por Daniel Iliescu*
Acontece entre os dias 14 e 18 de junho, em Belo Horizonte, o mais incrível encontro político da juventude brasileira, o 55º Congresso da União Nacional dos Estudantes (CONUNE).
A história da UNE e de suas vitórias para a educação e a juventude brasileira é conhecida por muita gente. Não é preciso escrever suas bandeiras e conquistas históricas para que o/a leitor/a tenha algumas delas na ponta da língua.
Tive a alegria imensa de ter participado, desde os 16 anos, do movimento estudantil brasileiro, da UJS, do grêmio da minha escola, do centro acadêmico do meu curso, do DCE da minha universidade, da UEE-RJ e da UNE, em várias tarefas.
Minha geração viveu um tempo muito precioso, em que a luta estudantil garantiu vitórias estratégicas como a inédita ampliação do acesso à universidade brasileira pelas camadas mais pobres da população e em que o Brasil e seu povo nutriam crescentes esperanças por mais inclusão social, econômica e educacional, apesar de toda a desigualdade e a violência que continuavam marcando a sociedade capitalista brasileira, dominada ainda por elites muito covardes em todos os sentidos.
Durante estes muitos anos de militância convivi com muita gente admirável. Gente sonhadora e guerreira, capaz de exemplos de dedicação e coragem inspiradores, em sua grande maioria, gente simples, trabalhadora e estudiosa, que o caminho da luta reuniu e me fez conhecer.
Aprendi tantas e tantas coisas, uma vida inteira! Dentre os tesouros, destaco aqui um: me esforçar por ter sempre uma visão ampla e generosa das coisas, dos processos e das pessoas.
Não é algo mecânico nem abstrato. É algo que se adquire na vida vivida. Que se aprende só quando se convive com gente diferente, ombro a ombro na luta. Em uma passeata, em uma ocupação, em uma greve. Quando se compartilha do esforço pela mobilização de um ato e da proteção contra a repressão que vem. Quando se canta junto, do fundo do peito, uma palavra de ordem ou música que liberta das nossas gargantas o grito universal da liberdade e o sonho de igualdade e felicidade geral comum a militantes de diferentes movimentos.
Em cada local, uma história. A cada dia, uma ou muitas lições. Como em 26 de junho de 2012, por exemplo, durante a greve das federais, quando a UNE realizava uma histórica passeata que ampliou a lista das vitórias da UNE para a educação e a juventude brasileira. Nesta data memorável, de arrepiar os pêlos e bater forte o peito só de lembrar, a UNE reuniu nas ruas da capital federal cerca de 4.000 estudantes universitários de todo o país, reforçados por mais de mil secundaristas da UBES de Brasília, Goiânia e entorno.
Pela manhã, nós estudantes ocupamos o térreo do Ministério da Educação, em ato da greve estudantil e de apoio à greve docente e técnica. A ocupação teve de ser recebida pelo então ministro Aloizio Mercadante que dialogou com uma comissão de 70 estudantes, composta por 21 diretorxs da UNE e 49 DCEs de universidades federais, anunciados um a um no início da audiência. Esta forte ação do movimento estudantil contou com a decisiva e sólida unidade na luta entre vários setores da situação e da oposição na UNE.
E resultou, entre outras vitórias, na ampliação do Plano Nacional de Assistência Estudantil para R$ 600 milhões de reais e na criação da bolsa de R$ 400 reais para os estudantes cotistas e para os estudantes prounistas de tempo integral (valores de 2012); além da criação de uma comissão oficial composta por dois membros do MEC, dois membros da ANDIFES (associação dos reitores das federais), dois membros da FASUBRA (associação dos servidores) e dois membros da UNE, que trabalhou semanalmente pelos seis meses seguintes no diagnóstico da situação de cada uma das 63 universidades da rede federal de ensino superior, e que contribuiu reconhecidamente na reorientação da expansão com qualidade e promoveu uma série de conquistas concretas em termos de qualidade acadêmica, financiamento, condições de permanência e acesso, políticas e equipamentos de assistência estudantil, infraestrutura, gestão democrática, avaliação interna, e por aí vai.
