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sábado, 15 de março de 2014

Cartão vermelho para o racismo - Aldo Rebelo



Artigo do ministro Aldo Rebelo* publicado no jornal Diário de São Paulo.

O Ministério do Esporte vai relançar o livro O Negro no Futebol Brasileiro, publicado originalmente em 1947 pelo jornalista Mário Filho e entronizado como um estudo clássico do esporte no País. Em
edição bilíngue, a obra insere-se no propósito de realizarmos uma Copa do Mundo sem racismo. E mais que isso: um reconhecimento da contribuição do negro à formação social brasileira e exaltação à
mestiçagem que nos distingue como nação.

O racismo é uma das infâmias mais antigas e resistentes desde que o mundo é mundo. As abolições da escravatura, o avanço geral do processo civilizatório, o progresso dos direitos humanos atenuaram sua prática institucionalizada, mas a discriminação e o preconceito sobrevivem não mais como políticas de Estado e sim nas relações sociais e de trabalho. No esporte aparece, intermitente mas sempre abjeto, em
manifestações de torcedores contra jogadores negros - ainda que a torcida não seja um enclave ariano.

Ao contrário, o último episódio de repercussão internacional, quando o brasileiro Tinga, do Cruzeiro, em jogo com o Real Garcilaso pela Libertadores, foi apupado por guinchos que o relacionavam ao macaco,
ocorreu no Peru. O país é fortemente miscigenado. A uma pesquisa de 2006 do Instituto Nacional de Estatística e Informação a população declarou-se mestiça (59,5%), quíchua (22,7%), aimará (2,7%),
amazônicos (1,8%), negra/parda (1,6%), branca (4,9%) e outros (6,7%).

Como podem membros de uma nação com tal composição étnica, construída com o esforço comum do colonizador espanhol branco, índio nativo e escravo africano grunhir num estádio de futebol que negro é macaco?

Se é episodicamente contaminado por tais vilanias, o esporte mais popular do mundo, elevado à categoria de arte justamente pelo bailado dos jogadores negros, propicia em seu campeonato mundial a oportunidade de darmos o cartão vermelho a essa atitude infame.

Ao tratarmos do problema do racismo, na coluna da semana passada, abordamos, além da oportuna reedição pelo Ministério do Esporte do livro O Negro no Futebol Brasileiro, também a agressão ao jogador Tinga, do Cruzeiro, em jogo no Peru. Mas logo a seguir registraram-se episódios semelhantes no Brasil. O juiz Márcio Chagas da Silva foi xingado por torcedores do Esportivo, em Bento Gonçalves (RS), e o volante Arouca, do Santos, por seguidores do Mogi Mirim (SP).

Não fosse uma infâmia em qualquer campo, hostilizar um jogador negro é o clímax da impertinência. Foi do patrimônio genético dos negros que o futebol brasileiro extraiu a ginga que o singularizou em relação à cintura dura dos europeus. Como insultar, pela cor da pele, artistas da bola do naipe de Friedenreich, Leônidas, Zizinho, Fausto, Didi e aquele que basta chamar de Rei?
País escravocrata, como todos, o Brasil ostenta peculiaridades nas relações humanas que nos distinguiram das nações em que o racismo foi institucionalizado, a exemplo dos Estados Unidos. Era legal negros serem apartados nas relações de trabalho e no cotidiano, não podendo frequentar o mesmo espaço dos brancos, como um banco de escola ou de ônibus.
Fomos pioneiros em leis antirracistas, como a Afonso Arinos, de 1951. Construímos uma civilização em que, do ponto de vista étnico, o ponto mais importante é a miscigenação. Às vésperas de uma Copa que faremos em paz e sem racismo, não podemos reproduzir atitudes mais comuns a países da Europa, onde amiúde jogadores negros se queixam de insultos raciais.
Infelizmente, os instrumentos legais para repressão são limitados, e as investigações que conduziriam a punições, sofríveis. Não basta interditar estádio nem apenar o clube cuja torcida insulta a cor do adversário. Urge castigar os criminosos ao menos com a brandura da lei que define esses atos infames como simples injúria pessoal.

Aldo Rebelo é ministro do Esporte

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