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quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Diógenes Arruda: O guerreiro sem repouso (1) - Augusto Buonicore






Zé Duarte, Amazonas, Arruda, vê-se em seu rosto a emoção e a dor.

Augusto Buonicore *



Era 25 de novembro de 1979, o aeroporto de Congonhas estava cheio de pessoas vindas de todas as partes do Estado de São Paulo. O clima era de festa. Dentro de alguns minutos desembarcaria ali o principal dirigente do PC do Brasil, João Amazonas, que acabava de voltar do exílio. À frente da comissão de recepção estavam duas históricas lideranças comunistas, José Duarte e Diógenes Arruda.


Contudo, a alegria logo se transformaria em tristeza. A emoção do reencontro com velhos amigos abalou o fraco coração do bravo guerreiro pernambucano. Ainda no carro que o levaria ao ato político em homenagem ao camarada João Amazonas, Arruda começou a passar mal e faleceu.


O enterro acabou se transformando na primeira manifestação pública realizada pelo PCdoB. O caixão foi coberto por uma bandeira vermelha estampada com a foice e o martelo. Na beira do túmulo, Elza Monnerat – recém libertada da prisão – falou em nome dos comunistas brasileiros. “Juntamente com as flores da nossa saudade, declarou ela, deixamos o nosso adeus de despedida. Mas um adeus que é também um compromisso de honra. O compromisso de que, quaisquer que sejam as vicissitudes, levaremos adiante a bandeira que ele sempre defendeu. A bandeira do Partido, a bandeira do socialismo”.


Pernambuco, Bahia

Diógenes Alves de Arruda Câmara nasceu em 23 de dezembro de 1914 no pequeno município de Afogados de Ingazeira, sertão de Pernambuco. Um lugar marcado pela pobreza e pela violência. Era neto de um dos coronéis da região e os primeiros presentes que lembrava ter ganhado do seu pai eram um revolver e um punhal. Com eles deveria defender sua vida e a honra da família. Afirmou Arruda: “Eu vivia na minha infância aquelas histórias de cangaceiros, aquelas lutas no sertão. E, assim, eu me criei sem ter medo de polícia, sem ter medo da luta”. O comunista Arruda Câmara continuou sendo a vida toda aquele menino sertanejo, com suas virtudes e vicissitudes.


Em 1930 mudou-se para Recife e ingressou no curso de Engenharia. Um primo, que estudava medicina, o introduziu na literatura socialista. Leu, entre outras coisas, “Um engenheiro Brasileiro na Rússia” e se tornou simpatizante do comunismo. Alguns anos mais tarde, em 1934, ingressou no Partido Comunista do Brasil (PCB).


No final desse mesmo ano mudou-se para a Bahia. Em Salvador matriculou-se no curso de Engenharia Agronômica. Entre 1936 e 1938 foi um atuante líder estudantil, participando do Diretório Acadêmico da Faculdade de Engenharia e da União dos Estudantes da Bahia (UEB).


Teve um papel destacado na campanha em defesa da siderurgia nacional. Segundo João Falcão, ele “foi a mola mestra da semana (em defesa da siderurgia nacional), coordenando os trabalhos das diversas comissões selecionando os oradores. Arruda mobilizou o diretório da Escola de Agronomia, da qual era aluno, para se colocar à frente da organização do evento”. Esse foi “o maior trabalho de massa realizado até então pela frente legal”.


Quando o mesmo João Falcão teve a idéia de criar uma revista político-cultural, Arruda foi um dos seus principais incentivadores. Foi ele quem sugeriu que ela se chamasse Seiva. A publicação expressaria o pensamento da corrente democrática e antifascista da Bahia. Para burlar a censura, deveria ser dirigida por pessoas que não fossem identificadas com o Partido. Mas, atrás dos panos, Arruda ajudava na coleta e seleção dos artigos. Seiva foi a primeira revista legal dirigida pelos comunistas durante o Estado Novo e ajudou divulgar suas idéias entre setores mais amplos da sociedade. Transformou-se num importante instrumento na luta contra o fascismo.


