e, apesar de ter doado trilhões de dólares aos banqueiros, nada fez para minorar a situação de milhões de trabalhadores desempregados.
De acordo com muitos economistas, a concentração de renda está na raiz da atual crise econômica, contracenando com o desemprego em massa. A exclusão de milhões de trabalhadores pobres do mercado consumidor deprime fortemente a demanda, acentuando a oposição entre produção e consumo, que caracteriza a crise de superprodução, e obstruindo a recuperação da economia.
A contração do consumo tem forte impacto na produção, especialmente nos EUA, cuja sociedade consome bem mais do que produz, vivendo à base do fiado e devendo (governo, empresas e famílias) o equivalente a cerca de quatro PIBs.
A solução para a crise passa necessariamente pela restauração da renda dos trabalhadores e reversão do processo de concentração de riqueza verificado desde o final dos anos 1970. O capitalismo não favorece tal perspectiva e o Estado burguês-imperialista busca na guerra uma saída para a crise, conforme se vê no Oriente Médio. Por isto, os capitalistas encaminham o mundo para a barbárie. A alternativa virá da luta da classe trabalhadora por transformações sociais profundas e pelo socialismo. Ou simplesmente não virá.
Da Redação, Umberto Martins, com agências
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