Pela UNE, decidimos que os dois representantes seriam um da situação e outro da oposição. Fomos indicados eu e meu companheiro Yuri Pires, então militante da UJR. A convivência e o dedicado esforço político, teórico e prático para construir o melhor posicionamento dos estudantes nos debates da comissão, para mobilizar as melhores energias das entidades estudantis na discussão dos documentos e relatórios das reuniões, para enfrentar as polêmicas e elaborar as propostas e soluções que pudessem obter conquistas reais, palpáveis, para a vida dos estudantes, construíram uma relação de grande respeito mútuo e solidariedade militante que só é possível desenvolver em companheirismo, ou seja, dividindo o pão da luta.
Neste mesmo incrível dia, o melhor estava por vir. Após a audiência com o ministro, fomos em marcha até o Congresso Nacional. Lá estava em pauta, em uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados, o Plano Nacional de Educação, e dentro dele, a destinação de 10% do PIB para a Educação, com os recursos dos royalties e do Fundo Social do Pré Sal.
A história inacreditável desta tarde, em que, aos milhares de jovens, conseguimos ocupar organizadamente a Comissão e as galerias da Câmara e aprovar com pressão e habilidade política, contra todos os prognósticos, a maior vitória política da educação e da juventude brasileira em nossos tempos - um Plano Nacional de Educação avançado com a meta de 10% do PIB pra Educação a partir dos recursos do petróleo brasileiro -, já contei e ainda contarei muitas vezes nas rodas, salas de aula, mesas de bar, e praças da vida, e não me repetirei aqui.
Mas aproveito para transmitir um abraço emocionado em cada estudante de cada cidade brasileira que lá esteve. Em cada militante de cada uma das diversas organizações políticas e movimentos da amplíssima e plural união nacional entre estudantes convertida na força invencível em que nos transformamos naquele dia.
Dos Congressos da UNE, então, o que falar? Desde que eu era secundarista até o último em que fui como presidente da UJS do Rio de Janeiro, quando já havia saído do movimento estudantil, fui a sete congressos.
É o mais massivo espaço autoorganizado da juventude no Brasil. Um ambiente de altíssimo nível de politização dos estudantes. Não há nada parecido ou que chegue perto em termos de democracia e diversidade ideológica. São dezenas e dezenas de diferentes correntes de pensamento, todas com o mesmo tempo de fala em qualquer debate ou plenária, que divergem em chapas e propostas e sempre se unem em passeatas e moções e na construção da própria entidade, patrimônio maior da luta estudantil e popular.
O Congresso da UNE não é só o encontro de milhares de estudantes de todo o país em alguma cidade brasileira, extremamente qualificado, fértil e saudável para nossos jovens. É um processo longo, que dura cerca de quatro meses de muito debate político, de campanhas em torno de ideias, de conscientização dos estudantes de seus direitos e da importância de seu engajamento na luta por um país melhor.
No Congresso em que saí da presidência da UNE, as eleições de delegados alcançaram 97% das universidades brasileiras, com quorum médio de cerca de 30% de votos e votação total de cerca 1,8 milhão de estudantes, de acordo com o sistema de credenciamento, que de tão transparente, é atualizado na internet algumas vezes ao dia e gerenciado - à época - por 82 entidades da rede do movimento estudantil eleitas por mais de 400 DCEs reunidos em um Conselho (o CONEG), com representação de TODAS as correntes organizadas e expressões autônomas do movimento.
Isso mesmo! Cada processo de eleição de delegado ao CONUNE, em qualquer universidade brasileira, como a UCP de Petrópolis, por exemplo, é acompanhado em tempo real por qualquer estudante, filiado ou não à qualquer organização política, de qualquer cidade brasileira, como Cruzeiro do Sul, no Acre ou Cerro Largo, no Rio Grande do Sul. Não há nada parecido também no movimento social brasileiro, em nenhum partido, nenhuma confederação ou central sindical, nenhum movimento urbano ou rural, tão transparente, tão plural e tão democrático. Tantas forças disputando entre si, reconhecendo e construindo uma mesma luta.
