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domingo, 28 de abril de 2013

Quando os russos chegaram em Israel - Uri Avnery - Media with Conscience - Tradução Coletivo Vila Vudu


27/4/2013, Uri Avnery, Media with Conscience, MWC
http://mwcnews.net/focus/analysis/26519-russians-came.html

Quando a grande onda de imigrados russos chegou, vindos da União Soviética, em 1990, todos em Israel nos alegramos.

Em primeiro lugar, porque cremos que a imigração faz bem ao país. Em geral, faz.

Segundo, porque estávamos convencidos de que esses específicos imigrantes empurrariam Israel na direção certa.

Essas pessoas, dizíamos a nós mesmos, foram educados, durante 70 anos, num espírito internacionalista. Acabam de pôr fim a um sistema ditatorial cruel, e devem vir ávidos de democracia. Muitos não eram judeus, mas parentes (às vezes remotos) de judeus. Ganhávamos centenas de milhares de novos cidadãos secularistas, internacionalistas, não nacionalistas, exatamente o de que muito precisamos. Acrescentariam um elemento positivo ao coquetel demográfico que é Israel.

Sobretudo, dado que a comunidade de judeus do pré-estado no país (a chamada yishuv) foi largamente modelada por imigrantes da Rússia czarista e dos primeiros anos da Revolução, os novos imigrantes com certeza se misturariam facilmente com a população em geral. Pelo menos, era o que esperávamos que acontecesse.

Hoje, a situação é praticamente o total oposto disso.

Os imigrantes da ex-União Soviética – “os russos”, como se diz na fala diária – absolutamente não se misturaram a coisa alguma. São até hoje comunidade à parte, que vive num ghetto criado por eles mesmos.

Até hoje, falam russo. Leem seus próprios jornais russos, todos furiosamente nacionalistas e racistas. Só votam no partido deles, liderado pelo moldaviano Evet (hoje trocou o prenome: decidiu chamar-se Avigdor) Lieberman. Vivem praticamente sem qualquer contato com outros israelenses.

Nos dois primeiros anos em Israel, votaram predominantemente em Yitzhak Rabin do Partido Labor, mas não porque prometia paz: porque era general e apresentava-se sempre como militar destacado. Daí em diante, os russos sempre votaram, sem variação, na extrema direita.

A grande maioria deles odeiam árabes, rejeitam a paz, apoiam os colonos e votam para eleger governos de direita.

Dado que hoje constituem quase 20% da população israelense, aí está um dos principais motores da marcha de Israel rumo à direita.

Por que, santo Deus?!

Há várias teorias, todas, provavelmente, certas.

Uma delas, ouvi-a de um funcionário russo de alto escalão: “Durante a era soviética, os judeus eram cidadãos soviéticos como todos os outros. Com o fim da URSS, cada cidadão recolheu-se para a nação de origem. Os judeus ficaram num vazio. Então partiram para Israel. E tornaram-se os mais israelenses dos israelenses. Até os não judeus que havia entre eles tornaram-se israelenses super patriotas.”

Outra teoria diz que “Quando o comunismo entrou em colapso na Rússia, só restou o nacionalismo (ou a religião) para substituí-lo. A população aprendera atitudes totalitárias, desdém pela democracia e pelo liberalismo, uma nostalgia por líderes fortes. E havia também o racismo disseminado da população ‘branca’ do norte da URSS, contra os povos ‘escuros’ do sul. Quando os judeus (e não judeus) russos vieram para Israel, trouxeram com eles essas atitudes. Apenas substituíram, por árabes, os armênios, chechenos e os demais povos que desprezavam. Essas atitudes são eternamente alimentadas pelos jornais russos diários e pelas redes de televisão em Israel.”

Observei essas atitudes quando visitei a URSS pela primeira vez em 1990, durante a Glasnost de Mikhail Gorbachev. Nunca pudera ir antes, porque meu nome era sempre riscado em todas as listas de gente convidada a conhecer as glórias da pátria soviética. Não sei por quê. (Curiosamente, também fui cortado de listas de convidados às festas do 4 de julho na embaixada dos EUA, e em algumas oportunidades encontrei dificuldades até para conseguir um visto norte-americano. Talvez porque participei de manifestações contra a Guerra do Vietnã. Devo ser das poucas pessoas no mundo que se podem orgulhar de constar simultaneamente nas listas da CIA e da KGB.)

