4 DE ABRIL DE 2009 - 02h31
“Sempre que o partido tirou do centro de sua atuação a questão nacional, acabou se ausentando de batalhas importantes para o país”. A análise, feita por Luís Fernandes, da Finep, resume o principal foco deste primeiro dia de debates do seminário “Desvendar o Brasil”. Permeado por temas polêmicos e apresentações contundentes, o evento feito pela parceria entre a Fundação Maurício Grabois e o PCdoB reuniu, nesta sexta-feira (3) cerca de 300 pessoas na capital paulista.Sob o tema “O Brasil, seu povo, sua cultura e sua identidade”, os palestrantes – além de Fernandes, o deputado Aldo Rebelo e o secretário de Movimentos Sociais e Juventude do PCdoB, Ricardo Abreu – procuraram esmiuçar as características dos brasileiros tendo como fator fundamental a luta pela implantação de um projeto de nação soberano como caminho para, em longo prazo, se atingir o socialismo.
Conforme Luis Fernandes, que preside a Financiadora de Estudos e Projetos, o PCdoB, desde sua origem, soube participar de momentos relevantes das principais lutas nacionais. “Em ocasiões como a criação da Aliança Nacional Libertadora, a campanha “O petróleo é nosso” e mesmo a Constituinte de 1988, o partido levou ao centro destes debates a questão do projeto de nação”, o que, segundo ele, não teria ocorrido na Revolução de 1930 e nos anos 1950, quando o partido se opunha a Getúlio Vargas. “Foram atitudes que expressaram certa incompreensão da importância do projeto nacional”.
Para Fernandes, é fundamental que os comunistas – que com este seminário buscam subsidiar as discussões sobre a renovação do programa socialista durante o 12º Congresso – tenham “clareza de que a batalha pela construção de um projeto nacional é parte da luta contra o imperialismo e pela construção do socialismo”.
Fernandes defendeu que, para se conceber um projeto conseqüente, é necessário partir da análise concreta da realidade brasileira sob a ótica do marxismo. Desta maneira, destacou algumas contribuições teóricas. Primeiramente, tratou da falsa contraposição entre as questões de classe e a questão nacional. “Marx não contrapôs estes pontos. O que nos deu como grande contribuição foi a interpretação de classe para entender a questão nacional”, explicou.
Em seguida, Fernandes destacou as reflexões de Lênin sobre o imperialismo, que ainda hoje estão atuais. “O movimento revolucionário tem duas vertentes: a clássica, vinda das lutas operárias, e a luta de libertação das colônias. Foi essa formulação que tornou possível aos movimentos marxistas serem baluartes dos processos de independência. Muitos pretensos ‘socialistas radicais’ se opunham à autodeterminação dos povos colocada por Lênin como fundamental para a resistência ao imperialismo”.
Analisando estritamente a formação do Brasil, Fernandes lembrou que o país ainda reflete aspectos que marcaram sua origem. “Sob a criminosa violência da ordem escravocata, forjou-se uma sensibilidade própria dos brasileiros advinda, por um lado, da subjetividade dos dominados – negros e índios – e, por outro, da dos dominantes – os portugueses”.
Como um dos muitos resultados dessa formação está, de acordo com Luis Fernandes, “a tibieza de nossa elite” especialmente diante dos países mais poderosos. Isso explicaria, em parte, a “raiva da elite contra o governo Lula”, que tirou o Brasil de uma posição submissa na política externa e garantiu ao país reconhecimento internacional. “Isso deixa pessoas como o ex-presidente FHC nervosos”, brincou. Por isso, explicou, pensar alternativas para a emancipação nacional é levar tais aspectos em consideração e “valorizar a singular combinação de sincretismo cultural e miscigenação”.
O povo como protagonista
O deputado federal pelo PCdoB-SP, Aldo Rebelo, por sua vez, enfatizou a trajetória de luta dos brasileiros pela conquista da democracia e da igualdade. Inicialmente, ele lembrou que “somos um povo capaz de buscar sua própria identidade”, o que deu ao Brasil “grandes potencialidades de realização como povo e como país. Conquistamos nosso território em meio a muitos riscos. Poderíamos ser uma ‘América Portuguesa’, mas tivemos a capacidade de unir todo esse território num mesmo Estado nacional”.
Contrário à ideia de que o povo pouco participou das principais mudanças que marcaram a história do país – tese que costuma pôr a elite como condutora de tais processos – Aldo disse que “o Brasil fez sua trajetória através de jornadas históricas composta por todos aqueles que se sacrificaram para que o país se tornasse independente em 1822”, enquanto outras colônias, como Angola e Guiné, só a conseguiram nos anos 1970.
A proclamação da República, enfatizou, “não foi um pacto de elites; foi uma vitória do povo, daqueles que foram fuzilados desde o Rio Grande do Sul até o Pará”. Aldo lembrou, entre outros, de José Bonifácio, que teve papel fundamental da formação de um Estado brasileiro democrático. Nos anos 20, fatos como a fundação do Partido Comunista do Brasil, a Semana da Arte Moderna, a rebelião tenentista, bem como nos anos 1930 a luta pela industrialização, o movimento de mulheres e de estudantes, a mudança da legislação trabalhista, entre outros fatos, “marcaram a continuação daquelas jornadas e o povo estava presente em todas. Tais acontecimentos criam, na memória dos brasileiros a exigência e a necessidade de mudanças”.
Na atualidade, Aldo ressaltou: “o mundo exige que a luta dos povos se dê pela resistência das nações (ao imperialismo)” e, para ele, Lula teve papel relevante nesse processo. “O presidente conseguiu parar o processo de desmonte do Estado”.