Apesar de testemunhar incontáveis exemplos de unidade e grandeza política de diferentes militantes e coletivos, é evidente que tive também o desprazer de presenciar cenas e gestos da mais grotesca estreiteza, do mais cego sectarismo e da mais lamentável mesquinhez.
É claro que nossa preocupação fundamental agora deve ser a luta pelo resgate da democracia no Brasil, a derrubada do Temer golpista com a conquista das Diretas Já e a derrota das reformas trabalhista e da previdência, que retiram direitos da classe trabalhadora.
No entanto, em tempos de franca expansão do fascismo e desavergonhado avanço do moralismo sobre a política, é preciso exercitar o olhar crítico sobre determinados discursos, presentes em pequenos setores do movimento, que aparecem às vezes na forma de "artigos" como um que ontem li com tristeza, vazio de qualquer conteúdo político ou politizante, que não sustenta sequer uma bandeira de luta ou proposta para os estudantes e a qualidade do ensino, e se vale dos mesmos recursos que os jornalões de massa e as revistas burguesas como a Veja, esforçando-se por espalhar falsidades sem qualquer prova para atacar a UNE e tentar deslegitimar suas lideranças nacionais ou locais.
Sempre muito parecido: na arrogância de sua visão pequeno burguesa e amparado pela sua concepção idealista e autoritária de mundo, o militante sectário se confunde na luta, esquece o real inimigo e a luta de classes, ataca companheiros e dissemina a desconfiança das pessoas sobre seus principais instrumentos de luta que são os partidos classistas e as organizações populares.
Lembro-me bem, há pouco mais de um ano, no início de 2016: era noite de chuva fina e eu caminhava rumo ao terminal de ônibus do centro de Petrópolis. Encontrei o autor do artigo descrito acima e perguntei a ele, naquele contexto: "companheiro, vamos realizar um ato unitário contra o golpe?" Ao que ele respondeu: "você sabe que na nossa opinião não tem golpe. O golpe é o ajuste fiscal". Respondi a tempo: "eu não acreditava que você ia dizer isso, por isso tentei".
Ao contrário do lamento amargo e da mentira azeda conscientemente empregados por alguns na ausência de melhor argumento para o embate, prefiro estar atento à verdadeira luta que hoje travam a juventude brasileira e a população trabalhadora, em defesa de nossos direitos, da democracia e da soberania do país e por perspectivas e consciências mais avançadas.
Escolho afirmar a esperança na luta da juventude, a confiança na honestidade e honradez da militância ideológica e combativa que desde muito jovem aprende a respeitar a história das entidades que as lutas de gerações legaram, na altivez dos que não rebaixam seu discurso e nem a guarda contra os reais inimigos do povo, no valor dos que praticam o que falam e acreditam no que fazem. Como Gonzaguinha, "ponho fé é na fé da moçada" e "vou à luta com essa juventude".
Acredito na UNE e nos estudantes! Desejo força e coragem a todas e todos militantes da UNE, dos vários movimentos estudantis de todo o país que hoje seguram o rojão e enfrentam o leão! Vamos à luta, Carina Vitral, Marianna Dias, Rafaela Elisiário, tantas lideranças, cada um(a) e todxs nós! Estamos juntos queridas e queridos camaradinhas, companheiras e companheiros.
Que venha um lindo e vibrante Congresso Nacional dos Estudantes e que a força de tanta gente boa junta seja um marco na virada deste duro jogo! Vamos retomar a esperança e o rumo da manhã geral em nosso país!
Viva o caráter daquelas e daqueles forjados na sincera consciência da unidade e da honestidade no cotidiano da luta!
Afinal, "a prática é o critério da verdade", dizia Lenin.
E Quintana dizia: "eles passarão, nós passarinho".
*Daniel Iliescu é sociólogo e professor e foi presidente da UNE entre 2011 e 2013