Entre
a farsa e a tragédia finda o ano. Ao longo dele oscilamos entre a
indignação com a ópera bufa comandada pelo cinismo de Eduardo Cunha em
abril e a sincera comoção com a tragédia do Chapé. A sensação que
percebo a minha volta é de um imenso alívio para todos. Há muito que
escuto, de próximos e distantes, o desejo de que o ano acabe logo. E em
todos há também a mesma esperança de um 2017 melhor.
É engraçada a teimosia da
esperança. A gente dá um balanço no ano que termina, olha para a frente e
não vê, a bem da verdade, nada que nos diga que ele será melhor. Muito
pelo contrário, os sinais de que a crise institucional vai piorar estão à
vista; a recessão e o desemprego deixaram de ser fantasmas e viraram
monstros reais; e assassinatos como os mais recentes de Guilherme Silva
Neto, Débora Soriano e Luiz Carlos Ruas parecem nos dizer que estamos
nos desumanizando, que estamos a perder a condição humana. Para um
sertanejo feito eu há ainda o agravante da incerteza do inverno e o
temor de continuidade da seca, essa implacável inimiga que conheço desde
que nasci.
Com tudo isso, chega essa época e ainda brota uma esperança danada no
coração da gente. Por isso digo que a esperança é teimosa, birrenta.
Para onde a gente olha, contra tudo e contra todos, desafiando a razão e
o bom senso, a danada da esperança insiste em brotar, espalhando as
suas ramas verdolengas até no peito dos mais céticos.
Mas a esperança não pode ser confundida com a espera. A espera é prima
da dor. A espera nos faz quedar sentados, imobilizados, sem ânimo. A
espera nada mais é do que conformismo.
A esperança não. Se a espera é prima da dor a esperança deve ser irmã da
luta. A esperança de que 2017 há de ser melhor, ainda que os sinais
digam o contrário, é porque a nossa disposição para a luta também se
renova, e a gente se dispõe a lutar mais e melhor.
O que alimenta a nossa esperança é a capacidade de luta e de resistência
do povo brasileiro, demonstrada ao longo da sua história. O que
alimenta a nossa esperança é a resistência indígena, de Canindé a Sepé
Tiaraju; o que alimenta a esperança é a luta contra a escravidão, de
Cosme a Zumbi, passando por Luiza Mahin e pela poesia de Castro Alves; o
que dá alento a nossa esperança é a República de 1817, que Cascudo
classificou injustamente como a mais bela e inútil das revoluções
brasileiras, prestes a fazer duzentos anos; o que nos alimenta é o
Araguaia, seu caudal carregando a força da juventude que enfrentou o
terror da ditadura.
O que nos alimentou em 2016 foram os jovens que ocuparam escolas e
universidades, foi o brilho no olhar daquela menina Ana Júlia, é o verbo
doce e cortante de Camila e Carina, duas meninas ainda a dirigir as
duas maiores entidades estudantis do país. O que nos alimenta ainda é a
quantidade de jovens, trabalhadores, mulheres, em todos os rincões desse
Brasil, dispostos a dizer não à espera, prontos a dizer sim à esperança
e à luta.
É verdade, a impressão que nos dá é que vivemos uma longa noite, uma
escuridão sem fim. A gente procura uma réstia de luz e ela parece que se
esconde. E ainda assim, teimosamente, temos esperança de que 2017 será
melhor.
Entre a farsa e a tragédia 2016 foi uma longa noite, uma escuridão quase
sem fim. Agora, que o ano termina, a gente arranca dessa noite os
primeiros raios da aurora, a gente agarra com as duas mãos essa
claridade ainda menina para acender a candeia da esperança e com ela
alumiar o ano que se aproxima.
E porque a poesia é uma necessidade é que eu busco nos versos dos
baianos Gil e Capinan o azeite pra minha candeia de esperança, o
querosene pro meu candeeiro de luta, com a certeza, teimosa e birrenta e
sertaneja, de que a gente ainda vira esse mundo em festa, trabalho e
pão.
Joan Edesson de Oliveira é educador, Mestre em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará.
Nenhum comentário:
Postar um comentário