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quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Paulo Kliass: País precisa enfrentar hegemonia do rentismo parasita - Portal Vermelho

Paulo Kliass: País precisa enfrentar hegemonia do rentismo parasita - Portal Vermelho

O Comitê de Política Monetária anuncia nesta quarta (21) sua decisão sobre a taxa básica de juros, a Selic. A expectativa é de que ela seja mantida em 14,25% ao ano, maior patamar em nove anos. Em entrevista ao Vermelho, o economista Paulo Kliass aponta os danos que uma taxa de juros tão alta provoca na economia: além de aumentar a despesa pública, reduz o investimento, prejudicando assim o desenvolvimento econômico e social. Para ele, o país precisa enfrentar a “hegemonia do rentismo parasita”.




  
Por Joana Rozowykwiat

Doutor em economia pela Universidade de Paris 10 e integrante da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, do governo federal, Kliass explica didaticamente a importância de reduzir a taxa de juros. De acordo com ele, a política monetária atual tem um custo fiscal muito alto e inibe o crescimento.

Se, em agosto, o estoque da dívida pública da União era de R$ 2,7 trilhões, grosso modo, pode-se calcular que cada ponto percentual da Selic tem então um impacto de R$ 27 bilhões nas contas da União. Desta maneira, manter a taxa de juros nas alturas não contribui para resolver o problema fiscal, ao contrário, pois significa manter elevado também o gasto público com o pagamento da dívida, alerta Kliass.

“Se você pega o Orçamento que o governo envia todo ano ao Congresso, 49% dele estão comprometidos com juros e rolagem da dívida pública. Ou seja, metade do recurso público vai para a esfera puramente financeira. Nos últimos 12 meses, de acordo com informações disponíveis no Banco Central e no Ministério da Fazenda, você tem R$ 484 bilhões que foram pagos [pelo governo] a título de juros. E a gente fica discutindo um bilhão aqui, um bilhão ali, corta na Saúde, na Educação, na Previdência”, compara.

Ditadura do superavit

Ele aponta que as despesas com juros “são consideradas intocáveis” e não fazem parte da pauta o “austericídio” – como ele chama a política de austeridade que representaria um suicídio coletivo imposto ao país.

Segundo Kliass, isso acontece por causa da “armadilha” da política de superavit primário, que é a economia feita pelo governo para o pagamento de juros da dívida. “Se discute toda a receita, com exceção da financeira. Então você precisa gerar um excedente fiscal cortando tudo, menos o financeiro. Ou seja, você está gerando uma excedente para garantir o pagamento de juros”, analisa.

Isso sinaliza uma inversão total de prioridades do gasto público. Pois todo o esforço fiscal promovido pelo país, no sentido de economizar, “é drenado para pagar juros da dívida”, em detrimento do investimento social e em infraestrutura, por exemplo.

De acordo com o economista, enquanto o governo não parar de perseguir a meta do superavit primário – que, ele aponta, vem da época do Plano Real, quando havia total hegemonia do neoliberalismo –, o país não conseguirá escapar dessa contradição.

Kliass resgata que o argumento por trás da decisão de manter taxas de juros tão elevadas é o de que isso estimula pessoas e empresas a pouparem, já que o retorno financeiro é alto. Desta forma, os recursos não seriam direcionados para o consumo e, consequentemente, sem a pressão da demanda, não haveria elevação de preços.

“O que acontece é que a realidade é muito mais complexa que isso. Estamos há muito tempo com uma política de juros agressiva. Há anos o Brasil ocupa a posição de líder mundial de taxa de juros. E nem por isso houve redução da inflação. A inflação foi contida, mas por outros fatores”, analisa.

Investimentos na berlinda


Além de elevar a despesa pública, a política de juros altos tem impacto negativo ainda sobre a atividade econômica em geral. “O que ela provoca de fato é uma redução de investimentos. Com os juros altos, os empresários percebem que é muito mais fácil obter retorno financeiro assim do que se atrever a fazer investimento real, como comprar novos equipamentos, aumentar a capacidade instalada de uma empresa, etc.”

Nesse sentido, aumentar taxa de juros ou mantê-la elevada “inibe o investimento e o consumo, porque as pessoas terão menos capacidade de endividamento. Então você dá dois tiros contra a promoção do desenvolvimento econômico e social”, condena.

Lucro desmedido

Paulo Kliass chama a atenção ainda para o fato de a Selic ser apenas a taxa referencial para o conjunto da economia. Na prática, indivíduos, famílias e empresas lidam com taxas bem mais elevadas.

“O Brasil, além de ser o campeão mundial da taxa de juros referencial, é o campeão da taxa de juros praticados. Os bancos obtêm recursos por esta taxa [Selic], mas emprestam no balcão a taxas fenomenais. Se você pega, por exemplo, o cartão de crédito, [a taxa de juros cobrada] beira os 400% ao ano”, compara.

