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31 DE JANEIRO DE 2009 - 20h30
por Sérgio Barroso*
Conceitualmente, sempre houve controvérsias acerca do significado preciso do fenômeno da depressão econômica. Consideramos - à luz da experiência histórica concreta – algumas características tradicionais para esta categoria: a desaceleração econômica não apenas reduz a produção, como nas recessões, que são geralmente mais breves e localizadas, permanecendo ainda o crescimento positivo; as depressões se deslocam a âmbito internacional – daí sua duração mais longa e as taxas de crescimento caem abaixo de zero, com queda da produção real. [4]
A 1ª Grande Depressão
Argumentando maior semelhança com a grande crise atual, as pesquisas recentes do historiador Scott R. Nelson (raízes e traços principais da Grande Depressão de 1873-1896 ou 1ª Grande Depressão), localizam inicialmente na Europa de 1870, em particular no Império Austro-Húngaro (1867) e no Império Germânico (unificado em 1871), o surgimento de novas instituições financeiras financiadoras de crédito hipotecário para construção residencial e municipal. A facilidade na obtenção de crédito impulsionou significativa expansão na construção imobiliária, acompanhada de uma súbita elevação dos preços dos terrenos. Urbanização e industrialização.
Simultaneamente, expandia-se entre 1865 (fim da Guerra Civil Americana) e 1873, a malha ferroviária nos EUA, duplicando no período. Em Maio de 1873, nos países da Europa Central - que perdiam celeremente competitividade frente ao império emergente -, foi por terra a ilusão dum crescimento econômico ininterrupto: a bolsa de Viena colapsou a nove de Maio. Foram à falência bancos da Europa Central, os bancos britânicos cortaram o crédito, na “escuridão” de quais seriam as instituições mais afetadas pela crise hipotecária. O custo do crédito interbancário atingiu níveis insuportáveis.
A crise atingiu seriamente os EUA em Setembro de 1873. A importante casa bancária Jay Cooke & Co. (uma das mais importantes no financiamento da indústria dos caminhos de ferro) quebra e agrava-se o pânico. Os efeitos de longo prazo do pânico pela crise de 1873 foram perversos. O que continuou por mais de quatro anos nos Estados Unidos, e durante quase seis anos na Europa. O termo ''vagabundo'', referência indireta aos ex-soldados trabalhadores, se tornou americano e banal. Nova Iorque chegou a atingir a taxa de 25% de desemprego (R. S. Nelson, The Chronicle Review, 18/10/2008).
Note-se, entretanto, que Hobsbawm, questiona o termo Grande Depressão, para a grande crise daquela época, pois a considera na verdade uma longa fase de deflação: “em um século globalmente deflacionário, nenhum período foi mais drasticamente deflacionário que 1873-1896, quando o nível de preços britânico caiu em 40%”. [5] Isso porque, apesar do centro da atividade capitalista mundial ser dirigido pelo comércio, diz ele que “entre 1873 e medos dos anos 1890, a produção mundial, longe de estagnar, continuou a aumentar acentuadamente” (Idem, p. 58).
Refazendo o caminho da Grande Depressão
Mais divulgados nos últimos meses, os principais resultados da Grande Depressão (1929-1933), apontariam: a) uma queda acumulada do Produto Interno Bruto (PIB) de -26% entre 1929-32; b) uma deflação de preços somada de -32% (1929-32); c) uma taxa de desemprego de 33% da força de trabalho nos EUA; d) cerca de 11.000 bancos faliram; d) a agricultura e agricultores sofreram devastação.
Quase 80 anos depois, dados do National Bureau of Economic Research (NBER), órgão especializado do governo norte-americano, confirmaram que os Estados Unidos estão em recessão desde 2007; somaram mais 2,5 milhões de desempregados no fim de 2008. E, segundo o presidente Obama (5/01/2009), “Se não agirmos rapidamente e corajosamente, poderemos ver uma queda de atividade econômica muito mais profunda, que poderia levar a taxas de desemprego de dois dígitos e fazer com que o sonho americano fique cada vez mais distante''.
“Desemprego de dois dígitos”, longa recessão: dificilmente os EUA contornarão a depressão – e a tragédia. Sim, é o FMI que prevê agora um crescimento negativo nos EUA, de -1,6% em 2009, além de projetar um crescimento global de 0,5%. Segundo estas estimativas do próprio Fundo, o PIB será abaixo de zero, em 2009, para: México, Rússia, Espanha, França, Zona do Euro, Itália, Alemanha, Japão e Reino Unido.