Finalizando sua intervenção, o parlamentar perguntou: “a questão nacional é central, mas sob a orientação de quem?”. Segundo ele, “o que distingue a nossa visão sobre a questão nacional daquela dos setores conservadores é que acreditamos em nação somente com a ampliação das liberdades de nosso povo. Nossa questão nacional está intrinsecamente ligada à questão social”. E afirmou: “o povo precisa ser realmente incorporado à nação como protagonista político e social. E essa não é a preocupação das forças conservadoras. Seu projeto para o país está ligado essencialmente aos seus próprios interesses comerciais e financeiros. A nação, para nós, não é mera abstração; é o nosso povo”.
Momento de redescoberta
Na última apresentação da noite, Ricardo Abreu, o Alemão, tratou da atual fase que classificou como sendo de redescoberta do Brasil pelos comunistas. “Nosso desafio coletivo, de dimensão histórica, é desenvolver uma teoria – e uma política – marxista, brasileira e contemporânea. Em outras palavras, trata-se de enfrentar a crise da teoria revolucionária, atualizando o marxismo e, ao mesmo tempo, fundindo-o com o pensamento nacional e latino-americano mais avançado”.
O dirigente baseou sua apresentação nos clássicos do marxismo, mas também bebeu na fonte de figuras tão diferentes como Darcy Ribeiro e Stalin. Seu foco foi tratar da construção do povo brasileiro dentro da sua diversidade; a necessidade premente de construção de um projeto nacional soberano, igualitário e ainda mais democrático casado com a integração latino-americana; a formação miscigenada de nosso povo e, com base em todos esses aspectos, a busca pelo socialismo. Citando o comunista peruano José Carlos Mariátegui, colocou: “não queremos, certamente, que o socialismo seja na América decalque e cópia. Deve ser criação heróica”.
Contra visões que procuram dividir o povo brasileiro de acordo com as etnias que o formaram, Alemão lembrou que “o Brasil é um Estado-nação independente, fundado em 1822, com uma só nacionalidade, um só povo-nação que representa 99,6% da população. Ao mesmo tempo pode ser considerado pluriétnico, pois tem 0,4% da sua população reunida em 280 comunidades indígenas que mantém a sua etnicidade, mas são tribais, não são nacionalidades”.
Recordando Darcy Ribeiro, Alemão enfatizou: “os brasileiros saberão ‘enfrentar com êxito as tensões sociais decorrentes de uma ascensão do negro, que lhe augure uma participação igualitária na sociedade nacional. É preciso que assim seja, porque somente assim se há de superar um dos conflitos mais dramáticos que desgarra a solidariedade dos brasileiros”.
Por fim, salientou: “somos antiimperialistas porque somos patriotas e revolucionários. O internacionalismo latino-americano e o patriotismo são inseparáveis”.
Exigência da atualidade
Antes de os palestrantes discorrerem sobre os temas propostos, Adalberto Monteiro, presidente da Fundação Maurício Grabois, e Renato Rabelo, presidente do PCdoB, fizeram uso da palavra. “Conhecer mais e melhor o Brasil contemporâneo é uma exigência, uma necessidade que se impõe às forças políticas progressistas que têm compromisso com a Nação, com o país, com povo e os trabalhadores”, disse Monteiro.
Segundo ele, o seminário se realiza “numa circunstância impar”. “Se a última década do século 20 foi marcada pela proclamada crise do socialismo, o final do primeiro decênio do século 21 simboliza a crise do capitalismo e notadamente o fracasso dos dogmas neoliberais”. Neste contexto, ponderou, “o marxismo é revalorizado e o socialismo se apresenta como uma alternativa renovada e viável”.
Renato Rabelo, por sua vez, destacou que o debate é o começo do processo que culminará no 12º Congresso. “Suas discussões servirão de matéria-prima para nossas futuras elaborações”.
O dirigente ressaltou que o “debate é essencial porque para se fazer um novo programa é preciso partir da realidade concreta de nosso país. Temos nossa base teórica, mas precisamos conhecer a fundo nossa própria realidade. Isso é fundamental para cheguemos a um programa candente, vivo, e não meramente formal”.
Rabelo lembrou que ao se tratar da superação da crise “a grande questão que não tem sido considerada é que enfrentamento deve se dar do ponto de vista político e ideológico. Uma saída meramente econômica é pura abstração”. Ele lembrou que “a solução que tem sido pensada a partir de interesses políticos bem definidos. E a lógica que tem prevalecido é a de nacionalizar os prejuízos e privatizar os lucros”.
O dirigente constatou que “se o processo correr dessa maneira e a saída se der pela via capitalista, viveremos futuramente crises ainda maiores. Por isso existe nesse debate a questão da alternativa socialista”. É dentro deste contexto que se dará a elaboração do novo programa de atuação do PCdoB. “Partiremos basicamente de duas matrizes: a defesa de nossa nação e de nossa soberania e, ao lado disso, a possibilidade real que vivenciamos de darmos importantes passos de sentido civilizacional”.
A coordenação dos trabalhos desse primeiro dia de seminário ficou a cargo do historiador Augusto Buonicore. Para ele, o debate desta sexta-feira “foi uma maneira de darmos continuidade aos esforços teóricos feitos pelos comunistas ao longo dos 87 anos de história do partido”. E concluiu: “o que tiramos de tudo isso é que se é verdade que na história do Brasil o povo sofreu muitas derrotas, é também verdade que a história brasileira é feita pelas conquistas do povo. Por isso, temos muito que comemorar”.
De São Paulo,
Priscila Lobregatte
Fotos: Marcos Slavov
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