Paulo Vinícius
A prisão do escroque José Roberto Arruda trouxe um alento à sociedade no DF, enojada e farta ante tamanha cara-de-pau desse vilão que merece um filme, dado seu cinismo e desfaçatez, e o desprezo seu e dos asseclas pela opinião pública.
A Polícia Federal, a OAB-DF, o Ministro Fernando Gonçalves e a corte do STF, apoiados pelo Ministro Marco Aurélio Melo deram contribuição imensa à cidadania, ao resgate da percepção de que é possível sim haver justiça, ainda que seja uma primeira, mas importante vitória.
A CTB-DF se somou aos demais manifestantes que na noite de 11 de fevereiro se reuniram na frente do Supremo, na expectativa da decisão sobre o habeas corpus que, se deferido fosse, resguardaria unicamente a liberdade desse malfeitor intimidar, chantagear, subornar e utilizar todas as prerrogativas do GDF para tentar impedir o avanço das investigações. Naquela decisão estava contida a possibilidade de um carnaval de júbilo ou de impunidade e tristeza. Não à toa, fizemos a marchinha que segue:
"A Justiça acertou/
ao prender o marginal
o Arruda tá bonito/
na Polícia Federal.
Deixa esse cabra preso/
bem depois do Carnaval!
Não libera o habeas corpus, isso aí vai pegar mal.
Prendeu, prendeu, prendeu, prendeu, prendeu e mereceu!
Prendeu, prendeu, prendeu, prendeu, prendeu e mereceu!"
Mas, já na sexta, o Ministro Marco Aurélio - reafirmando outras decisões de igual sentido democrático e independente que honram a magistratura, como a que proferiu sobre a Cláusula de Barreira antidemocrática, legada pelo governo de FHC - decidiu por negar o habeas corpus, dando ao povo do DF um grande presente de carnaval que enche de esperança a sociedade. Alegra-nos sinceramente estar na folia e o Arruda no xilindró, mas falta muita gente ainda.
No entanto, o imenso protagonismo do judiciário e da PF no caso explicitam por outr
o lado a dificuldade de a sociedade civil organizada trazer amplas parcelas da população para essa luta, o que fragiliza o seu completo desenlace, que só pode ser a decretação da intervenção federal no DF, que deve ser autorizada pelo Supremo e decretada pelo presidente Lula.
O comprometimento do Executivo e do Legislativo, salvo as honrosas e decisivas exceções, e mesmo de setores do judiciário, expõe o problema de fundo, o domínio conservador de uma plutocracia parasitária do Estado, principal responsável pelo apartheid e aos obstáculos ao avanço da democracia no DF, que negam o sonho generoso de Brasília. Essa hegemonia só teve interregno no governo de Cristóvam Buarque. Arruda, Roriz, Abadia expressaram apenas variações dessa mesma estrutura que pode se perpetuar se não ocorra a intervenção que permita estancar a sangria dos recursos públicos e do uso do poder público para manter esse mesmo esquema após as eleições de 2010 através de um acordão.
A chantagem feita por Arruda - e infelizmente comprada por uma parcela ingênua da sociedade - sobre as obras é inadmissível e me envergonha ter de respondê-la. Que eu saiba, os contratos estão assinados, e a deposição desses marginais, em vez de comprometer o andamento do governo, é o único que pode assegurá-lo, pois é anormal defender qualquer normalidade institucional com uma máfia desmoralizada dirigindo a vida pública no DF.
Também por isso precisamos de um governo que não esteja comprometido pelos vícios e as negociatas, que possa zelar pelo dinheiro público e pela qualidade e continuidade dos serviços e obras, sem que nisso esteja embutida a torpe e inaceitável barganha de tirarem sua parte e de assim poderem negociar sua continuidade através de um outro governo conservador à frente do GDF. Exatamente por isso a intervenção federal é imprescindível.
Mas, para que isso ocorra, é preciso povo na rua e unidade das forças progressistas. Na debilidade destas últimas é que reside, no entanto, a maior fragilidade do movimento, seara fértil para o protagonismo de posições equivocadas e infantis, de uma radicalização inversamente proporcional à sua representatividade e à capacidade que têm de abrir caminhos para uma alternativa no DF. O período de festas e de recesso, que retirou os estudantes das escolas acabou por conferir, com o apoio da grande mídia, a esses setores ultra-esquerdistas, especialmente na juventude, um protagonismo artificial - dada sua incipiente representatividade - melhor explicado pela comodidade com que se amoldam ao fato jornalístico. Lamentavelmente, isso é insuficiente e corre o risco de ser utilizado para outros fins que não estão sobre o controle dos atores sociais, mas da própria imprensa conservadora.
