Cláudio Gonzalez
O debate ocorreu na noite desta quarta-feira (25), no Centro de Convenções Santa Mônica, em Guarulhos, onde ocorre o curso de Nível 3 da Escola do PCdoB.
O economista Dilermando Toni, membro do Comitê Central do PCdoB , também participou da mesa de debate, coordenada por Marcelo Fernandes.
Mazzucchelli é autor, entre outras obras, dos livros "A Contradição Em Processo. O Capitalismo e Suas Crises" (Ed. Brasiliense, 1985) e "Os Anos de chumbo - Economia e política internacional no entreguerras" (Ed. Unesp, 2009).
O professor iniciou o debate salientando que hoje já há uma quase unanimidade entre os analistas de que essa é uma das maiores crises que o capitalismo já atravessou e certamente a maior crise no interior do paradigma neoliberal. “Desde que o paradigma neoliberal sincronizou a condução capitalista no mundo houve uma sucessão de crises. E a crise atual atingiu o âmago do sistema financeiro, atingiu a alma do sistema, gerando a mais profunda crise do capitalismo no interior do paradigma neoliberal. Podemos dizer que esta é a própria crise do paradigma neoliberal”, analisa o professor.
Mazzucchelli leu um pequeno trecho de um documento da Unctad (sigla em inglês para a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento), segundo o qual a própria ONU reconhece o fracasso do neoliberalismo: “Essas políticas de laissez-faire dos últimos 20 anos, inspiradas por um fundamentalismo de mercado, têm fracassado estrepitosamente”, diz o trecho lido pelo economista.
Após rememorar como ocorreu a evolução do neoliberalismo desde as primeiras experiências no Chile, nos anos 70, e citar as sucessivas crises capitalistas desde então, Mazzucchelli destacou que houve, neste processo, uma “combinação pérfida do neoliberalismo com a social democracia”.
Segundo ele, após o estrago causado nos anos 80 pelos “dois trogloditas” do neoliberalismo —Ronald Reagan (nos Estados Unidos, 1981 a 1989) e Margaret Thatcher (na Inglaterra, 1979 a 1990)— e com a dissolução da União Soviética e a absurda proclamação do “fim da história”, os adeptos da economia de mercado acharam que dava para ser neoliberal com verniz social democrata.” A experiência brasileira com o governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) foi exemplar nisso. E a onda neoliberal tomou conta da América Latina”, lembra Mazzucchelli.
O professor mostrou uma tabela onde se destaca o crescimento pífio das principais economias nacionais nas duas últimas décadas para exemplificar como foram péssimos os resultados econômicos gerados pelo neoliberalismo. “A desigualdade aumentou de uma maneira brutal nos países capitalistas. Nos EUA então foi um caso escatológico”, ressalta o professor. “A coisa não era assim, antes todos ganhavam, o salário crescia junto com a produtividade e o desemprego estava sob controle”, lembra Mazzucchelli, reforçando que o que a onda neoliberal fez foi tornar perversa a distribuição de renda.
Wall Street no comando
Ele salienta que os principais defensores destas políticas ainda estão ativos e influenciando governos. Citou, como exemplo, o nome de Larry Summers, grande defensor das políticas neoliberais no governo Clinton e que até dezembro passado ocupava o posto de conselheiro econômico do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. “Ou seja, os neoliberais estão aí dando as cartas” afirma Mazzucchelli.
Para ele, os EUA infelizmente não fizeram nada de positivo para mudar a situação e enfrentar a crise. “O Obama não fez nada, ele é um político da contemporização e não da transformação. Você dá o comando da economia para estes caras (Timothy Geithner e Larry Summers), mostra que é Wall Street quem está no comando, ocupando as posições chaves do governo. E não vai mudar. Porque os principais opositores de Obama são peças de museu, são imbecis contumazes. Então Obama vai acabar sendo reeleito e a política econômica vai continuar a mesma”, avalia Mazzucchelli.