Logo após o golpe do Estado Novo, ocorrido em novembro de 1937, Arruda foi preso. Ficou cerca de três meses na cadeia e não prestou nenhuma informação aos seus algozes. Assim, a polícia não conseguiu nenhuma prova de suas ligações com o Partido Comunista. Devido a sua combatividade e grande capacidade de organização, passou a compor o secretariado regional do PCB, chegando a ser indicado para sua secretaria-geral. Nessa época se enamorou – e, depois, casou - com a estudante de direito Aldeir (Déa) Paraguassú.


Sob a direção enérgica de Arruda, os comunistas da Bahia se tornaram os mais organizados do país. Nas vésperas do Primeiro de Maio de 1940, eles inundaram Salvador com faixas vermelhas dizendo “Abaixo o Estado Novo!”, “Abaixo a guerra e o fascismo!” e “Liberdade para Prestes!”. A ousadia daqueles jovens, que embaraçou o interventor e o chefe da polícia, custaria bastante caro. Poucos dias depois Arruda foi preso novamente.


Desta vez as coisas foram mais complicadas. Ele foi torturado por dois longos meses e passou mais oito meses incomunicável. Muitos temeram por sua vida. Graças ao seu comportamento exemplar, não houve nenhuma queda importante no estado. O partido praticamente se manteve intacto.


Após sair da prisão, seguindo orientação da direção nacional, transferiu-se para São Paulo. O objetivo era ajudar na reorganização do Partido que fora desbaratado pela polícia. Naquele momento Domingos Brás era o único membro do Comitê Central em liberdade. Mesmo ele seria preso pouco tempo depois. O fascista Felinto Miller gabava-se de ter eliminado o Partido Comunista do Brasil. Os últimos acontecimentos pareciam dar-lhes razão. Mas ...


Reconstruindo o Partido Comunista

Como podemos suspeitar, a tarefa de Arruda não seria nada fácil. “Eu era um pau-de-arara, afirmou Arruda, vinha com uma roupazinha de brim, no mês de abril, um frio que até minhas rótulas tremiam”. Continuou ele: “nós comíamos chuchu de manhã, chuchu à noite, chuchu a semana inteira, chuchu o mês inteiro. Não tínhamos outra coisa para comer senão chuchu com arroz e sal”. Além do mais, ele não tinha contatos com os comunistas paulistas. O clima era de muita desconfiança diante de tantas prisões inexplicáveis. Suspeitava-se que havia infiltração policial no interior do Partido.


Numa entrevista, dada poucos meses antes de morrer, Arruda contou como foi o início da reorganização partidária em São Paulo: “Depois de 1935, todo Comitê Regional caiu. Parece que o inimigo cortava a cabeça do Partido (...) e deixava algumas pontas para que eles pudessem acompanhar e golpear o Comitê Regional. Era assim todo ano – 1936, 37, 38, 39, 40, 41. Que fazer? Eu tracei um plano: botar de lado o velho partido, que a polícia tinha indicação, e fazer um Partido novo. Não tinha outra maneira. Então, tive que me apoiar nos baianos. Fui chamando baianos para São Paulo”.


Já na viagem havia trazido consigo o amigo Armênio Guedes. Depois chamou um camarada ligado ao trabalho junto à comunidade judaica visando estabelecer contatos nessa frente. Arruda tinha constatado que nessa colônia as quedas haviam sido pequenas. Uma prova que não havia infiltração policial. A mesma coisa acontecia com os imigrantes lituanos, compostos basicamente de operários. Justamente por ali deveria começar o trabalho. Outro baiano que viria para São Paulo era o médico Milton Caires de Brito, que mais tarde comporia o secretariado do Comitê Central.


No início de 1942, junto com João Falcão, viajou à Argentina para restabelecer contatos com o Secretariado Sul-Americano da Internacional Comunista (IC). Em Buenos Aires se encontraram com Rodolfo Ghioldi e Victório Codovilla. Várias reuniões ocorreram entre os dirigentes da Internacional e os comunistas brasileiros. Quando estavam ali receberam a notícia que o governo brasileiro tinha rompido relações diplomáticas com a Alemanha nazista e havia se iniciado uma grande campanha popular exigindo a declaração imediata de guerra às potências do Eixo.


