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Atualizado em 25 de maio de 2016, às 20h15
por Conceição Lemes
Nesta quarta-feira, 25 de maio, o Ministério da Saúde realiza a partir das 14h, em Brasília, reunião, para “discutir reivindicações de entidades e grupos médicos”.
Participantes convidados: Conselho Federal de Medicina (CFM), Ordem dos Médicos do Brasil, Vem Pra Rua-Saúde e Movimento Brasil Livre.
A princípio, seria com o ministro interino, o engenheiro e deputado federal licenciado Ricardo Barros (PP-PR). Mas ele foi à 69ª Conferência Mundial de Saúde, que começou nessa terça-feira 23, em Genebra, na Suíça (veja PS do Viomundo).
Em função disso, foi decidido que seria substituído por Antônio Nardi, secretário-executivo do ministério e seu fiel escudeiro (veja PS do Viomundo). Nardi foi secretário de Saúde quando Ricardo Barros (1989-1993) e seu irmão Silvio Barros (2005-2013) foram prefeitos de Maringá (PR).
O ministro, porém, retornou a tempo de participar. Nardi também esteve presente.
Além de nenhuma entidade de saúde coletiva ter sido convidada, chama-nos a atenção a pauta, que é claramente voltada para os interesses do setor de medicina privada.
Daí esta entrevista com o médico Hêider Pinto, ex-coordenador do Programa Mais Médicos do Ministério da Saúde.
Viomundo – O que acha de o ministro interino da Saúde só ter chamado entidades médicas, movimentos que apoiaram o golpe contra a presidenta Dilma, como o Vem Pra Rua e o Movimento Brasil Livre, e nenhuma instituição da área de saúde coletiva, como os respeitadíssimos Cebes e Abrasco?
Hêider Pinto – Eu acho bem estranho. Ele ainda não conversou com o Conselho Nacional de Saúde, maior instância de deliberação do SUS e prevista em nossa legislação. Não conversou com nenhuma das instituições da saúde coletiva e da reforma sanitária brasileira. Não conversou com entidades representativas dos trabalhadores.
De um lado, ele escolheu se aconselhar com o Conselho Federal de Medicina (CFM), o que era esperado. De outro, com a Ordem dos Médicos do Brasil. É um grupo virtual que reúne médicos extremamente conservadores e é conhecido por sua intolerância, preconceito e visão absurdamente corporativa e privatista. Isso sem falar de outros grupos sem nenhuma tradição na saúde, que têm em comum o apoio raivoso ao golpe contra a presidenta Dilma. Esses grupos, é bom que a sociedade saiba, não têm qualquer relação com as políticas de saúde pública.
Viomundo – Como o senhor interpreta essa postura?
Hêider Pinto — De dois jeitos. Ou esses grupos estão cobrando agora a fatura do apoio ao golpe. E não nos enganemos, a fatura será paga com a subtração de direitos da população. Ou o governo interino já está convencido de que o caminho é reduzir o tamanho do SUS e desmontá-lo e está em busca de quem apoie esse rumo.
Viomundo – Pelo documento ao qual eu tive acesso (no topo, ao lado da foto do ministro interino), eles vão tratar de onze pautas com o ministério. Uma delas é a maior participação das entidades médicas no planejamento das ações de saúde. É impressão ou o ministro interino está privilegiando os médicos em detrimento dos demais profissionais da saúde?
Hêider Pinto – Olha, acho que não é impressão, é real. Logo que ele foi indicado havia a preocupação de ele não ter qualquer formação na área de saúde. Hoje, pelas declarações e agendas, para mim fica claro que ele combina o desconhecimento específico sobre a saúde e a intenção de se apoiar no setor mais conservador da medicina.
Esse setor defende a redução do sistema público de saúde e a ampliação do setor privado. Tem uma visão absolutamente centrada nos médicos e com prejuízos para as demais profissões da saúde e para a população.
Aliás, a grande imprensa noticiou que o ministro interino teria criado um grupo de whatsapp com notáveis da medicina privada. Pelo visto, agora foram mais além: estamos vendo a primeira reunião do que poderá vir a ser um fórum permanente de discussão das políticas de saúde e com esses setores.
Um desrespeito às instâncias legais e consolidadas de gestão compartilhada do SUS, como a Comissão Intergestores Tripartite (inclui representantes dos municípios e estados) e o Conselho Nacional de Saúde, que agrega também representantes dos usuários e dos trabalhadores.