Dada a envergadura do esquema mafioso encontrado no DF, a envolver amplas parcelas do serviço público, os três poderes, parcela relevante do empresariado, a saída será política e difícil. mais que isso, é preciso gestar uma alternativa realista e ampla, unitária, que permita ao sentimento popular se expressar nas urnas em 2010 para que tenhamos uma nova Câmara e um novo Governo que sejam pelo menos democráticos, que tenham respeito pelo dinheiro público, que permitam debater um projeto de verdade para o DF. Sem isso, não bastam as boas intenções. Revolucionário mesmo é mudar a realidade e a vida das pessoas, não é um figurino.
Mais que um grito de revolta, arvorarem para si a condição de "sem partido" é a expressão de estarem muito perdidos ante um cenário político tão complexo, desarmados para in
terferir como atores de primeira grandeza nesse jogo tão pesado. Expressa também a necessidade de demarcação pela negativa exatamente com as forças que são suas aliadas, o único campo político que pode derrotar o esquema de Arruda - numa miopia política imperdoável que pode ter como consequência a volta de um Roriz, por exemplo.
Não à toa se critica o "esquerdismo infantil" por abrir espaço às vitórias da direita... Sua oposição às organizações consagradas pela história da luta do povo, seu gosto por uma visibilidade que não é coletiva, mas pessoal, a ingenuidade de suas expectativas - afinal parece que estamos às vésperas do fim do Estado, de uma nova sociedade, "o poder para o povo" - repetem os erros clássicos do anarquismo e do trotsquismo, erros esse que são ao mesmo tempo a sua caracterização mais clássica e caricatural e a condição de seu repetitivo fracasso em qualquer momento em que surgem reais oportunidades de mudança, como o que agora se verifica.
É, repito, repetitivo, pois já vimos esse filme inúmeras vezes. Ele permite fotos e imagens, boas recordações, uma afirmação cristã da ética, beleza, um sentimento de dever cumprido tão valorizado pela classe média, mesmo a avançada, mas não muda as coisas em profundidade.
Mudança mesmo, só com povo na rua e força política real propondo alternativa realista. E o povo sabe quando o negócio é sério ou quando é aventureirismo, voluntarismo, manifestações típicas da infãncia política. Às vezes acha até bonito e apoia, mas não vai. E aí, nos perguntamos, nas ocupações, ou em meio ao esterco, "por que o povo não está aqui"? E no final, conclui-se muita vez que a culpa é do povo, ai, ai...
Há algum erro. Grandes momentos de mobilizações de massas, como o Fora Collor, souberam fazer o justo diálogo entre as formas criativas e espontâneas da juventude e a necessária amplitude e justeza política que entendeu qual era a vitória possível naquela batalha política. E foi a partir dessa fusão que tivemos a deposição de Collor, que seria impossível sem o movimento estudantil brasileiro ser unitário, ter a UNE e a UBES, e ser dirigido por forças conseqüentes. Como disse Diógenes Arruda, é preciso sempre entender a dialética entre "ampliar radicalizando e radicalizar ampliando", senão acabamos irremediavelmente sós.
A verdade está lá fora, e para impulsionar as mudanças no DF, para assegurar um outro ambiente político, para pôr na defensiva os setores conservadores, para demonstrar a necessidade de unidade das forças progressistas e ensejar a intervenção federal tão necessária, não tenho dúvida em dizer que faltam secundaristam nas ruas. A juventude mais combativa e representativa do povo, os filhos dos trabalhadores e trabalhadores, as maiores vítimas dos desmandos dessa máfia, os excluídos desses governos conservadores, essa moçada precisa entender o seu papel e conferir aos protestos no DF a característica de massas tão necessária para que as grandes mudanças aconteçam.
Afinal, malgrado a PF cumpra com brilhantismo ímpar seu papel, o jud
iciário corretamente interprete o sentimento da sociedade, alguns deputados destemidos enfrentem a cara-de-pau de cúmplices que envergonham o legislativo no DF, ainda que uma parcela combativa e abnegada da juventude (mas não necessariamente correta) encarne essa revolta, tudo isso é apenas o preâmbulo do que verdadeiramente decide, que é povo na rua.
Secundarista, teu nome é povo na rua, a brotar das salas de aula do DF, os filhos e filhas do povo, gente jovem que precisa ser chamada a puxar com sua alegria e combatividade o cordão da verdadeira mudança que permita derrubar Arruda, Paulo Otávio e toda a gangue, abrindo novos e melhores caminhos para o Distrito Federal. As aulas começaram e a lição agora é nas ruas.