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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

As pessoas com deficiência e o segundo turno

Flávio Arruda.*

O tema das pessoas com deficiência (PcDs) surgiu como uma das pautas na disputa pela cadeira hoje ocupada pelo presidente Lula no debate entre presidenciáveis ocorrido no domingo (17/10) em uma rede nacional de televisão.

Lá pelas tantas, José Serra quis saber de Dilma Rousseff o que ela faria para ampliar o atendimento a um contingente populacional de “quase trinta milhões” de pessoas com deficiência. Entre pergunta e réplica, o tucano falou em fortalecer os convênios do governo federal com entidades que atendem PcDs, no reforço da distribuição de órteses e próteses, inclusão de crianças e jovens com deficiência na escola, de acessibilidade, de uma rede pública de atendimento ao segmento criada quando governava São Paulo e cuja experiência seria levada para todo o país em um eventual governo do PSDB.

Dilma, respondendo e treplicando, disse que iria ampliar a rede de Sarah de reabilitação, garantir e ampliar os convênios do governo federal com entidades que atendem PcDs, os programas de órteses e próteses, a inclusão de crianças e jovens com deficiência na escola, a acessibilidade e deu números relativos aos investimentos feitos pela atual governo na atenção as pessoas com deficiência em comparação aos anos do governo FHC/Serra.

Ambos transpareceram em suas falas que o debate sobre um assunto tão importante para milhões de brasileiros (as) ainda está longe de ocupar o lugar que sua relevância merece no cenário nacional. Por exemplo: aparentaram abordar uma das cinco deficiências – a física – como se fosse a única. Pessoas com deficiência auditiva ou surdez têm necessidades específicas muitas vezes distintas das que possuem deficiência física, a mesma comparação valendo para a deficiência visual ou cegueira, a deficiência mental/intelectual e a deficiência múltipla. Segundo o censo realizado pelo IBGE no ano 2000, quase 25 milhões de pessoas possuíam pelo menos uma das cinco deficiências dez anos atrás. No censo de 2010, o mesmo IBGE poderá fornecer o número mais atualizado desse enorme contingente de nossa população. A depender da metodologia censitária, talvez o número supere até mesmo os “quase trinta milhões” citados na pergunta do tucano.

Até bem pouco tempo, as pessoas com deficiência eram quase totalmente excluídas do debate sobre o futuro de seu país e, portanto, sobre o seu próprio futuro. A elas sobrava caridade, piedade, exclusão, preconceito e discriminação, posturas conservadoras ainda tão presentes em parte da sociedade e das forças políticas atuantes no país. Deveriam, quando muito, ser tratadas, medicadas e corrigidas, buscando sozinhas a integração no mundo dos (as) “normais”. Logo, a deficiência seria um problema médico a ser resolvido pelas famílias, pelas pessoas que a possuem e por profissionais que as atendam em lugares exclusivos, sem que incomodem a vida “normal” com a presença de seus corpos desviados. Em tempos de eleição, ganha(v)am dentaduras, óculos, cadeiras de rodas, muletas, aparelhos auditivos, promessas, remédios e outras migalhas de atenção para que seus votos, dos seus amigos e familiares retribuíssem aos caridosos benefícios fornecidos por ilustres figuras, pessoas de bem(ns). Ou seja, em dado momento, faziam parte do enorme grupo de excluídos que pouco ou nada sabiam sobre uma histórica praga: o fisiologismo, cortesia quase sempre praticada “com o chapéu alheio”.

Muita coisa mudou, mas permanece em aberto o embate entre modelos distintos de abordagem da questão da(s) deficiência(s) pela sociedade e o estado. E, para tristeza de alguns, esse embate é ideológico e político, orienta posturas e escolhas eleitorais. Abordar a(s) deficiência(s) como uma questão de estado significa que as suas reinvidicações vêm conquistando cada vez mais espaço entre as forças sociais organizadas e seus movimentos, desde o movimento das próprias pessoas com deficiência até os projetos políticos em disputa nessa e nas demais eleições.

Refletindo de forma avançada a conjuntura atual, o que deve pautar o debate eleitoral nesse tocante é o respeito às diferenças, condição fundamental para que nos entendamos como iguais. Pois é no respeito às diferenças que as pessoas com deficiência convergem seus interesses específicos para as lutas e conquistas do povo, dos (as) trabalhadores (as), das mulheres, dos negros e negras, das pessoas de todas as idades, etnias, raças, credos e orientações sexuais que compõem a “brava gente brasileira”.

Além da retórica, das propostas de ocasião, das propagandas em tom emotivo, das soluções que prometem reabilitação, acessibilidade e inclusão no o céu e na terra, o que está mais uma vez em jogo é o embate entre o conservadorismo e o progresso.

De um lado estão as velhas forças conservadoras que tanto usaram/usam os recursos do país e de grande parte do povo brasileiro em causa própria, que carregam em seus currículos elitistas séculos de exclusão, de miséria, de latifúndio, de opressão, de criminalização das organizações e movimentos populares, de distribuição de migalhas em troca de votos, de preconceito e discriminação contra todos (as) que não sejam a sua imagem e semelhança.

