A
primeira semana serviu para o presidente interino acertar as contas
menores, loteando o Ministério entre o baixo clero. Ontem (24), além do
anúncio da flexibilização da lei do pré-sal e das investidas sobre a
Previdência Social, começou o acerto das grandes contas, começando pela
desvinculação orçamentária para as despesas sociais, o grande avanço
civilizatório da Constituição de 1988.
Por Luis Nassif
Trata-se de uma disputa histórica em torno do orçamento: os
rentistas pretendendo se apossar do orçamento através da dívida pública;
e a sociedade, através dos gastos voltados para a melhoria da vida da
população.
Se quiser identificar a ideologia de um governo, analise onde se darão os cortes e limites de expansão dos gastos.
No caso do presidente interino, a receita é óbvia: limites para expansão
de gastos sociais, mudança nas regras de vinculação de despesas para
educação e saúde; e nenhum obstáculo ao nível de juros ou ao
comprometimento do orçamento com encargos financeiros. As metas de
redução da dívida bruta serão seguidas através dos cortes nas despesas
primárias. Enquanto se mantém a excrescência herdada do governo Dilma,
de uma taxa Selic de 14,25%, para uma inflação que caminha para 7% e um
PIB em queda livre.
O arrocho nos gastos sociais
Vamos entender melhor as implicações dessa tentativa de desvinculação das receitas de saúde e educação.
A Constituição de 1988 vinculou à saúde 15% da receita fiscal. Grosso
modo, a receita fiscal de um ano corresponde à receita do ano anterior
corrigida pela inflação do período, mais um percentual mais ou menos
equivalente ao crescimento do PIB.
Havia uma lógica que permitiria ao país gradativamente aumentar os
gastos com saúde na medida em que o PIB crescesse. No início, haveria um
sub-financiamento. Com o tempo, uma melhoria gradativa da economia, com
o aumento do PIB permitindo o financiamento adequado para as novas
demandas de um país em que a população envelhece e os avanços da
cidadania expandem o atendimento à saúde.
A proposta do presidente interino Michel Temer é uma PEC (Proposta de
Emenda à Constituição) que pretende fixar o valor atual da receita de
saúde e apenas corrigi-la pela inflação anual.
Significará congelar os gastos da saúde no pior patamar da última década.
Em 2015 e 2016 o PIB deverá cair por volta de 7% a 8% e as receitas
fiscais por volta de 12%. Pela regra Temer, as despesas de saúde seriam
congeladas nesse patamar mínimo. Significará uma queda de pelo menos 12%
em termos reais, sobre o nível pré-crise.
Suponha que em 2014 as receitas fiscais estivessem em 100 e as de saúde em 15.
Em 2015 o PIB caiu 3,8% e as receitas fiscais caíram 5,8%. Com isso, os
gastos com saúde caíram de 15 para 14,13 em termos reais. Em 2016, é
provável que as receitas fiscais caiam mais 6%. Nesse caso, as despesas
com saúde cairão para 13,28 em termos reais.
A PEC obrigará então que o valor seja congelado nesses 13,28 e, dali para frente, apenas atualizado anualmente.
Suponha que a partir de 2017 o PIB cresça sucessivamente, 1%, depois 2% e
se estabilize em 3% ao ano – e que as receitas fiscais cresçam dois
pontos percentuais acima do crescimento do PIB.
Em 2022, a relação gastos de saúde/receitas fiscais, em vez dos 15%
previstos atualmente, cairá para 11,5%, congelando o valor real no
patamar mais baixo das últimas décadas – como proporção da receita e do
PIB.
Para um setor que padece historicamente com problemas de
sub-financiamento, será um desastre completo, com o país abdicando da
proposta civilizatória de universalização da saúde. É a maior ameaça ao
SUS desde a sua criação. O mesmo ocorrerá com a educação pública.
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