“Na Europa parece haver alguma resistência, mas os tecnocratas que estão assumindo os governos não vão consertar nada com austeridade. Austeridade é cortar gastos, gasto gera renda, se você ataca o gasto, você inibe o crescimento econômico, contrai o consumo... é um tiro no pé, auto-imolação”, avalia o economista. Para ele, a forma como está sendo conduzida a gestão da crise a deixa “totalmente em aberto”.
Motivos para indignação
Durante sua fala, Mazzucchelli compartilhou o sentimento de indignação com a “desfaçatez sem limites” dos grandes barões do neoliberalismo que, mesmo diante de uma crise com graves conseqüências sociais, não abrem mão de seus lucros milionários, pelo contrário, aproveitam a crise para reforçar seus caixas. O economista da Unicamp citou o filme Trabalho Interno (Inside Job, de Charles Ferguson) como sendo um documentário importante para entender a face perversa e delituosa do neoliberalismo, personificado na ação de alguns medalhões que estiveram no olho do furacão durante o processo que levou o mundo à crise econômica de 2008. Ele lembra que dos US$ 700 bilhões que o governo americano usou para socorrer a economia na crise de 2008, US$ 33 bilhões foram usados para pagar bônus a executivos, os mesmos executivos que provocaram a quebradeira da economia. “Não se trata de demonizar A, B ou C, mas mostrar o grau de desfaçatez sem limites a que chegaram”, diz o professor.
Ele citou uma frase de Marx (“Não estou interessado no capitalista em si, ele é apenas a personificação de uma função”), para esclarecer que a questão não é individual, é sistêmica.
“A tendência do capital é a acumulação sem qualquer mediação, mas no meio disso tem a sociedade. E chegou a hora da sociedade dar um basta nisso”, defendeu.
A crise é dos bancos
Para ele, esta é uma crise dos bancos, uma crise decorrente do excesso de empréstimos, da falta de percepção de riscos por parte dos bancos. “No afã de capturar clientes, endividaram quem não tinha a menor condição de pagar. Inundaram a periferia do capitalismo europeu de crédito podre. Quando houve o colapso de 2007/2008, o efeito foi imediato”, disse.
O professor comentou ainda que ao atingir o interior do sistema bancário, a crise gerou consequências para as economias nacionais na medida em que não se podia deixar os bancos quebrarem, pois isso significaria quebrar os depositantes. “Então o banco não quebrou, mas o sistema de pagamentos foi interrompido e criou-se uma rede de desconfiança mútua entre os bancos, um temendo o calote do outro. E como os governos emprestaram dinheiro para os bancos não quebrarem, esta crise atingiu as contas públicas e elevou a dívida dos países (...) Resumo da ópera: uma crise dos bancos se transfigura numa crise das contas públicas que se transfigura numa crise da dívida soberana dos países mais frágeis que se transforma numa crise política com manifestações maciças nas ruas”, explicou.
Ele citou os casos da França, Grécia, Itália e Islândia para mostrar como as dívidas destes países deram saltos estratosféricos por causa do socorro aos bancos.
Segundo Mazzuchelli, no Brasil os efeitos da crise só não foram tão graves porque o governo Lula colocou o crédito público para segurar o tranco.
Controle estatal sobre o sistema financeiro
Mazzucchelli citou o artigo “Salve-se quem puder”, de seu colega economista Luiz Gonzaga Belluzzo para resgatar um argumento usado por George Soros. Apesar de ser um especulador beneficiário do sistema financeiro, o próprio Soros reconhece que não há saída possível para a crise se não houver uma maior regulamentação e controle dos bancos. Em artigo publicado no Financial Times em 29 de setembro, Soros recomendou que os bancos da Europa fossem colocados sob a direção do Banco Central Europeu . “Ele (Soros) está defendendo, nas entrelinhas, aquilo que nós já vínhamos dizendo há muito tempo, é preciso estatizar brandamente o sistema financeiro na Europa. Mas quando alguém fala nisso, os capitalistas têm chiliques. Chega de chilique, não dá mais pra ter chilique. Ou você coloca os bancos sob a tutela da sociedade ou os bancos destroem a sociedade”, desabafa Mazzucchelli.
