O Golpe foi consumado,
é certo, mas isso não é o fim, a luta continua. E o maior exemplo
foi dado pela Presidenta Dilma, a quem coube enfrentar a duríssima
batalha que desmoralizou o próprio golpe, e cujo corolário é o
fato de ter sido impossível ao Senado cassar-lhe os direitos
políticos, a primeira grande vitória na luta contra o golpe. Isso é
tanto mais importante quando aprofundamos a compreensão de que o
Golpe não se trata da Presidência, apenas, mas da desconstrução
dos avanços contidos na CLT, na Constituição de 1988 e na vitória
contra a Ditadura, acrescida dos avanços obtidos desde a vitória de
Lula à Presidência da República.
Talvez, só a
assinatura da Lei Áurea – e há muito o que se questionar sobre o
episódio – tenha conferido papel tão decisivo às mulheres na
História do Brasil. Mas, desta vez, não há dúvida quanto ao
protagonismo, à fidelidade ao lado representado e à coragem
encarnadas na Presidenta Dilma. Em tempos de internet e de celulares
conectados, expôs-se ao mundo em tempo real a vilania do golpismo.
Todavia, o Partido da Imprensa Golpista e nossos erros na própria
luta em curso poderiam ter levado à legitimação do golpe.
Dilma no Ato pela democracia no Teatro dos Bancários em Brasília, 24/08/2016 - Foto de Brito Júnior |
Trata-se de uma luta heroica, dessas que, para explicar, apelamos aos mitos gregos. O golpe já era
realidade há meses. Impediram o voto popular de decidir desde 2014.
Para derrubar a Dilma, entregar o Pré-Sal, rasgar os direitos do
povo, inviabilizaram seu mandato. A derrota era certa e como é duro posicionar-se diante da derrota anunciada. E nesse
ambiente, marcado pela confusão e pelas fragilidades intrínsecas e
acessórias à força dirigente do processo, o Partido dos
Trabalhadores, Dilma pôs-se de espada e escudo em punho para
enfrentar as três cabeças de Cérbero, o mítico cão monstruoso
que resguardava os portões do Tártaro, o inferno da mitologia
grega, cuja ferocidade se dirigia aos que ansiavam por se livrarem
daquela terra de sofrimentos. Reitero: o golpe já fora dado, mas a
reação a ele poderia ter sido de tantos modos, que coube à
Presidenta Dilma conduzir-nos para esse confronto e ela própria
enfrentar a criatura nefasta, por isso é importante entender e tirar
as devidas lições do episódio que ilumina a próxima etapa da
resistência.
Héracles trazendo Cérbero para Euristeu, 525 AC, atribuido a Aigles, no Museu do Louvre
A primeira cabeça
monstruosa que Dilma enfrentou foi a das mentiras urdidas para
legitimar o Golpe. A sessão de mais de 14 horas em que ela enfrentou
a súcia do Senado será lembrada na História, e foi a sua atitude,
sua postura serena e firme, seu brilho que impediram a farsa de se
manter de pé. Um a um, uma a uma, vimos os e as golpistas tombarem
diante da verdade pura e simples da ilegitimidade do golpe.
A segunda cabeça
monstruosa que Dilma abateu foi a do hegemonismo e da tibieza que se
expressaram no anticlímax provocado pelas declarações do
Presidente do PT, Rui Falcão, e de quem o apoiou, quando em nome da
Frente Brasil Popular, posicionou-se contra as mobilizações levadas
a cabo pela Frente Povo Sem Medo no dia 31 de agosto, unicamente
porque continham a consigna “Que o Povo Decida”, e a sua
inacreditável, reprovável, obtusa e grosseira rejeição à palavra
de ordem do Plebiscito após a declaração da própria Presidenta
Dilma. Ora, quem é da luta social sabe o efeito devastador que isso
teve no último mês de mobilização contra o Golpe. Foi a expressão
mais acabada do limite que o hegemonismo impõe à unidade das forças
democráticas, patrióticas e dos trabalhadores e trabalhadoras, um
tiro no pé na unidade do nosso campo, a razão de pulularem as
especulações sobre o apoio do PT à Presidenta Dilma. Aqui,
complicou. Poderia ter sido um Deus nos acuda e o anticlímax se sentiu por toda parte.
Mas, Dilma foi unindo
ponta a ponta, incorporou a defesa das Diretas como o caminho da
pacificação democrática pela afirmação da soberania popular;
embalou a primavera feminista como um ascenso de participação que
supera a divisão e as correntes. Fez a sua defesa reafirmando a
nossa unidade em tudo, superando a esquerda, ampliando as bandeiras
para a defesa do campo que se insurge contra o Golpe, da defesa da
Democracia, da Soberania ameaçada e dos direitos do povo e da classe
trabalhadora. Naquele momento, toda a insegurança, toda a divisão,
todo o hegemonismo se mostraram vãos, e um despertar foi ocorrendo
por todo o país. Naquele dia, estávamos na Esplanada, e não
estávamos triste, não se viam choros. Dilma enfrentara por nós os
fantasmas de nossos próprios medos, e matara a segunda cabeça de
Cérbero, guardião dos padeceres sem saída, estávamos eletrizados
porque unidos, porque na luta, porque acreditamos em nós mesmos e na
vitória. Mas este ente organizativo da unidade ainda engatinha.
Todavia, as mobilizações espontâneas, ferozmente reprimidas por
todo o país são filhos daquela coragem. E sua fala ao final do
Golpe abre uma nova onda de mobilizações, indispensáveis nessa
fase da resistência. E a luta pelas eleições diretas está no centro, contra o golpismo
Ato contra o Golpe na madrugada de 03/09/2016 em Florianópolis-SC |
Já a terceira cabeça
do Cérbero que Dilma cortou foi a do ineditismo do seu gesto face à
às forças que levaram Getúlio Vargas ao suicídio heroico, Jango
ao exílio e à cilada e ao envenenamento. Diante do incontornável
padecer, ela nos ensina a valiosa lição da coragem que resta. Ela
encarna a coragem de todas as mulheres que, no passado e no presente,
desempoderadas, cuidaram sozinhas das famílias, inclusive quando os
maridos estavam na luta, na prisão, desaparecidos, e elas estavam na
luta sem ribalta, sem estátua, aquela luta do sofrimento diário,
sem menções, como a dos agricultores e agricultoras que lavram a
terra, como a da clandestinidade que não tem horizonte de se findar,
e que obriga, antes de tudo, à sobrevivência com discrição, e à
resistência do silêncio face à tortura. Dilma não se matou, não
fugiu, sequer tremeu. Seus algozes, outra vez, empalideceram frente
aquela firmeza. Ela nos deu a mensagem da sobrevivência. E eles não
puderam cassá-la, não puderam.
Exemplos muitos de
heroísmo há, de martírios, de superações. Todavia, quantas vezes
pudemos contar que uma mulher liderasse um país da dimensão do
Brasil, ocupando esse lugar central, e com essa formidável
contribuição individual? Procuro e não encontro. Também esse
feito ficará na História e terá consequências irresistíveis pelo
exemplo que encerra, pelas portas que abre ás mulheres na luta do
povo. Poderemos muito mais com as mulheres que Dilma motiva, e com a
ternura e admiração que ela inspira em nós, homens, nesse
aprendizado do emancipacionismo, tão difícil e tão importante na
luta pelo socialismo.
Foi ela quem deu a
senda da vitória diante da adversidade. O Golpe não pode expor à
luz sua carranca inominável. Estamos unidos. E ela
está viva, conosco, e a luta continua, sempre.
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