Por fatores
Uni minhas férias à campanha eleitoral em Fortaleza, em que o campo progressista conseguiu a vitória por uma margem apertadíssima, elegendo Evandro Leitão, ex-pedetista recém ingresso no Partido dos Trabalhadores, Presidente da Assembleia Legislativa e ex-Presidente do Ceará com uma trajetória vitoriosa à frente do time de futebol. Um imenso alívio percorreu-me ao constatar a vitória de domingo último, mas partilho também o pasmo face ao candidato André Fernandes ter obtido 49,62% dos votos da capital alencarina. É triste e significativo, pois Fortaleza é muito avançada e está diversas vezes à frente do Brasil, com notável protagonismo, inclusive com a emersão da liderança de Camilo Santana, Ministro da Educação, quem veio, viu, e venceu.
Aqui, o maior derrotado é Ciro Gomes, o auto-Nero, ou o Rei Medas. O cabra deitou na BR. Tudo que ele toca fica pôdi. Ele se agoniou. Em vez de dividir o filé, preferiu ver o circo pegar fogo. Ele tinha a Governadora Isolda, o Prefeito Sarto, o melhor candidato à Prefeitura, Roberto Cláudio. Pois o cristão papocou foi tudo. Perdeu até o apoio do Cid Gomes, cujo lendário destemor jamais admitiria sujeição, ainda mais para perder. Camilo passou a régua. Acolheu Evandro Leitão, e foi para cima até a vitória, virando, ganhando quase 100 mil votos de outras candidaturas.
Ainda assim, ou exatamente por isto, Evandro Leitão, quem viera do PDT, teve uma campanha claramente petista e é a isso que se deve a margem apertada, assumir o embate nos termos da direita, o que lhe potencializa. Se fôssemos mais frente amplistas e Ciro não tivesse implodido a unidade, teríamos ampla vantagem, mas vencemos na hora exata. Em São Paulo, Boulos deu um suador na direita, abraçando a tese da Frente Ampla com destemor e realismo. Em Recife João Campos mostrou o potencial da amplitude com a juventude e a unidade. Mas o fato de Fortaleza ter sido por um triz, por um pelinho, digamos assim, escancara o perigo e os limites de fiarmo-nos em apenas um líder, ou acreditarmos que é dever de um partido, apenas, liderar o Brasil.
No Brasil, quem ganhou a eleição foi a Frente Ampla, e quem perdeu foi o Bolsonarismo.
Estranho seria governarmos em frente ampla e na eleição municipal sermos os guerrilheiros de Stalingrado - que se os louvem para sempre. Essa pegadinha do malandro não funciona na política brasileira. A necessidade de dirigir o "centro" reluz há muito como pré-requisito para governar o Brasil. Então, a depender do posicionamento acerca da Frente Ampla, a avaliação será positiva, negativa ou neutra. O que lasca é o "eu venci, nós empatamos, eles perderam". Também não dá para negar derrota, como a sofrida pelo PCdoB, desafiando o elogio das federações.
É preciso debater na refrega, na batalha. Foram muitas as conversas ao pé de ouvido, dando conta da confusão e da insegurança entre nós, quando estamos em mar revolto. Por isso, não podia expectar desde Brasília, e vim sentir o cheiro da pólvora na rua, caminhando com o meu povo. Desses diálogos, deriva em parte essa reflexão sobre a Frente Ampla e a Unidade Popular.
Na esquerda há três visões sobre o governo e a condução do país, todas referidas à Frente Ampla. Há duas dominantes desde a vitória de Lula, não agora, mas desde 2003.
I - Frente Ampla com o PT:
esse sempre foi o limite do partido na sua ação política. Admite a Frente Ampla, se estiver à testa. Não é à toa que o Presidente Lula lidera a Frente Ampla, ele já a liderou em 2003 e a premissa é a mesma. Um grande partido social democrata de massas e brasileiro é o fiador da aliança. Como dizem: é tudo petê!