“A atividade bancária tem que ser regulada. O crédito é vital para a economia. Ou você faz a regulação ou opta pela procrastinação, empurra com a barriga”, completou, lembrando que os prospectos de crescimento são ridículos para a Europa e mesmo para os Estados Unidos.
Geopolítica e pessimismo
Após sua fala inicial, Mazzucchelli respondeu a perguntas da platéia. Ao tratar de questões ligadas à geopolítica da crise, ele argumentou que a atual crise na Europa pode levar o bloco para a direita. “Não é porque tem crise que as forças progressistas avançam, Em 1932, na Alemanha, havia uma crise grave e quem levou nas urnas foi o Partido Nazista. A crise também é um caldo bom para as forças de extrema direita. Com o aumento do desemprego, quem paga o pato primeiro são os imigrantes, e as saídas rumam sempre no caminho da austeridade”, disse.
Instado a avaliar as medidas adotadas pelo governo brasileiro, o economista elogiou as ações tomadas até agora. Segundo ele, “no Brasil conseguimos romper com este paradigma neoliberal e tudo indica que podemos ter um caminho mais promissor”. Mazzucchelli fez ainda o contraponto dos atos do governo Dilma com o que vem praticando os governos da Europa. “Primeiro não temos a crise bancária que eles têm. Em segundo há uma percepção de que temos que estimular o gasto público e privado, por isso a redução de juros. É uma boa discussão este contraponto entre o que vem fazendo o Brasil e o que vem fazendo os governos europeus”.
Apesar do elogio inicial, ele ressalvou que “não é porque todos apoiamos o governo que devemos ser cegos em relação ao que ocorre” e citou a questão da ausência de uma política industrial como uma fragilidade que precisa ser enfrentada “O Brasil está se tornando um grande exportador de commodities, mas não se pode desmanchar as cadeias industriais. O que se fez até hoje foram arremedos. Não se tem um projeto mais elaborado. Não podemos deixar que esta crítica seja feita pelo Serra”, brincou.
Ao concluir o debate, Mazzucchelli mostrou-se pessimista em relação ao futuro da economia global. “Eu não consigo ser otimista com esta crise. A esquerda da Europa está mal. A crise na Espanha tem como desfecho a entrada de um cara de direita no governo, na Itália sai o Berlusconi e entra um tecnocrata dos bancos. O que me aflige é que não vai pra lugar nenhum. Os interesses do capital são muito fortes”, concluiu.
Diler: Aproveitar a crise para tirar lições
Dilermando Toni (Diler), do Comitê Central do PCdoB, contribuiu com o debate lembrando que “somos seres políticos e lutamos pelo fim do capitalismo e quando o capitalismo se apresenta em crise, temos que entendê-la muito bem para que possamos atuar e tirar consequências políticas desta crise”. Ele salientou que “a crise em si não derruba o capitalismo, mas ela aguça as contradições e cria condições para uma ação política diferenciada, mais incisiva por parte das forças anticapistalistas”, disse.
Diler ressaltou a evolução da crise capitalista ao longo dos anos e mostrou como ela se espraiou por todos os âmbitos da economia, atingindo em cheio as finanças governamentais e produzindo quedas sucessivas nas taxas de crescimento dos países centrais. “Em 2009, o PIB dos países caiu drasticamente, e este período passou para o jargão econômico como a’ grande recessão’. Se na década de 30 tivemos a ‘grande depressão’, agora temos a ‘grande recessão’”, explicou o dirigente comunista.