Viomundo – Outro item da pauta é a “obrigatoriedade de todos os médicos formados no exterior fazerem revalidação de diploma para poderem sem exceções como ocorre no Mais Médicos”. É o fim do Programa Mais Médicos?
Hêider Pinto – As entidades médicas mais conservadoras foram e continuam sendo contra o Mais Médicos, apesar do amplo apoio da população e dos próprios médicos que participam do Programa ou que são docentes das formações oferecidas nele.
Ao incluir este item na pauta, as entidades médicas tentam mais uma vez emplacar a pauta que mistura xenofobia e reserva de mercado: o fim dos estrangeiros no Mais Médicos.
O discurso da reserva de mercado é um absurdo, porque esses 13 mil médicos atuam justamente nos lugares nos quais 45 milhões de brasileiros estavam sem atendimento médico regular justamente porque nenhum médico brasileiro formado no Brasil se dispôs a atuar lá.
Mas há o receio de qualquer abertura maior do Brasil à atuação de médicos formados no exterior, brasileiros ou não. Para você ter uma ideia, no Brasil, em 2013, apenas 1,8% dos quase 400 mil médicos em atuação eram estrangeiros. No mesmo ano, nos EUA e Reino Unido esses números chegavam, respectivamente, a 25% e 37%.
Acompanhamos na imprensa que o ministro interino havia prometido a saída dos estrangeiros às entidades médicas. Depois disse que não sairiam todos, mas 10 mil de 13 mil. Depois recuou mais um pouco ante a forte pressão de vários setores da sociedade, inclusive prefeitos apontando que não haveria redução antes das eleições. O que já merece forte crítica porque a saúde da população não pode ficar subordinada ao calendário eleitoral. Agora, parece que as entidades reagem e vêm cobrar os compromissos assumidos anteriormente.
Viomundo – As entidades médicas também querem o “fim da abertura indiscriminada de Escolas Médicas”.
Hêider Pinto – Em primeiro lugar, não há abertura indiscriminada de escolas, esse é um argumento falso. O Brasil tinha menos de uma vaga de medicina para cada 10 mil habitantes no ano de lançamento do Mais Médicos. Número bem menor que a média dos 33 países da OCDE. Também quatro vezes menor que a vizinha Argentina.
A lei do Mais Médicos determinou que só podem ser abertas escolas nos locais em que o número de médicos é menor que 2,7 médicos por mil habitantes e o de vagas de graduação menor que 1,3 médicos por 10 mil. Essas são as metas que o Programa planejou chegar em 2026.
Ou seja, não há abertura indiscriminada, há planejamento da abertura. E isso tem desagradado médicos, que querem poucos profissionais no mercado. Também tem desagradado o setor privado de educação que quer abrir escola à vontade, mais precisamente onde as pessoas podem pagar mensalidades independentemente de lá ter ou não necessidade social.
Fato é que as escolas do Brasil só formam 66% das novas vagas de emprego para médicos criadas a cada ano. E só abrindo 11,5 mil vagas nos locais que mais precisam, no interior, é que o objetivo de se ter 600 mil médicos no Brasil em 2026 será cumprido.
Essas duas pautas – fim da abertura de novas escolas e a eliminação dos estrangeiros no Mais Médicos — mostram que, embora o discurso seja o da qualidade, a preocupação, na realidade, é outra: a reserva de mercado e protegê-lo dos médicos formados fora ou mesmo aqui no Brasil.
Viomundo – Outra pauta da reunião é “garantir prerrogativa ao médico para diagnosticar, tratar, fazer procedimentos invasivos e emitir atestados de óbito”.
Hêider Pinto – Nada mais é do que retomar a ideia de derrubar os vetos da presidenta Dilma à lei do Ato Médico. A Lei original previa que só médicos fizessem procedimentos que hoje são realizados também por outros profissionais, como fisioterapeutas, enfermeiros, nutricionistas, professores de educação física e psicólogos. Acupuntura, por exemplo, só poderia ser praticada por médicos.
Mais uma vez o discurso é o da qualidade, mas o objetivo é reservar procedimentos para que sejam comercializados exclusivamente por médicos.
O conjunto da obra: deixar o Brasil com um mercado de trabalho bem favorável aos médicos (poucos e só os médicos podendo fazer diversos procedimentos), mas completamente insalubre à população.