Notável vitória em solo brasileiro, o PT se afirmou como partido e afirmou seu principal líder, Lula. Mas a tese de que um partido seria capaz de dirigir o processo jamais foi aplicada, ao contrário, sempre foi batida. O que prevalece ao longo da história brasileira é a conformação de amplas alianças como virtude e como sina. Por isso, já no nascedouro, fervilhava polêmica quanto ao papel de uma frente política brasileira, do nosso povo, de onde surgiu a Frente Brasil Popular. Recorda-nos o saudoso Buonicore:
"Em 13 de janeiro de 1989, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) promoveu um ato público na Assembleia Legislativa de São Paulo para lançar um novo Manifesto à Nação. O documento conclamava as forças populares a “se unirem em torno de uma candidatura única à Presidência da República”, propunha “um entendimento político para a formação de uma ampla união democrática, patriótica, e popular visando à sucessão presidencial e à defesa de um efetivo regime democrático”. O PCdoB, diz o texto, “é de opinião que as forças democráticas e populares deveriam buscar a unidade a partir do primeiro turno da eleição presidencial. Caso contrário, arriscam-se a ter na fase final dois concorrentes de partidos das classes dominantes”.
"No final de março, os presidentes do PT, do PCdoB, do PSB e do PV se reuniram para discutir a formação de uma frente eleitoral visando concorrer às eleições presidenciais. João Amazonas, por unanimidade, foi escolhido para dirigir aquela reunião histórica e apresentar à imprensa os seus resultados. Uma justa homenagem àquele que havia sido decisivo no processo de construção da unidade das esquerdas brasileiras. O documento aprovado afirmava a disposição daqueles quatro partidos de criar “uma união de forças de esquerda democrática, popular e progressista, para concorrer com um candidato único à sucessão presidencial já no primeiro turno”.
As lideranças nacionais petistas ao conduzirem a Frente Ampla diretamente se expõem às influências e a convivência com o poder, sua institucionalidade e se, por um lado isso afirma o próprio poder, por outro lado, é objeto de dura disputa e ataque, sob permanente escrutínio da mídia. Essa representatividade, contudo, não resolve os problemas, apenas coloca um rosto humano à frente desse dilema da esfinge.
Por outro lado, a esquerda como um todo se enfraquece, e o desnível na representação institucional se retroalimenta das mudanças no próprio sistema político brasileiro, em especial após 2016. Os partidos maiores dominam o jogo porque são os partidos maiores que dominam o jogo, tautologicamente. Assim, as emendas PIX não são um fato à parte, mas o próprio modo de funcionar do jogo. E tem de ganhar nesse jogo. Aí o PT conseguiu ampliar suas prefeituras, beleza. Mas a esquerda decresceu como um todo.
Esse é o limite dessa via. Para ver como o Céu é longe, basta pensar em como seria ter perdido.
II - "Frente Ampla é frente fria" - negar a Frente Ampla e ser bem rebelde
É a segunda visão predominante no debate, e compõe a nossa "reserva moral", digamos assim. Na prática, contudo, ninguém é irracional, e o pessoal não rasga voto nem abre mão de espaço. Então, como em Fogo Pagou, de Luiz Gonzaga:
Teve pena da rolinha que o menino matou / Teve pena da rolinha que o menino matou / Mais depois que torrou a bichinha, comeu com farinha...gostou
Mas, claro, há crises de consciência periódicas. Nos casos mais graves, pode-se vê-los acabar prestando solidariedade à resistência ucraniana ou militando pela Kamala Harris. Muita gente séria foi esterilizada em sua potência e relegada à inatividade por concordar moralmente com essa opinião, mas sem se prestar ao papel de somar com a extrema direita. Outros, viraram antipetistas, ou pior.
Se aplicada praticamente, a negação da Frente Ampla levaria ao suicídio, dado a correlação de forças objetiva, que se pode medir por várias lentes. Como o poder de veto à continuidade do mandato presidencial por impeachment depende da Presidência da Câmara; e como essa é também a referência para o percentual considerado da Cláusula de Barreira, acredito ser importante levar em conta o mapa a seguir:
Dessa crise existencial, Lula refulge, no dizer de Elias Jabbour:
E ele em si representa o que eu chamaria de universal no particular, ou seja, você pega as demandas e anseios represados de uma sociedade de 500 anos e você pega o Lula e você vê ele representando isso hoje.
É a nossa sorte. Maquiavel, contudo, já advertia sobre a fortuna e a virtú, que raramente coincidem no curso da vida de um líder. João Amazonas viu isso entre 1987 e 1989. E várias vezes pudemos testemunhar essa fórmula poderosa que une o líder e as massas no momento certo. Isso é um momento, e como tudo, muda.
Pátria ou morte, abre-se a encruzilhada. A Frente Ampla não é tudo. Como diria o Vladimir, Que fazer?
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