Com nova embalagem, tentam vender mais do mesmo produto com o qual fincaram uma histórica placa de ‘vende-se’ no coração da nação. Produto cujos elementos mais obscuros apoiaram a ditadura e aplaudem tentativas de golpe contra a democracia onde quer que elas ocorram; os mesmos que se opõem religiosamente às pesquisas com células-tronco e, com isso, contribuem para o atraso de possíveis soluções cientificas para as lesões medulares, o mal de Parkinson e outras tantas causas de comprometimento físico e intelectual; que condenam mulheres e tentam ditar normas sobre a conduta feminina ao mesmo tempo em que silenciam sobre a gritante violência de gênero e a saúde reprodutiva; os que destilam racismo e questionam as políticas afirmativas para o povo negro, além de ocultarem em suas falas uma mal disfarçada homofobia.

São as mesmas forças que falam da continuidade de programas sociais como o Bolsa Família e o Prouni – que atualmente beneficiam milhares de PcDs com renda mínima e outras tantas com educação superior -, quando quase nada fizeram para ampliar a educação inclusiva em todos os níveis de ensino e para reduzir as enormes desigualdades sociais nas oportunidades que tiveram de governar a nação e muitos estados da federação. As mesmas que criam secretarias nos estados e cidades governados por elas e prometem um ministério exclusivo para pessoas com deficiência, mas calam sobre o que farão para ampliar as políticas públicas de acessibilidade na mobilidade urbana e as medidas federais de assistência social – como o BPC, que hoje garante uma fonte de renda para milhares de PcDs em situação de pobreza. Com suas práticas “modernas” de gestão, precarizaram o serviço público e quase destruíram o SUS, reduzindo a capacidade do Sistema no financiamento ao atendimento especializado em reabilitação por parte de redes públicas ou entidades conveniadas e fragilizando o fornecimento de órteses, próteses e outras ajudas técnicas de auxílio às pessoas com deficiência que dependem dos serviços públicos de saúde, educação, emprego, renda e assistência social para enfrentarem condições muitas vezes dificultadas por suas vidas e corpos singulares.

Do outro lado estão as forças e movimentos progressistas que sabem o muito por fazer para tornar o Brasil um país realmente de todos, uma pátria onde prevaleça o respeito às diferenças que nos fazem iguais e a garantia de direitos para a maioria do povo, inclusive para as pessoas com deficiência. O lado que ousou romper – ainda que às vezes de forma tímida - com o discurso conservador e preconceituoso da tal “normalidade” para construir a maioria das políticas públicas inclusivas conduzidas hoje pelo governo e o estado brasileiro.

As forças lideradas pelo presidente Lula (ele próprio um homem com deficiência) contribuíram para que as lutas das pessoas com deficiência, das mulheres, do povo negro, das populações indígenas e dos segmentos historicamente excluídos do campo e da cidade conquistassem inédita visibilidade no cenário nacional. Além de seus discursos, suas práticas refletem o compromisso histórico com o protagonismo popular, a participação e o controle social, compromisso que resultou numa série de políticas públicas já em pleno andamento e que não podem retroceder.

O lado de Lula é onde estão aqueles (as) que reconhecem o Conselho Nacional das Pessoas com Deficiência – Conade – como a representação independente dos interesses do segmento e protagonista de inúmeras atividades, como as inéditas Conferências Nacionais da Pessoa com Deficiência, instâncias máximas de controle social precedidas de etapas estaduais realizadas por todo o país a cada dois anos. Lado onde estão as forças que deram mais importância e garantiram a transformação da já existente Coordenadoria das Pessoas Portadoras de Deficiência – Corde – em Subsecretaria Nacional, consolidando as políticas de atenção às pessoas com deficiência com a participação ativa de pessoas vindas do trabalho e da atuação no movimento representativo do segmento. Esse é o lado onde estão os (as) que valorizam e sabem que muito vale o já feito, mas que vale mais o que será.

As pessoas com deficiência são uma parte significativa do povo brasileiro e assim devem ser entendidas. São milhões de pessoas de todos os gêneros, idades, raças, credos e classes que trazem a diferença estampada no próprio corpo. Não precisam de tutela nem de piedade do estado ou de quem quer que seja. Precisam de respeito, de políticas públicas efetivas, de oportunidades para terem suas necessidades e potencialidades percebidas como importantes para o nosso desenvolvimento enquanto povo e nação.

Tendo ou não deficiência, nessas eleições somos chamados (as) a escolher entre dois projetos de nação claramente diferentes, inclusive no respeito e na importância que as diferenças têm em cada um deles. De um lado, a integração concedida; do outro, a inclusão conquistada com luta a cada dia.

Por tudo isso, o segundo turno é um momento de escolhas decisivas também para quem tem deficiência. No próximo dia 31 de outubro, a decisão será sobre o que queremos hoje para o futuro que começa a contar de agora.

“Nunca antes na história desse país” apertar duas teclas na urna eletrônica, esperar a imagem/som da (o) candidata (o) e depois confirmar o voto foi um ato simples de consequências tão importantes para os destinos do Brasil.

E, com Dilma, o Brasil merece seguir mudando.


(*) Publicitário com deficiência adquirida por lesão medular.

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