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terça-feira, 16 de junho de 2009

Que realmente aconteceu nas eleições libanesas?

www.vermelho.org.br

A pergunta real agora é se o novo governo, ao ter a maioria no parlamento, pressionará para desarmar o Hezbolá, dando assim satisfação a seus patronos. Desde que foram celebradas as eleições parlamentares no Líbano, em 7 de junho, as mídias dominantes têm declarado que os resultados dessas eleições mostram claramente que o Hezbolá e seus aliados de coalizão sofreram "uma derrota acachapante".
Por Esam Al-Amin, para o site Counter Punch

Alguns, encabeçados pelo The New York Times e algumas agências , foram ainda mais longe, sugerindo que o discurso de Barack Obama na cidade do Cairo foi o que marcou a diferença, inclinando as eleições a favor da coalizão pró-Ocidntal governante.


Isso é pura fantasia e revela uma total incompreensão da natureza da política libanesa e uma ignorancia das realidades da política local.


Para começar, vamos esclarecer algumas coisas. No parlamento anterior, o Hezbolá e seus aliados tinham 58 deputados, diante de 70 da coalizão governista, em um parlamento de 128 vagas. A coalizão governista dirigida por Saad Hariri, filho de Rafiq Hariri, o bilinário ex-primeiro ministro assassinado, se nutre fundamentalmente de uma série de partidos e grupos que considera bem dispostos em relação ao ocidente e a governos árabes pró-ocidentais, como o da Arábia Saudita.


Esta coalizão inclui também os tradicionais partidos maronitas cristãos, apoiados pela igreja maronita, tais como as Falanges e as Forças Libanesas. Por outro lado, a coalizão da oposição está dirigida por partidos islâmicos, principalmente xiitas, Hezbolá e Amal, em aliança com um importante partido maronita, o Movimento Patriótico Livre, que é dirigido pelo ex-general Michel Aoun. Na rivalidade regional entre EUA, Israel e outros governos árabes "moderados", por uma parte, e Irã, Síria e os movimentos pró-resistência, por outra, esta coalizão da oposição claramente apoia os segundos.


Uma das principais disputas do parlamento anterior foi a insistência da coalizão ocidental em exigir que o movimento de resistência — Hezbolá — se desarmasse, a partir do momento que Israel fracassou ao tentar desmantelar a infraestrutura do grupo na guerra do verão de 2006.


Portanto, os grupos pró-ocidentais trataram de tentar conseguir politicamente o que Israel não conseguiu pela via militar. As pressões aplicadas pelos Estados Unidos durante a administração Bush para conseguir esse mesmo objetivo foram incessantes, provocando um confronto que durou cerca de um ano e que culminou nas recentes eleições.


A política eleitoral no Líbano está em desacordo com os princípios democráticos porque se baseia em políticas sectárias. Cada um dos grupos religiosos importantes tem garantido um certo número de vagas no parlamento, baseando-se não na população, mas sim em um acordo anterior acertado em 1989, para colocar fim a uma guerra civil de 15 anos.


Por exemplo, na recente eleição, os xiitas e os sunitas obtiveram os votos de cerca de 873 mil e 842 mil eleitores registrados, respectivamente, mas a cada grupo couberam 27 assentos. Por outro lado, os cristãos maronitas e os drusos tiveram 697 mil e 186 mil votos cada um, obtendo com esses votos 34 e 8 deputados respectivamente, muito mais do que as cifras de votos em si lhes dariam direito. Além disso, o clã Hariri pagou a mais de 120 mil expatriados libaneses para que voassem de regresso ao Líbano e votassem. Se estima que mais de 75% deles votou pela coalizão governante.


Nestas circunstâncias, em quem votaram agora os libaneses?


Com uma porcentagem de eleitores de cerca de 52% dos três milhões de eleitores registrados, a oposição dirigida pela coalizão do Hezbolá recebeu 55% dos votos (840 mil), mas só elegeu 45% dos deputados (57). O próprio Hezbolá apresentou somente 11 candidatos, em deferência a seus aliados de coalizão, o mesmo número que tinha no parlamento anterior.


Todos os onze candidatos foram eleitos de forma avassaladora. Por outro lado, a coalizão governista recebeu 45% dos votos (692 mil) e 55% das vagas no parlamento. Em resumo, a coalizão governante obteve 68 vagas, enquanto que os independentes obtiveram 3 assentos, unindo-se posteriormente à coalizão governista, totalizando assim os 71 deputados pró-Hariri.


Isto é, a composição do atual parlamento mudou somente em um deputado em relação à anterior, e isso só aconteceu depois de levarem para seu campo os três independentes. Além disso, a surpresa autêntica foi que o partido do general Aoun, o aliado da coalizão do Hezbolá recebeu, segundo os resultados anunciados pelo ministro do interior libanês, 52% do voto cristão, embora tenha obtido menos deputados que seus rivais cristãos.


Só em um mundo de ficção científica poderia se declarar que esses números são "um claro repúdio ao programa da coalizão do Hezbolá", maneira as mídias dominantes determinam claramente como os leitores devem ler, como fez Thomas Friedman no The New York Times.


Por isso, a história autêntica das eleições é que não se conseguiu fazer triunfar a vontade do povo libanês e que tão pouco se respeitou o princípio do governo da maioria. A coalizão dirigida pelo Hezbolá havia, de fato, obtido mais votos que a coalizão pró-ocidental, pela considerável margem de 10%. Quando o presidente americano Obama recebeu 53% dos votos populares, diante dos 47% de John McCain em novembro passado, as mídias e os analistas declararam que era uma derrota acachapante para os republicanos e um mandato de mudança real.


A política libanesa é imprevisível. O aliado de hoje pode ser o antagonista de amanhã. Por exemplo, o líder druso Walid Jumblatt foi durante muitos anos aliado da Síria no Líbano, mas se voltou contra ela há poucos anos, devido à mudança política registrada no país. Entretanto, recentemente começou a fazer movimentos de aproximação à oposição. Como tem o mandato de 8 deputados, se mudar de lado, coisa muito improvável na cena política atual, a composição do parlamento passaria então a ser de 65 a 63 deputados a favor da atual oposição.


A pergunta real agora é se o novo governo, ao ter a maioria no parlamento, pressionará no sentido de desarmar o Hezbolá, para satisfazer seus patrões. Se essa perspectiva se concretizar, de imediato se desencadeiria uma crise e a maioria dos libaneses, como mostrado no dia das eleições, sairão às ruas para protestar e exigir que a vontade real do povo seja respeitada, refletida nas urnas no dia das eleições;


Original publicado em http://www.counterpunch.org/amin06122009.html


Rebelión (em espanhol): www.rebelion.org

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