O superávit primário do setor público consolidado (Banco Central, Tesouro, Previdência, governos estaduais, municipais e empresas estatais) somou R$ 3,180 bilhões em julho, valor 71,2% inferior ao registrado no mesmo mês do ano passado (R$ 11,057 bilhões), de acordo com informações do Banco Central (BC), divulgados nesta quarta-feira (26). A direita neoliberal chiou, mas a classe trabalhadora e as forças progressistas não têm porque lamentar.
O superávit primário é a diferença entre as receitas e as despesas do setor público, excetuando os gastos com pagamentos de juros. Na verdade, é uma economia que o Estado faz para pagar os juros (extorsivos) da dívida interna, tirando dinheiro da saúde, educação, reforma agrária, aposentadorias, infra-estrutura e outras áreas.
Transferência de riqueza
A política monetária conservadora provocou o agigantamento dos débitos (que estão concentrados nas mãos de grandes investidores) e da carga de juros. Os recursos do orçamento destinados aos serviços da dívida configuram uma custosa transferência de riqueza do conjunto da sociedade para a oligarquia financeira, em detrimento dos interesses da população. É uma forma de redistribuição perversa da renda nacional, promovida pelo poder público, que requer uma carga tributária alta.
É por esta e outras razões que a CTB e outras centrais sindicais reivindicam o fim do superávit primário, bem como a redução substancial da taxa básica de juros (que serve de parâmetro para remunerar os títulos da dívida pública) e do aberrante spread bancário (diferença entre o que os bancos pagam para captar dinheiro e o que cobram nos empréstimos). Menos dinheiro para pagamento de juros a banqueiros e especuladores insaciáveis significa mais recursos para a saúde, a educação, a reforma agrária, a infra-estrutura, o funcionalismo.
Canto de sereia
A direita, pela pena dos colunistas e editorialistas da mídia capitalista, afinados com os interesses da oligarquia financeira, criticam a redução do superávit e vociferam contra a suposta “gastança” do governo, cobrando mais cortes nas despesas públicas, que na prática significam menos saúde, menos educação, menos reforma agrária, menos infra-estrutura.
A classe trabalhadora e o movimento sindical não devem se deixar levar pelo canto de sereia neoliberal. Os problemas da economia nacional não são provocados pelos gastos e investimentos públicos, que precisam crescer mais. Resultam precisamente da hipertrofia do sistema financeiro, que suga uma parte considerável da poupança nacional, subtraída da sociedade através dos tributos e desviada para pagar dívidas. Daí provém o mal que nos incomoda e que obstrui os canais do desenvolvimento nacional.
Círculo vicioso
É conveniente lembrar que a dívida pública brasileira não foi contraída para financiar gastos e investimentos destinados a melhorar a qualidade dos serviços públicos e a vida do nosso povo. Foi produzida pela política econômica tucana, refletiu os juros altos, que criaram um círculo vicioso, levando o governo a emitir mais títulos para pagar seus credores, ou seja, a contrair dívida nova para bancar a velha, elevando o estoque de débitos.
Na verdade, o Brasil exibe uma carga tributária equiparável à europeia e um serviço público de qualidade deplorável, pois o grosso da arrecadação acaba sendo apropriado pelos credores. A demanda do movimento sindical pelo fim do superávit e uma mudança radical da política monetária, assim como da política econômica, é que pode quebrar este círculo.
Não é demais acrescentar que as despesas do setor público também têm um papel fundamental no amortecimento dos efeitos da crise econômica mundial. Não há razão para lamentar a queda do saldo entre receita e despesa primária em julho. Ademais, a sobra de 3,1 bilhões de dólares em julho não é desprezível e deveria ser canalizada para outras finalidades.
Reflexo da crise
Conforme esclarece a nota do BC, o resultado das contas públicas está associado à "queda da arrecadação das receitas federais, influenciada pelo menor nível de atividade e pelas medidas de desoneração adotadas para fazer frente à crise financeira internacional, que continua repercutindo sobre o resultado acumulado do ano".
Prudentemente, o governo resolveu ignorar a crítica dos neoliberais e reduziu a meta do superávit primário de 3,8% para 2,5% do PIB e excluiu a Petrobras do cálculo do saldo com o objetivo de aumentar a capacidade de gastos e investimentos em meio à crise internacional. Conforme admitem muitos analistas, esta orientação contribuiu para reduzir os impactos da crise. Neste sentido, o governo reconheceu implicitamente que as centrais sindicais têm razão ao criticar a política fiscal e cobrar mais gastos e investimentos do Estado.
Economia excessiva
Apesar dos pesares, o peso da economia feita pelos governos para pagar juros sobre o orçamento é grande. Nos 12 meses encerrados em julho, o superavit primário ficou em R$ 52,085 bilhões,valor que corresponde a 1,76% do PIB. Em julho, o Governo Central (Tesouro, Previdência, Banco Central) economizou R$ 1,691 bilhão. Os governos estaduais pouparam R$ 1,269 bilhão, ao passo que os municipais registraram déficit de 472 milhões.
O chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes, observou uma modesta redução do pagamento de juros neste ano, que chegou a R$ 16,169 bilhões em julho e a R$ 95,106 bilhões nos sete meses do ano. Esses valores foram menores do que os registrados nos mesmos períodos do ano passado: R$ 18,939 bilhões e R$ 107,833 bilhões, respectivamente, o que provavelmente reflete a redução da taxa básica de juros (Selic).
Em função disto, o déficit nominal do setor público (resultado entre despesas e receitas incluindo o pagamento dos juros) deve fechar o ano em torno de 3% do PIB, um dos menores do mundo neste momento de crise. Para se ter idéia, o rombo dos EUA pelo mesmo critério supera 13% e os neoliberais ficam de bicho fechado, não ousam criticar. Afinal, a conduta imperial paira acima de qualquer suspeita do ponto de vista dos súditos e lacaios.
* Jornalista, membro da Secretaria Sindical Nacional do PCdoB.