Bancos aplicam os R$ 100 bilhões liberados pelo BC dos depósitos compulsórios em papéis do governo, quando deveriam destinar o dinheiro para financiamentos a empresas e consumidores
Vicente Nunes Da equipe do Correio
O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, tem alardeado que o crédito no Brasil já está voltando à normalidade, depois da forte retração provocada pela crise econômica mundial. Mas o que se pode depreender dos números divulgados pelo próprio BC é que, mesmo com todos os estímulos dados pelo governo, em vez de emprestar a empresas e consumidores, os bancos estão preferindo o conforto dos títulos públicos. Praticamente, todos os R$ 100 bilhões liberados dos depósitos compulsórios que as instituições mantêm nos cofres do BC com o intuito de destravar o crédito foram destinados à compra de papéis do governo por meio das chamadas operações de mercado aberto, com vencimento médio de três meses. Entre setembro e novembro do ano passado, o período mais crítico de falta de liquidez no mercado, os compulsórios caíram de R$ 272,1 bilhões para R$ 187,4 bilhões. Curiosamente, a partir daí, o volume de operações de curtíssimo prazo com títulos públicos deu um salto de R$ 269,6 bilhões, em novembro, para R$ 381,3 bilhões em janeiro. "Não há dúvidas de que os bancos preferiram não correr riscos. Com o mercado nervoso e o medo da inadimplência, quase todo o dinheiro dos compulsórios foi para o overnight (operações de um dia). E isso aconteceu sem que o BC emitisse qualquer sinal no sentido de aplicar algum tipo de punição às instituições financeiras, o que considero uma falha", diz o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor da Dívida Pública do BC. Algo de errado Pelos cálculos do Banco Central, de novembro de 2008 para fevereiro de 2009, as aplicações de um dia com títulos públicos (go around) cresceram de R$ 86,6 bilhões para R$ 101,8 bilhões. Já as transações com vencimento entre duas semanas e três meses pularam de R$ 150,7 bilhões para R$ 240,7 bilhões. "Está uma festa. Os grandes bancos, incluindo os públicos (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal), que ficaram com o grosso dos compulsórios, não querem saber de emprestar para o setor produtivo nem para os consumidores. Mas esse dinheiro que está no overnight é vital para a retomada do crescimento do país. Sem crédito, a economia não anda", afirma José Luiz Rodrigues, sócio da Consultoria JL Rodrigues. Para mostrar o quanto está fácil a vida dos bancos, Rodrigues recorreu a informações do BC para comprovar como o crédito está escasso, mesmo com a injeção de R$ 100 bilhões promovida pelo governo com a liberação dos compulsórios. Em setembro, quando explodiu a crise, com a quebra do banco americano Lehman Brothers, as concessões acumuladas de empréstimos e financiamentos com recursos livres (sem obrigatoriedade de direcionamento para algum segmento) totalizaram R$ 162,2 bilhões. Em janeiro desde ano, as concessões haviam encolhido para R$ 123,4 bilhões e caíram ainda mais em fevereiro, para R$ 123,4 bilhões. "Ou seja, na mesma proporção em que os compulsórios foram sendo liberados, as operações de curtíssimo prazo dispararam e as concessões de crédito caíram. Algo está errado", assinala Freitas Gomes. Ele reconhece, porém, que, em fevereiro, já sob o reflexo do corte de um ponto percentual da taxa básica de juros (Selic), de 13,75% para 12,75% ao ano, que remunera os títulos negociados no overnight, houve redução nas aplicações do mercado aberto - de R$ 381,3 bilhões para R$ 366,3 bilhões. Os mais espertos migraram para papéis com taxas pré-fixadas, que garantem juros mais altos por um prazo mais longo. Sentados na grana O chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, reconhece a forte migração dos compulsórios liberados pela instituição para o overnight. "Mas nem todo o crescimento dessas operações foi dinheiro dos compulsórios. Nesse período, o Tesouro resgatou parcela importante da dívida pública. E o dinheiro que ficou sobrando na economia foi retirado pelo BC", argumenta. Tal justificativa, porém, não convence José Luiz Rodrigues. "É verdade que a liberação dos compulsórios foi importantíssima para que o sistema financeiro se mantivesse de pé. Mas o certo seria que o dinheiro pegasse os grandes bancos com apetite para emprestar. O que não foi o caso. No máximo, essas instituições se dispuseram a comprar algumas carteiras de crédito dos bancos médios e pequenos, o que só contribuiu para aumentar a concentração do mercado", destaca. Mesmo os bancos de menor porte que receberam compulsórios não liberaram recursos para crédito. Preferiram ficar sentados em cima do dinheiro, aplicados em títulos públicos. Newton Rosa, economista-chefe da Sul América Investimentos, acredita que esses bancos devem voltar a emprestar diante da decisão do governo de criar um seguro especial para depositantes no valor de até R$ 20 bilhões. Com esse seguro, os fundos de pensão, que sacaram todo o dinheiro que tinham nessas instituições, voltarão a operar com elas, pois sabem que, em caso de quebra, receberão os respectivos valores do Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Investimentos menores reduzem demanda Apesar da farra dos bancos com os recursos liberados dos depósitos compulsórios, o BC já não vê mais problema na oferta de crédito. Agora, o que se observa é a redução na demanda, sobretudo por parte das empresas. Como muitas companhias suspenderam investimentos, já não estão precisando tanto de financiamentos. "A demanda por crédito leva em conta a confiança dos empresários, que foi afetada pela crise", diz o diretor de Política Econômica do BC, Mário Mesquita. "Além de a demanda interna ter diminuído, os preços internacionais também caíram (devido à recessão internacional)", acrescenta. Para José Luiz Rodrigues, sócio da Consultoria JLRodrigues, não foi somente a perspectiva de vender menos que travou os investimentos e a demanda por crédito pelas empresas. "O problema é que os juros estão altos demais. Não há como uma companhia arcar com taxas de 30,8% ao ano, ainda mais em períodos de forte contração", frisa. A seu ver, é possível que, com a volta dos pequenos e médios bancos ao mercado, ampliando a concorrência, os juros caiam mais depressa. Ele acrescenta ainda que não se pode esquecer que a taxa básica de juros (Selic) continuará em baixa, podendo ficar entre 8% e 9% ao ano, um estímulo para que o custo final do crédito fique mais acessível. Mais pessimista, o economista-chefe da Gap Asset Management, Alexandre Mais, é taxativo: "Só veremos os investimentos produtivos de volta quando as empresas retomarem a confiança e estiverem certas de que vão poder produzir, pois haverá compradores para suas mercadorias". (VN)
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