É quase impossível o crescimento da economia mundial em 2009 não ser negativo, esta é a leitura que se deve fazer das “previsões” do FMI.
Na verdade, apesar do aporte trilionário dado ao sistema financeiro dos EUA, persiste a crise de credito, a de liquidez, evoluindo concretamente para mais uma: uma crise de insolvência. Exemplifique-se com a quebra dos dois maiores bancos norte-americanos - o Citigroup e o Bank of America (Bofa) -, no que se seguiu nova “ajuda” bilionária do Tesouro, o que fez com que ex-banqueiros os considerassem “estatizados”. [6] O que ocorre depois do pacotaço de US$ 700 bilhões do programa Tarp, de setembro passado. Também no Reino Unido, onde o Royal Bank of Scotland - que havia passado 58% de suas ações ao Tesouro britânico para não ir ao chão - anunciou prejuízos que somarão US$ 41 bilhões em 2008. “A crise bancária não cede”, constatou em Editorial “O Estado de S. Paulo”, referindo-se aos dois países (23/01/2009, A-3).
Mais ainda: soube-se agora que a economia dos Estados Unidos encolheu a uma taxa anual de 3,8% no último trimestre de 2008; o PIB do país tinha já diminuído 0,5% no penúltimo trimestre, de acordo com o Departamento do Comércio norte-americano. Outros três indicadores da economia dos EUA fizeram murchar a euforia da aprovação no Congresso do outro pacotaço de US$ 887 bilhões, na última quarta-feira: a venda de casas novas desabou 14,7% em dezembro, as encomendas de bens duráveis caíram 2,6% também no mês passado e o número de seguro-desemprego subiu 159 mil na semana encerrada em 17 de janeiro, para 4. 776 milhões. “Trata-se do maior patamar desde que o governo iniciou esse levantamento, em 1967” – arremata Luiz Guimarães. [7] No terceiro trimestre de 2008 a dívida pública e privada do país alcançou 358% do PIB – a maior da história -, tendo sido de 300% exatamente em 1933, na Grande Depressão! [8]
O Brasil deve lutar para escapar da queda!
As previsões para o crescimento da economia brasileira, em 2009, passaram de zero (Kenneth Rogoff), a 1,8% (FMI, 28/01/2009), e para 2% conforme alguns economistas brasileiros mais otimistas. Mas são claras agora as tendências recessivas, com o desemprego assolando os trabalhadores de maneira fulminante: segundo a Confederação Nacional da Indústria, em dezembro ocorreram 654.240 demissões de trabalhadores com carteira assinada, destes 273.240 vagas na indústria de transformação, o pior resultado em dez anos! A produção industrial igualmente teve a pior queda desde 1999.
Aliás, apesar de uma diminuição relativamente pequena nos investimentos projetados até 2012 (menos 10,6% do total de R$ 1,46 trilhão previstos), segundo o BNDES, em 2009 não acontecerá o superávit comercial previsto, de US$ 14 bilhões, face à queda das commodities e ao aprofundamento da recessão global; continuaremos com déficit nas transações correntes do balanço de pagamentos, talvez algo menor que os US$ 28,3 bilhões (2008) - menos viagens internacionais e menor remessa de lucros.
Fica evidente que não há alternativa que não seja de ruptura com a política macroeconômica do consenso de Washington, que desgraçadamente ainda predomina sob o governo Lula. Foi-se pelos ares a ingenuidade da “marolinha” – uma bobagem perigosa só pertinente a subdesenvolvidos.
Assim, têm completa razão Renato Rabelo e Marcio Pochmann. O primeiro por afirmar a encruzilhada histórica que o governo precisa definitivamente enfrentar, em termos políticos, no sentido de um novo pacto político, a serviço do desenvolvimento, dos trabalhadores e da nação. O segundo por identificar o fracasso absoluto de um padrão civilizatório subalterno à decadência social, imposto pela financeirização regressiva que essa burguesia reacionária perpetra contra o nosso povo.
A hora é de combate, a hora é de rupturas!