A linha política aprovada em Buenos Aires era a de construir uma União Nacional, ao lado do governo Vargas, contra as potências nazi-fascistas e seus aliados internos (quinta-coluna). Arruda, rapidamente, voltou ao país com essa diretiva e a tarefa de apressar a reorganização do PC do Brasil. Como membro da direção paulista, procurou contatar com um ativo grupo de comunistas cariocas, comandado por Maurício Grabóis e Amarilio Vasconcelos. A relação foi estabelecida com a ajuda de Leôncio Basbaum.


Constituiu-se, a partir de então, a Comissão Nacional de Organização do Partido (CNOP). A ela se agregaram dois jovens comunistas, fugitivos das prisões paraenses, João Amazonas e Pedro Pomar. Estava formado o núcleo principal de dirigentes que reorganizaria e, ao lado de Prestes, dirigiria o Partido até meados da década de 1950.


A principal tarefa dessa comissão era a organizar da 3ª Conferência Nacional do PC do Brasil, que foi realizada clandestinamente em 1943. Arruda foi eleito secretário nacional de organização, tornando-se, nesse período, o primeiro homem da hierarquia partidária. Sinal da importância que tinha tido naquele difícil processo.


Com a conquista da anistia e o fim do Estado Novo, o Partido Comunista emergiu como uma poderosa força política nacional, conquistando cerca de 10% dos votos nas eleições de 1945. Elegeu um senador e mais 14 deputados federais. Arruda candidatou-se pela Bahia e não conseguiu eleger-se. Contudo, nas eleições complementares de 1947, ele e Pedro Pomar elegeram-se deputados federais por São Paulo. Os dois foram candidatos pela legenda do Partido Social Progressista (PSP) de Ademar de Barros. Nessa época, o Partido Comunista já estava ameaçado de perder o seu registro.


Após a cassação dos seus parlamentares, os comunistas foram obrigados a entrar na clandestinidade. Arruda e Pomar, embora tolhidos em sua ação, continuaram exercendo seus mandatos até o final de 1950.


O impacto das medidas repressivas do governo Dutra e o desencantamento com a tática de viés reformista adotada anteriormente - que teria conduzido a uma séria derrota -, levou os comunistas a adotar uma linha política esquerdista. A principal expressão disso foi o “Manifesto de Agosto” de 1950. Nele Prestes defendia que a única alternativa para o povo era a constituição de uma Frente Democrática de Libertação Nacional e o desencadeamento imediato da luta armada contra o governo de plantão, Dutra e depois Vargas. A estratégia era, nitidamente, inspirada no processo da revolução chinesa que acabava de ser vitoriosa.


Arruda esteve ainda à frente da organização do 4º Congresso do PCB em 1954. Foi ele que apresentou o informe mais importante que tratava do novo programa – o primeiro desde a sua fundação. Até 1943 o programa dos Partidos Comunistas era o da Internacional Comunista. Só com a dissolução deste órgão foi que começaram a surgir os programas nacionais.


As concepções voluntaristas e esquerdistas, especialmente entre 1949 e 1954, conduziram a posições sectárias e métodos autoritários no relacionamento com as outras forças políticas, inclusive às do campo democrático, nacional e popular. Os trabalhistas e socialistas independentes foram tratados como agentes do imperialismo norte-americanos e como forças a serem combatidas.


Diante da ausência de Prestes, recolhido à clandestinidade e fora da direção cotidiana, coube a Arruda impor essa linha ao conjunto do Partido. Por isso mesmo, acabou se transformando na “bete noir” do comunismo brasileiro. Exemplo do autoritarismo no tratamento das divergências internas e mesmo na condução do trabalho de direção. Foi denominado, pejorativamente, de “Stalin brasileiro” ou “pequeno Stalin”.


Anos terríveis


Podemos dizer que, no início da década de 1950, Arruda vivia o auge do seu prestígio enquanto dirigente nacional do Partido Comunista. O escritor Jorge Amado dedicou-lhe “Subterrâneos da Liberdade”, trilogia na qual ele era um dos personagens mais significativos, o camarada André. Contudo, as coisas estavam prestes a mudar drasticamente para ele e o Partido que ajudara a organizar. As origens dessa reviravolta estariam no próprio interior do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), considerado a vanguarda da revolução mundial.