Afinal, resultaria em menos profissionais para cuidar das pessoas. Ou seja, mais desassistência. É colocar o interesse específico de uma categoria sobre o interesse maior da saúde da população, o contrário do juramento que os médicos fazem quando se formam. Mas eu reforço: muitos e cada vez mais médios discordam dessas posições dos grupos mais conservadores.
Viomundo – O que acha da carreira nacional para médicos similar a dos juízes?
Hêider Pinto – É no mínimo curiosa e contraditória. De um lado, as pautas apontam para a redução do SUS e aumento da fatia do mercado. Uma pauta privatizante. De outro, se propõe uma faceta que eles próprios desqualificariam como “estatista”, mas somente para os médicos e nenhum outro profissional de saúde. E com lógica de funcionamento e remuneração similar a dos juízes. Ora, o judiciário é um poder de Estado. Não há carreira desse tipo para a profissão de advogado. A medicina é uma profissão, não um poder de Estado. Não é uma comparação razoável comparar com a carreira de juiz.
Viomundo – Mas a criação de uma carreira para todos os profissionais que atuam no SUS é fundamental para assegurar qualidade.
Hêider Pinto – Para assegurar qualidade, estabilidade e valorizar os trabalhadores. Mas, você disse-o bem: para todos os trabalhadores que atuam no SUS e não apenas para os médicos. E uma carreira que respeite a lógica tripartite do SUS. Com financiamento tripartite, sim. De Estado, sim. Mas, não necessariamente da União.
Esse debate é fundamental e será importante construir uma solução que dê conta da diversidade do Brasil. Mas receio que o interesse maior nesta reunião não seja com a saúde ou com o SUS. Diria que a síntese do que se pretende é: muita oferta no mercado e pouco médico para quem quiser atuar no privado e a proteção de uma carreira de juiz para quem quiser ficar ou atuar também no público.
Viomundo – E qual a intenção das pautas “parcerias público-privadas na Saúde”, “reajuste da tabela SUS e planos de saúde” e “reavaliação da capacidade da ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar] de intervenção nos planos de saúde”?
Hêider Pinto – Temos o encontro da agenda mercadológica e liberal dos grupos médicos mais conservadoras com a agenda privatista e anti-SUS do governo golpista.
A pauta das parcerias segue a máxima do documento “Ponte para o Futuro”: “privatizar tudo o que for possível”.
Se combinada ao reajuste da tabela para remunerar mais um procedimento do SUS com recursos do Estado, ter-se-ia a oportunidade de uma grande expansão para o setor privado por meio da terceirização. Ou seja, se passaria para a iniciativa privada vários serviços que hoje são públicos, mas ainda custeados pelo setor público e com valores de repasse maiores.
Para os usuários que “podem pagar” ou os que “poderia fazer com que pagassem” a ideia seria aquilo que próprio ministro interino já antecipou a intenção. De um lado, estimular a multiplicação de Planos (“quanto mais pessoas com plano, melhor”). De outro lado, reduzir a fiscalização sobre os planos.
Só reduzindo a fiscalização – portanto, exigindo menos qualidade – e subsidiando — via renúncia fiscal — é que se poderia ter planos com preço tão baixo quanto sua qualidade para empurrar para fora do SUS milhões de cidadãos e convencê-los a contratar um plano privado.
Hoje, só 25% dos brasileiros têm plano de saúde. O sonho da “Ponte para o Futuro” do ministro interino e das seguradoras é que este número chegue a 60%.
Mais uma vez, a preocupação é com a saúde do mercado e do bolso, não com a saúde da população brasileira.
Viomundo – O último item da pauta da reunião de hoje no ministério com entidades médicas é “reduzir a proporção de recursos da Saúde que ficam na União”. Como o senhor o vê?
Hêider Pinto – Na prática, menos recursos na União e mais nos municípios e estados.
Os mais otimistas veriam essa pauta como uma tentativa de mudar a lógica do pacto federativo, valorizando quem entre as esferas de governo é responsável pela execução das ações e gestão dos serviços de saúde. E os mais pessimistas, até pelas demais pautas a serem tratadas na reunião, veriam como tentativa de fragilizar a governança central do SUS no governo federal e dotar os estados e municípios de mais recursos. Com isso, eles teriam mais dinheiro para contratar em melhores condições o setor privado em expansão desenfreada e contra a saúde das pessoas.
PS do Viomundo: A reunião com as entidades médicas e demais grupos foi a portas fechadas e durou cerca de quatro horas. Ministro interino Ricardo Barros chegou antes de Genebra e participou da reunião. O secretário-executivo Antônio Nardi também.
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