Segundo Diler, em 2010 se inicia uma nova fase, com a crise das dívidas soberanas na periferia da Europa. “Agora estamos vivendo uma quarta etapa desta crise: no segundo semestre de 2011 e nestes primeiros dias de 2012 ficou demonstrado que a crise financeira e econômica já não está mais restrita à periferia da Europa, ela atinge a economia real dos países centrais do continente. A Itália já entrou no circuito da crise. E a crise tem uma dimensão social enorme, o desemprego na Espanha já chega a 25%”, pontuou.
Diler citou recente comunicado do FMI que aponta uma perspectiva bastante negativa para a zona do euro, indicando recessão de 0,5% em 2012. “E a cada nova projeção são feitas revisões para baixo. As previsões eram mais otimistas em setembro”, lembrou.
Os Brics e a crise
Segundo Diler, é importante observar a situação diferenciada dos países que compõem o grupo dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Ele salientou o caso da china como um fenômeno novo e lembrou que há sim desaceleração na China, como há no Brasil, na índia e na Rússia, mas em ritmo menor do que nos grandes países desenvolvidos.
Ele também lembrou que o capital financeiro passa a dirigir mais diretamente os governos com economias em crise e os países centrais tentam jogar o ônus para os países em desenvolvimento. “Isso coloca para os países em desenvolvimento o dever de se defenderem e se unirem”, argumentou.
Ele salientou ainda que a crise tem acelerado a transição geopolítica e apontou o aumento das tensões mundiais, com as tentativas explícitas do EUA de tentar conter a China. “Vivemos uma situação de grandes mudanças. Nos momentos de crise é que buscamos soluções transformadoras”.
Segundo ele, a resistência popular cresceu, mas ainda não se tem uma alternativa política. ”Isso nos envolve, as forças progressistas, que ainda não conseguiu se mostrar como alternativa”, avalia.
“As forças de esquerda não conseguem impor soluções progressistas e a direita se recicla. Mas acredito que os povos europeus buscam resistir”. Diler destacou o caso de Portugal, onde o Partido Comunista Português procura colocar o problema em duas esferas: questionando o capitalismo como sistema e buscando abordagens de ação imediata.
Destacou também o papel da China. “Estive recentemente lá e fiquei muito impressionado com o que eles estão construindo. Perto do que o Brasil está fazendo, estamos no chinelo. Eles têm um projeto nacional, um povo unido, é uma grande potência financeira e estão investindo pesadamente em defesa”, disse.
Brasil enfrenta crise de forma tímida
Ao abordar a crise no Brasil, Diler foi enfático no diagnóstico. Para ele, o governo brasileiro não tem um plano estratégico para enfrentar a crise, tem apenas adotado medidas tímidas e pontuais. “Positivas, mas tímidas. Temos a menor taxa de crescimento entre os Brics. Não podemos aceitar um crescimento tão pífio, de dois e pouco por cento nos próximos anos. Não queremos vôo de galinha”.
Segundo Diler, é necessária uma mudança radical na política macroeconômica brasileira. “Baixar os juros mais aceleradamente. O problema do câmbio, que ainda é muito valorizado. Porque flutua livremente? Por que não interferir nisso de forma mais efetiva? Como o Brasil pode crescer de forma consistente com uma taxa de investimento que não chega a 20%?”, questionou.
Ele defendeu que o Brasil abrace um novo projeto nacional de desenvolvimento elevando sua taxa de investimento a 25% e adotando uma política industrial consistente e planejada. “É preciso avançar”, concluiu.
Curso prossegue até dia 30
Com duração de dez dias ( 20 a 30 de janeiro de 2012), o curso Nível 3 da Escola do PCdoB reúne no Centro de Convenções Santa Mônica, em Guarulhos, o maior em número de inscritos desde a sua primeira edição em 2009. São cerca de 130 militantes e dirigentes comunistas de 20 estados brasileiros participando do curso em tempo integral. A programação das aulas foram dividas em cinco núcleos: Filosofia; Estado/Classes; Economia; Política e Desenvolvimento; Socialismo e Partido.
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