Prof. EliasJabbour
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A mais nova polêmica do momento político e econômico tem girado em torno da utilização ou não das reservas cambiais para fins de abatimento da dívida pública e/ou investimentos em infraestruturas. Quem acreditar que se trata de uma questão puramente técnica pode não estar percebendo o que está acontecendo. A situação atingiu grau máximo de gravidade. Não há espaço para soluções tecnocráticas e preocupações com questões de longo prazo. O problema é agora.
Em tempos de certa normalidade macroeconômica e de crescimento médio de ao menos 3% ao ano, nunca recomendaria a utilização de reservas cambiais. Por que? Pelo grande risco de valorização cambial anexa a esta medida, extrema, além do risco de provocar excesso de liquidez na economia induzindo a queda rápida dos juros e ameaça inflacionária. Numa lógica de metas anuais de inflação seria como jogar gasolina na fogueira, logo uma ação ousada deste tipo deveria ser precedida por uma reforma institucional do Banco Central que envolveria mudança de mandato e alargamento do prazo ao cumprimento das metas de inflação. Friso que este tipo de transformação qualitativa nunca esteve ou estaria em cogitação, portanto não discutirei mais esse tipo de mudança.
Por outro lado, numa situação de blecaute de investimento por grandes parcelas do empresariado e de constrangimentos abertos aos que poderiam tocar adiante os investimentos necessários ao lado de um sistema público de financiamento sob intensa investigação o governo teria duas saídas. A primeira, emitir moeda. A emissão monetária nunca foi CAUSA REAL de geração inflacionária. A nossa inflação tem outra etiologia que não cabe aqui comentários. A emissão, neste caso, não causaria inflação direta pois o que ocorreria seria a utilização de capacidade produtiva já instalada e não utilizada. A segunda saída seria a utilização de reservas cambiais, sem dúvida. Numa conjuntura de normalidade o encontro entre passivos e ativos (construídos ex ante) não é interessante. Mas não é de pagamento da dívida pública que estou tratando e, sim, de retomada dos investimentos. Essa ação provaria “choque de demanda”? Não sei, pois, o “choque de demanda” não teria grandes riscos: seria seguida com uma valorização cambial no curto prazo servindo ao próprio propósito duplo de combater a inflação e provocar aumento, mesmo que artificial, nos salários e poder de compra.
Eu insisto no ponto colocado e acrescento outro. Por mais extemporâneo que possa parecer, não concentraria recursos das reservas ao abatimento da dívida pública. A troca de dólares por reais demandaria do governo mais emissão de títulos, numa troca do longo prazo pelo curto prazo. Por outro lado, o problema da retomada dos investimentos deve andar lado a lado com uma tentativa aguda de alívio nas contas dos estados e municípios. Existe um problema político anexo aos problemas financeiros destes dois entes da União, cuja solução imediata pode abrir luz ao fechamento de um processo político amplamente favorável ao governo. O freio aos investimentos e o descontentamento dos servidores públicos ante os recorrentes atrasos em seus salários tem sido um combustível muito bem utilizado contra o governo federal. A situação é séria demais.
A entrada de Lula no governo foi um grande ato de ousadia política e ousadias no terreno da política devem ser acompanhadas por ousadias na seara econômica. Não confundamos “ousadias” com “loucuras”. Ao concentrarmos nossa atenção da diminuição da relação dívida x PIB estaremos incorrendo num erro clássico dos economistas empiricistas para quem devemos partir sempre do concreto. Não devemos partir do “concreto”, sob o risco de nos aferrarmos as chamadas por Marx, em A Ideologia Alemã, “ideias erradas” incorridas por antigos e novos hegelianos. A abstração do concreto é o real ponto de partida, tendo em vista que o chamado concreto está eivado de aparências, entre elas aquela que nos faz acreditar que o principal problema da economia nacional reside na alta relação dívida x PIB. Devemos partir da contradição essencial, aquela que nos demonstra que o “aspecto principal da contradição principal” encerra-se no grave problema anexo ao financiamento da economia. Com uma taxa de juros nas alturas e o olho dos golpistas também voltado aos bancos públicos, não nos restam grandes alternativas. Nem tampouco um “olhar técnico” sobre as coisas.
Entre a aparência e a essência existe um grave problema político. A utilização das reservas cambiais não encerra a questão do financiamento. A linha de transmissão deverá ser completada com a aceleração dos acordos de leniência e um passo de espera à tendência de queda da taxa de juros no segundo semestre, já anunciada nas entrelinhas na ata da última reunião do COPOM. Estamos prenhes de um grande acordo nacional, que alguns têm chamada de “concertação” que deve ser levada – também – ao problema financeiro dos estados e municípios. Ousadia na economia e amplitude na política nunca nos foram tão necessários. É muito grave a situação.
Por: Elias Marco Khalil Jabbour
Professor Adjunto
Faculdade de Ciências Econômicas
Departamento de Evolução Econômica
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
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