NOTAS
[1] De outubro de 2007 até dezembro de 2008, somente nas bolsas de valores globais as perdas somaram US$ 31 trilhões, informou H. Meirelles, presidente do BC do Brasil, em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (18/12/2008). No último relatório do FMI (28/01/2009), os prejuízos da totalidade dos bancos em breve alcançarão US$ 2,2 trilhões, sendo que até agora somaram US$ 1,1 trilhão (Valor Econômico, 29/01/2009, C-6). Enquanto o secretário-geral da OIT (Organização Internacional do Trabalho) J. Somavia diz agora: o desemprego alcançará “até 50 milhões de novos desempregados em 2009”, o que elevaria a taxa para 7,1%, frente a 6% em 2008 (dados preliminares) e 5,7% em 2007; ou quase 230 milhões de pessoas, 50 milhões a mais, que os 179,5 milhões registrados em 2007 (BBC-Brasil, 28/01/2009). Na América Latina, até 2,4 milhões de trabalhadores vão perder o emprego (OIT/CEPAL, Valor Econômico, 28/01/2009, A-7).
[2] Apesar da tempestade financeira – em geral fusões e aquisições que centralizam capitais sucedem as crises -, tais negócios alcançaram ainda US$ 3,3 trihões em 2008; foram US$ 4,4 trilhões entre janeiro e outubro em 2007 (Estadão on line, 3/12/2008).
[3] 1) A onda de demissões em massa anunciadas na Europa nas últimas semanas vêm levando às ruas da principais capitais da Europa a protestos violentos contra seus governos. Na Grécia, fazendeiros bloquearam estradas; na Islândia, o governo caiu depois de protestos na semana passada; na França, Grécia, Espanha, Reino Unido e em países do Leste europeu (Hungria, Estônia, Letônia, Lituânia, Eslováquia) “milhões de pessoas repudiam ajuda a bancos e pedem proteção contra demissões” (O Estado de S. Paulo, 29/01/2009, p. B-3). 2) Dominique Strauss Khan, diretor-gerente do FMI, alertou sobre o risco de revoltas sociais em vários países mais afetados pela recessão (Valor Econômico, 27/01/2009, C-1). 3) Para o professor J. L. Fiori, o impacto da atual crise “será prolongado e deverá atingir todas estas ‘zonas de fratura’, acentuando suas tendências mais perversas” (“O fantasma das rebeliões”, Valor Econômico, 03/12/2008). Ou, escreve ele ainda: “Nestas regiões, deve-se prever um processo complicado de desintegração social e política, e o mais provável é que voltem à ordem do dia as revoltas e revoluções sociais. Elas não serão socialistas nem proletárias [?], mais adquirirão mais intensidade e violência nos territórios situados na ‘zona de fraturas’ ou de disputas e conflitos geopolíticos crônicos” (“La crisis económica financiera y las zonas de fractura”, republicado no Centro Internacional Celso Furtado, s/d).
[4] Na tipologia do NBER (O National Bureau Economic Research), os Estados Unidos podem sofrer uma recessão em V (uma queda na produção de curta duração), em U (mais demorada) ou em L (longa duração da contração da atividade econômica) – como está agora a recessão nos EUA.
[5] Ver: “A era dos impérios – 1873-1914”, de Eric Hobsbawm, p. 61, Paz e Terra, 8ª edição, 2003.
[6] O Tesouro americano enfiará mais US$ 20 bilhões, garantindo ativos hipotecários de US$ 301 bilhões no Citigroup; o Bofa ganhará US$ 20 bilhões e garantias para ativos de liquidação duvidosa de US$ 117,2 bilhões. “Quando o Tesouro diz a um banco para pagar um centavo por ação em vez do dividendo antigo, sabe-se quem é que manda”, afirmou o financista Jon Bruss. Para Kevin Jacques, ex-economista do Tesouro americano por 14 anos, “é como se fosse um tipo esquisito de estatização parcial” (“Para investidores, Bank of America e Citigroup já parecem estatizados”, Valor Econômico, 26/01/2009).
[7] Em: “Indicadores trazem mercado à realidade”, Valor Econômico, 30,31/01 e 1/02/2009.
[8] Em: “Por que lidar com dívidas imensas é tão difícil”, de Martim Wolf, Valor Econômico, 28/01/2009.
*Sérgio Barroso, Médico, doutorando em Economia Social e do Trabalho (Unicamp), membro do Comitê Central do PCdoB.
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