O economista defende que o Banco Central deveria regular o chamado spread bancário, que é justamente essa diferença entre os juros que o banco cobra ao emprestar e a taxa que ele mesmo paga ao captar dinheiro.

“Como autoridade monetária e órgão regulador e fiscalizador do mercado financeiro, o BC tem obrigação e fazer valer a lógica de defesa dos que são menos poderosos nessa relação, que são as empresas, as famílias e os indivíduos”, afirma.

Mas não é isso que acontece. Segundo ele, o BC deixa o spread ser praticado da maneira que os bancos bem entendem, “como se houvesse um mercado que pudesse se autorregular. Mas temos, de um lado, seis, sete, oito mastodontes do sistema financeiro e, do outro, centenas de milhões de pessoas e empresas como tomadores”, que terminam prejudicados nessa equação.

Vontade política

Kliass lebra que a presidenta Dilma Rousseff tentou controlar esta situação, no seu primeiro mandato, reduzindo o spread nos bancos públicos como uma forma de pressionar, pela concorrência, também as instituições privadas. A iniciativa da presidenta, contudo, não se sustentou.

“Dilma foi muito pressionada. Tem que ter disposição política para peitar esses interesses. Ela acabou recuando alguns meses depois, e essa política não voltou. Mas não quer dizer que seja equivocada ou impossível. Precisa é ter vontade política de dizer que a sociedade brasileira não suporta mais a hegemonia do rentismo parasita, que privilegia a atividade puramente especulativa, em detrimento da atividade produtiva. Isso tem que ser enfrentado”, declara.

De acordo com o economista, o país nutre uma espécie de vício na cultura especulativa. “Enfrentar isso não é uma atitude anticapitalista. Em qualquer outro país do mundo, as pessoas se surpreendem com o fato de que o Brasil tornou-se dependente químico em níveis elevados de retorno financeiro.”

Quem é o mercado?

As reuniões do Copom, que decidem sobre a Selic, acontecem a cada 45 dias. Kliass recorda que elas costumam ser sempre balizadas pela pesquisa Focus, realizada pelo próprio Banco Central, junto a dirigentes de instituições financeiras.

“Você abre o jornal e lá diz: ‘mercado estima’, ‘mercado avalia’. Mas quem é o mercado? São os operadores das instituições financeiras e dos bancos. As decisões do BC são balizadas para atender aos interesses do financismo, e não do país”, critica.

O economista questiona a razão pela qual outros atores não são ouvidos sobre a Selic. “Por que não bota [na sondagem] os industriais, os economistas ligados a instituições de pesquisa econômica, às universidades, os sindicatos, as centrais? Esses não são ouvidos. Só meia dúzia de pessoa ligadas às instituições financeiras, que têm todo o interesse em que a Selic suba, porque são os que mais ganham com a taxa de juros elevada”, condena.

Depósito compulsório

O economista lembra que política monetária não se faz apenas a partir da taxa de juros. “Embora seja pouco comentado, você pode ter os mesmos efeitos sobre essa lógica de redução da demanda sobre a oferta e, portanto, nessa preocupação com a inflação, sem aumentar a taxa de juros. Basta mexer no depósito compulsório, que no Brasil é pouco utilizado”, aponta.

O depósito compulsório é um depósito obrigatório feito pelos bancos comerciais junto ao Banco Central. Parte de todos depósitos que são efetuados à vista pela população junto aos bancos vão para o BC, responsável por fixar esta taxa de recolhimento, que é variável, de acordo com os interesses do governo em acelerar ou não a economia. Desta forma, o governo aumenta ou diminui a circulação de moeda no país.

“Então você pode reduzir a demanda não só através da taxa de juros, mas em função da capacidade de empréstimo dos bancos. E isso sem ter o custo fiscal. Mas isso também é um tabu no Brasil”, lamenta.

Cultura do rentismo

Para Kliass, houve no país um processo histórico, de natureza social e cultural, que fez com que não existisse muita resistência a essa estrutura que privilegia o mercado financeiro em detrimento da economia real.

De acordo com ele, “os interesses do sistema financeiro estão muito bem representados na nossa sociedade, no interior do aparelho do Estado. Eles conseguem, então, com uma hegemonia política, de formação nas escolas, nas faculdades, fazer com que esse tipo de visão de mundo seja hegemônica, e as pessoas terminam reproduzindo”, coloca.

Segundo o economista, houve um momento, após a crise desencadeada em 2008, que muitos dogmas foram questionados, “mas o conjunto do modelo econômico não foi colocado em questão”, encerra.

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