O espectro de esquerda na política institucional grega teria uma boa chance de, explorando as tensões no campo inimigo, formar um governo de coalizão que pudesse pelo menos em parte reverter as expectativas destruidoras geradas pelo pacote de “ajuda”. Isso é possível? Nem que chova canivete.
Flávio Aguiar
Falamos e escrevemos muito a respeito das imposições da Troika (Comissão Européia – Banco Central Europeu – FMI) sobre o povo grego. A “austeridade” imposta vai acabar de estrangulá-lo e manietá-lo durante a próxima década: 22% a menos no salário mínimo, 12% nas aposentadorias, fome nas escolas, desespero nos hospitais. A abdicação da soberania financeira, concertada na imposição/aceitação de uma conta bloqueada sob o controle da Troika para administração dos repasses do “bailout”, se complementa pela possibilidade de que esta possa sacar as reservas em ouro do país, e pela admissão de que os tribunais de Luxemburgo serão os competentes para julgar dissídios a respeito.
E Evangelos Vanizelos, o ministro das Finanças que é o novo “boss” do PASOK, o Partido Socialista Grego, disse que assim se evitava “o pesadelo”. Mas a se ouvir a voz das ruas, o povo grego já vive o pesadelo. Por outro lado, Antonis Sâmaras, do partido conservador Nova Democracia”, esfrega as mãos preparando-se para ser o novo primeiro ministro depois das eleições de abril. E declara: “o novo acordo elimina o risco de bancarrota, assegura o futuro do país dentro da Europa, cria a possibilidade da dívida tornar-se sustentável, e abre o caminho para as eleições”.
Enquanto isso, relatórios confidenciais (mas vazados) dentro da Troika duvidam que a redução proposta da dívida de 160% do PIB para 120% (!) por volta de 2020 venha a se concretizar. E cresce a certeza entre a população de que a propalada “ajuda” é mais para os bancos do que para o próprio país e seus cidadãos. Citando Eva Kyriadou, de 55 anos, no NY Times de 23/02, em Atenas:
“Eles não querem nos matar, mas nos manter de joelhos para pagarmos a eles indefinidamente”.
Mas.. e se as eleições fossem hoje?
As pesquisas demonstram um quadro complexo:
À direita:
Nova Democracia, 31%; LAOS (Movimento Popular Ortodoxo), 5%; Chrysi Agi, Aurora Dourada, de extrema direita, 3%. Total: 39%.
À esquerda:
Dimar (Esquerda Democrática), 18%; KKE, Partido Comunista Grego, 12,5%; Syriza (Coalizão de Esquerda), tido como a ponta-esquerda do espectro, 12%. Total, 42,5%.
Ainda há os casos pendentes: o PASOK tem 8% dos votos. Embora esteja comprometido com o atual governo, há fricções e dissidências internas. O Ikologi Prasini, Partido Verde tradicional, ligado aos Euroverdes, tem 3,5%. No campo da direita também há facções e fricções: o LAOS não aprova as medidas de “austeridade”, e se o fizer no futuro será por oportunismo para abiscoitar cargos no governo.
Reza a tradição parlamentarista que o Partido que recebeu mais votos é o primeiro chamado pelo presidente para formar o novo governo. Se aqueles resultados se confirmarem, o Nova Democracia – dos conservadores que antes estavam no governo e maquiaram os números para conseguir mais empréstimos – seria o chamado e formaria um governo de minoria, mesmo que contasse com todos os votos do PASOK em do LAOS numa proposta de coalizão, o que é improvável: 47%.
Ou seja, traduzindo em graúdos: o espectro de esquerda na política
institucional grega teria uma boa chance de, explorando as tensões no campo inimigo, formar um governo de coalizão que pudesse pelo menos em parte reverter as expectativas destruidoras geradas pelo pacote de “ajuda”.
Isso é possível?
Nem que chova canivete.
Não há a menor chance. PASOK e KKE não se bicam. Syriza não se bica com os anteriores. Syriza, Dimar e PV disputam a primazia pela preocupação ecológica. E estes dois também não se bicam com os anteriores.
Enquanto isso, sobre a mesa da penúria geral, a direita dança.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
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