Eu sempre adorei a frase de Caetano: 'Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. A conheci, antes, numa camiseta, na década de 90, na antiga sede do PCdoB, na rua São Paulo, 1037. Lugar de encontros e conhecimento. Tudo naquele tempo era novidade para mim, vinda do interior do Pará, onde tive uma infância e uma pré adolescência felizes, mas com muitas dificuldades de informações, tecnologias. Eu queria, buscava, mas não sabia de muita coisa.
Em Fortaleza acordei para um mundo maior e no PCdoB da década de 90, com meus 15, 16 anos fui, sempre de forma muito inquieta, conhecendo e tendo acesso a um mundo que me interessava, porque ali ouvia relatos da ditadura, da guerrilha do Araguaia, do Araguaia, lugar onde nasci. No Pará, quantas noites fui dormir nas nossas casas de madeira, ouvindo minha mãe falar dos "paulistas" Como eram conhecidos por muitos no sul do Pará os guerrilheiros. No PCdoB encontrei os paulistas. No partido da década de 90 ouvia sobre músicas, aprendi a ouvir Ednardo Sousa, Belchior, Geraldo Azevedo. Tinha livros, olha só, li sobre Anita Garibaldi. Nele também ouvia ou lia apenas frases. E um dia li essa de Caetano. Pensei, é a mais linda que já vi. A mais verdadeira.
De um jeito que não sei contar como, fui seguindo a frase, me construindo, fazendo nela. Porque eu, na minha essência ainda desconhecida, achava lindo poder ser livre para ser e saber a delícia e a dor do que eu era de verdade.
Hoje, na pandemia, ganha força dentro de mim essa busca. E acho que nunca vivemos tão mergulhados na procura quase enlouquecedora de sabermos se sabemos mesmo quem somos, quais nossas dores, quais nossas delícias de ser. Vivemos o tempo de pensar na vida porque vivemos com a morte batendo na porta.
Estamos, cada um de nós, que tem empatia com o outro, na busca por nós mesmos. A dor do outro, do mundo, nos adoece, porque dor é ruim de sentir. Mas é esse hoje o nosso rio, e nele mergulhamos para chegar à outra margem. De vez em quando, do mergulho profundo, emergimos, para respirar e novamente mergulhar.
É uma travessia solitária. Estamos tristes? Estamos estranhos? É um rio de fortes correntezas.
Para mim é reaprender a entender o que sou. O que quero. É entender que talvez hoje tenha novos sonhos. Me entender. Um motorista de Uber me disse: nunca mais seremos os mesmos. Eu o olhei e ele completou: há dois meses me separei de um casamento de 30 anos.
É o tempo de não conseguir entender o infinito do outro. O mergulho é no infinito de nós mesmos.
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