O 20º Congresso do PCUS, realizado em fevereiro de 1956, teve muita importância para o movimento comunista internacional e brasileiro. Ele mudou a linha política predominante até então, passando advogar a transição pacífica ao socialismo e apostar num longo período de coexistência e competição pacífica entre o bloco socialista, capitaneado pela URSS, e o imperialismo estadunidense.


Numa sessão secreta daquele Congresso, o secretário-geral Nikita Krushov apresentou um polêmico relatório no qual denunciava os erros e os crimes cometidos por Stalin. Estranhamente, o conteúdo que era para ser sigiloso vazou para as agências noticiosas internacionais e a informação chegou antes mesmo que os delegados estrangeiros pudessem voltar aos seus países e comunicar Para suas direções o que havia ocorrido.


No caso brasileiro as coisas foram ainda mais graves. Arruda – que era o representante brasileiro naquele congresso – acabou viajando para China antes de retornar ao Brasil. A viagem, que durou vários meses, fazia parte de uma programação oficial. Contudo, a gravidade do momento exigia sua volta imediata. Quando, finalmente, ele chegou os jornais burgueses já haviam publicado o relatório “secreto” e a direção do PCB negado categoricamente sua autenticidade. Abriu-se então uma grande crise no interior do movimento comunista brasileiro, a maior de sua história.


O núcleo dirigente - composto por Prestes, Arruda, Grabóis, Amazonas e Marighella – foi duramente criticado em artigos publicados na própria imprensa partidária e nas primeiras reuniões do Comitê Central convocadas para tratar do 20º Congresso. O principal alvo dos ataques foi o secretário nacional de organização.


Em 1957 Arruda, Grabóis e Amazonas foram destituídos da Comissão Executiva, acusados de resistirem à nova linha expressa na resolução do 20º congresso e se recusarem a fazer autocrítica de sua atuação à frente do Partido. No entanto, não era correta essa idéia que Arruda tenha se recusado aderir às novas teses soviéticas e reconhecer os erros cometidos. Pelo contrário, num artigo publicado na Voz Operária, ele fez uma humilhante autocrítica de todas suas atitudes anteriores. Escreveu: “é muito grande e grave a minha responsabilidade pessoal nas violações dos princípios do marxismo-leninismo de organização e de direção, nas debilidades e falhas ideológicas do Presidium e do secretariado, na condução do Partido, nos erros de direção e nos reveses do Partido, de 1942 até hoje. Lutei, cometi erros e revelei debilidades e, por isso, devo ser criticado e preciso autocriticar-me. Estou disposto a me livrar das idéias incorretas e dos maus hábitos, a transformar-me e renovar-me, pois será assim – e somente assim – poderei servir bem ao Partido”.


Por isso, num primeiro momento, não deu seu apoio ao grupo, encabeçado por Amazonas e Grabóis, que denunciava a nova política partidária, acusando-a de reformista. Ainda, durante os debates do 5º Congresso do PCB, realizado em 1960, somou-se à maioria do Comitê Central na defesa das teses oficiais e na condenação aos seus críticos. Escreveu na Tribuna de Debates um duro artigo intitulado “Estertores e mimetismo de tradição sectária”. Nele criticava as posições defendidas por Grabóis, Amazonas e Pomar, embora não citasse os nomes dos seus velhos camaradas. Sem dúvida, isso lhe causava profundo desconforto.


A dura autocrítica e o alinhamento político com Prestes, que ele admirava muito, não garantiram sua recondução ao Comitê Central. E mais: Arruda não foi eleito para nenhum outro posto de direção – nem regional nem municipal - e se tornou um simples militante de base. Mesmo quando, entre 1961 e 1962, a crise interna agravou-se e ocorreu a cisão dando origem a dois partidos comunistas, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e o Partido Comunista Brasileiro (PCB), Arruda manteve-se eqüidistante daquele conflito. Essa neutralidade, no entanto, não duraria muito tempo.

Ladeada por Zé Duarte e Haroldo Lima, Elza Moneratt  discursa no na semeadura de Diógenes Arruda (Genoino ao fundo)


(continua)




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