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Por Diego Salmen, na Terra Magazine
Para o ex-ministro Nilmário Miranda, alguns militares temem ser punidos caso liberem os arquivos da ditadura. Em entrevista a Terra Magazine, ele classifica de “ridícula” a acusação de “revanchismo” feita pela categoria.
“Eles (os militares) têm dificuldade em discutir o significado do Golpe de 1964. Muitos deles afirmam que o golpe foi para restaurar a democracia, e não para instaurar uma ditadura”, diz o ministro, que foi titular da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República entre 2003 e 2005. “E alguns temem que a liberação dos documentos sirva para julgar pessoas”.
A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, emitiu decreto presidencial nesta quarta-feira, 6, tornando públicos os arquivos da ditadura militar vigente no país vizinho entre os anos de 1976 e 1983, com exceção dos documentos relativos à Guerra das Malvinas, travada em 1982 contra a Inglaterra.
No Brasil, a iniciativa mais recente nesse sentido foi o decreto presidencial que propôs a criação Comissão Nacional da Verdade, publicado no Diário Oficial da União em 22 de dezembro.
O documento sugeria, dentre outros pontos, a revogação de leis do período ditatorial (1964-1985) que tenham embasado violações aos direitos humanos.
A iniciativa causou mal-estar entre os militares: o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica entregaram carta de demissão ao presidente Lula, que prometeu rever alguns pontos do decreto para esfriar a situação.
Confira a entrevista com o ex-ministro:
Terra Magazine – Como o senhor recebeu o decreto da ministra Kirchner que torna públicos os arquivos da ditadura argentina?
Nilmário Miranda - Eu sou favorável a isso também no Brasil. Tem muito arquivo já aberto aqui, mas também há muitas coisas que não foram abertas. Tudo o que for relativo aos direitos humanos não deve ter sigilo (de arquivo). É diferente dos arquivos sobre relações de Estado, das relações diplomáticas.
Até por isso a presidente Kirchner manteve o sigilo dos arquivos relacionados à Guerra das Malvinas…
Sim, isso…
E a que o senhor atribui a demora do Brasil em punir torturadores e abrir os arquivos da ditadura, na comparação com os demaís países do continente?
Na Argentina houve uma decisão da Suprema Corte de revogar os direitos de impunidade. Esse é um problema crucial. Aqui, eu espero que a Justiça também decida se a Lei de Anistia torna, ou não, imprescritível o crime de tortura. Espero que não (continue imprescritível). Na Argentina, essa decisão foi tomada com base no direito internacional, reconhecido pela ONU.
No Brasil, a abertura dos arquivos depende mais de quem? Do Executivo ou da Justiça?
Depende mais do Executivo. O Judiciário já abriu, com sentença transitada em julgado (NR: sentença contra a qual não cabe mais recursos) sobre a Guerrilha do Araguaia. Só falta ser cumprida pelas Forças Armadas, que alegam não ter mais os documentos. Eu acho meio implausível eles não terem documentos de uma operação que envolveu mais de 30 mil pessoas durante três anos. Foi a maior operação militar já feita no país desde a ditadura.
Sim…
Já tem milhares de documentos abertos para contar histórias. Já temos memórias reveladas. Arquivos estaduais, da Polícia Federal, do SNI (Serviço Nacional de Informação), do Conselho de Segurança Nacional, já está tudo aberto. Mas os documentos do Araguaia e as informações sobre tortura nunca foram abertos. Essa é grande questão.
Acredita que o presidente Lula ainda pode fazer algo neste final de mandato?
Os militares no Brasil estão incorporados à democracia. Não se trata do bem contra o mal. São pessoas que não se envolveram em violações de direitos humanos. São dois problemas: eles têm dificuldade em discutir o significado do Golpe de 1964. Muitos deles afirmam que o golpe foi para restaurar a democracia, e não para instaurar uma ditadura. E alguns temem que a liberação dos documentos sirva para julgar pessoas. Mas não tem quase ninguém daquele período na ativa para ser julgado.
Há esse receio…
Acho ridiculo falar em revanchismo. Quando se discute justiça e liberdade não se fala em revanchismo, e sim em democracia. Eu convivi com chefes militares enquanto fui ministro. São pessoas de bem, com sentimento nacional, espírito democrático. Mas não é fácil. Não se pode aceitar vetos deles (dos militares). A democracia tem que avançar.