O PIB da União Europeia recuou 0,3% no último trimestre do ano passado. O quadro geral no velho continente é de estagnação econômica, mas o índice regional encobre diferenças e desigualdades substanciais entre os diferentes países da região.
Diferenças
A situação não é a mesma nos diferentes países. O quadro já é de aberta depressão na Grécia, cuja economia caiu 7% nos últimos três meses de 2011 e ingressou no quarto ano consecutivo de declínio convivendo com uma taxa de desemprego superior a 20%.
Portugal emagreceu 1,3% no mesmo período, já acumula cinco trimestres seguidos de recessão e o nível de desemprego subiu a 14% da população economicamente ativa. A Itália também já está vivendo o que os economistas chamam de recessão técnica, caracterizada por dois trimestres consecutivos de queda do PIB. A desocupação atingiu o histórico de 8,9% em dezembro do ano passado.
Alemanha favorecida
A situação da Alemanha e da França, embora precária, é bem mais confortável. As duas maiores potências da União Europeia encerraram o ano com números positivos, apesar de modestos. A Alemanha recuou 0,2% no último trimestre, mas cresceu 3,1% ao longo do ano, um desempenho provavelmente melhor do que o Brasil. A taxa de desemprego desceu a 6,7% em janeiro deste ano.
O PIB francês cresceu 0,2% no último trimestre de 2011 e 1,7% no ano, bem menos que o alemão. Já o desemprego, em torno de 10%, atingiu em dezembro passado o seu pior nível desde 1999 e o número de desocupados chegou a 4,53 milhões de pessoas, segundo estatísticas do Ministério do Trabalho.
A formiga e a cigarra
A manifestação desigual da crise na região pode ser atribuída a mais de um fator, mas as políticas econômicas que estão sendo impostas aos países imersos na crise da dívida externa, sob a batuta do FMI e da troika, constituem boa parte da explicação para o fenômeno. Os termos da adesão dos países ao euro e da conversão das moedas nacionais na moeda comum agravaram as assimetrias e contradições no intercâmbio produtivo das economias que compõem o bloco, fortalecendo a indústria da Alemanha e produzindo desindustrialização em outros países.
Este movimento se reflete nas balanças comercial e em conta corrente do bloco, com forte superávit alemão e crescente déficit de outros países da zona do euro, caso da Grécia, Portugal, Espanha, Itália, França e outros. A Alemanha obteve um excedente comercial de 158 bilhões de euros em 2011 (contra 155 bilhões de euros em 2010). A França fechou o ano com déficit de 69,6 bilhões de euros. O déficit grego na troca de mercadorias chega a 4% do PIB.
Este resultado leva alguns analistas a lembrar a fábula de La Fontaine sobre a formiga e a cigarra para atribuir a culpa pela crise à suposta preguiça dos gregos, italianos, portugueses etc. A Alemanha, a formiga da história, é o grande centro produtor de mercadorias, ao mesmo tempo em que seus bancos financiam o consumo conspícuo de vizinhos indolentes, ampliando suas dívidas externas.
O primado da indústria
A verdade é que quem enriquece neste processo não são os países consumidores, comprando fiado e acumulando dívida, mas os produtores, no caso a Alemanha, que é a segunda maior exportadora do mundo (atrás apenas da China e à frente dos EUA) e destina cerca de dois terços de suas vendas externas à própria Europa.
A riqueza que se dissipa no consumo é criada na produção. O consumismo pode levar impérios ao declínio, caso dos EUA hoje e da Espanha e Portugal no passado, ao passo que a produção industrial permanece como principal indicador de prosperidade e avanço das forças produtivas. Vejam a China, uma prova inconteste.
Crise cíclica e crise da dívida
As crises cíclicas do capitalismo, conforme notou Karl Marx, decorrem das contradições internas que acompanham o processo objetivo de reprodução da sociedade capitalista, especialmente entre produção e consumo. Têm por pano de fundo a superprodução relativa de mercadorias e capitais e ocorrem independentemente do desejo e das políticas dos governos. Não são causadas exclusivamente por equívocos na condução da política econômica.
Já as crises da dívida externa, que o Brasil viveu nos anos 1980 e muitos países europeus amargam agora, são diferentes. Não possuem caráter cíclico e não podem ser atribuídas predominantemente à superprodução, embora estejam associadas à pletora de capital. Nelas sobressai o papel das políticas econômicas, do FMI e, no caso europeu, da chamada troika (FMI, BCE e UE).
Receitas recessivas
A experiência vivida pelo Brasil e muitos outros países latino-americano nos anos 1980 mostra que os dilemas da produção que acompanham a crise da dívida externa, marcadas por drástica redução das taxas de crescimento, elevação das taxas de desemprego e longos períodos de estagnação são provocadas artificialmente pelos pacotes econômicos bolados para preservar os interesses da banca e contornar a necessidade de moratória.
Isto significa que o FMI e a troika têm responsabilidade direta e indeclinável na tragédia que está em curso na Grécia (no quarto ano seguido de recessão e sem nenhuma perspectiva de recuperação em curto ou médio prazo, o que em geral não ocorre nas crises cíclicas), Portugal e outros países europeus.
Rejeição do neoliberalismo
As receitas neoliberais que impõem às nações mais pobres, com a cumplicidade de suas elites burguesas, se transformam em causa da recessão e ajudam a explicar o desenvolvimento desigual da crise na União Europeia. O objetivo declarado pela troika consiste em reduzir as dimensões dos mercados internos dos países endividados através de uma brutal depreciação da força de trabalho, redução de salários e direitos, desmantelamento do Estado de Bem Estar Social. A receita imposta para preservar os interesses dos bancos, com a transferência dos prejuízos do sistema financeiro para os cofres públicos, pode resultar em décadas perdidas de estagnação e desemprego em massa para muitos países da região, como já foi admitido pelo próprio FMI.
Não se divisa outra saída para os povos oprimidos com os rumos que as coisas estão tomando no velho continente senão a firme rejeição do neoliberalismo da troika, o resgate da soberania nacional sobre a economia e a moeda, a saída da zona do euro, suspensão do pagamento da dívida, nacionalização da banca e medidas de estímulo à produção e combate ao desemprego.
Umberto Martins é editor adjunto do Portal Vermelho
Nenhum comentário:
Postar um comentário