Viajei à Rússia para escrever sobre o fim dos regimes comunistas na Europa Oriental (livro que foi publicado em hebraico, sob o título “Lênin não mora mais aqui”). Rachel e eu gostamos muito de Moscou, mas só precisamos de alguns dias para começar a ver o espantoso, crescente racismo que havia por todos os cantos. Os cidadãos de pele morena, ou mais escura, eram tratados com indisfarçado desprezo. No mercado, quando conversávamos e ríamos com os vendedores, gente do sul, com os quais nos relacionamos imediatamente, nosso simpático, mas de rosto sério, jovem e agradável intérprete distanciava-se bem acintosamente.

Meus amigos e eu nos encontramos às 6as-feiras, há cerca de 50 anos. Quando os russos começaram a chegar, nossa ‘mesa’ ficava no Café Kassit, em Telavive, local mitológico de reunião de escritores e artistas.

Um dia, vimos um grupo de jovens imigrantes russos, que haviam estabelecido ‘mesa’ própria. Cheios de simpatia – e também muita curiosidade – vez ou outra nos juntávamos a eles.

De início, funcionou. Formaram-se ali algumas amizades. Até que aconteceu uma coisa curiosa. Eles afastaram-se de nós, deixando bem claro que, para eles, não passávamos de bárbaros do Oriente Médio, sem cultura, gente à qual não tinham interesse de associar-se, gente que lia Tolstoi e Dostoyevski. Em pouco tempo, desapareceram de circulação.

Lembrei-me disso na 6ª-feira passada, quando irrompeu em nossa mesa uma discussão surpreendentemente acalorada. Tínhamos uma convidada, uma jovem cientista “russa”, que acusou a esquerda de ser indiferente e de promover um tipo de atitude, em relação à comunidade russa, que a teria empurrado na direção da direita. Uma líder feminista presente reagiu com fúria. Disse que os russos já chegaram ao país com atitude bem perto de fascista.

Concordei com ambas. A atitude de Israel em relação a novos imigrantes sempre foi um tanto estranha.

Líderes como David Ben-Gurion trataram a imigração sionista como se não passasse de um problema de transporte. Fizeram grandes esforços e foram bem longe para trazer judeus, do outro lado do mundo, para Israel; mas, depois de chegados, eram esquecidos, entregues aos próprios meios. Sim, recebiam ajuda material, tinham moradia, mas fazia-se praticamente nada para integrá-los à sociedade.

Foi exatamente assim na imigração em massa de judeus alemães nos anos 1930s, de judeus orientais nos anos 1950s e de russos nos anos 1990s. Quando os judeus russos manifestaram clara preferência pelos EUA, o governo israelense pressionou o governo dos EUA para que batesse a porta na cara deles. Foram praticamente forçados a vir para Israel. Quando chegaram, foram deixados nos seus ghettos, sem qualquer movimento local que os induzisse a espalhar-se e integrar-se conosco.

Não foi diferente, na esquerda israelense. Quando falharam alguns frágeis esforços para atraí-los para o grupo da paz, lá ficaram. A organização da qual participo, Gush Shalom [Bloco da Paz], distribuiu certa vez 100 mil cópias de nosso principal manifesto (“Truth against Truth” [Verdade contra Verdade], a história do conflito) em russo. Mas desistimos, quando recebemos uma única resposta. Obviamente, os russos não tinham interesse algum pela história de Israel, da qual não tinham sequer uma mínima ideia, que fosse.

Para entender a importância desse problema, é preciso visualizar a composição da sociedade israelense tal qual é (escrevi, no passado, sobre isso), formada de cinco setores principais, praticamente de igual tamanho, a saber:

Judeus de origem europeia, chamados Ashkenazim, grupo no qual se inclui quase toda a elite cultural, econômica, política e militar. Nesse grupo está praticamente toda a esquerda israelense.

Judeus de origem oriental, em geral chamados (erradamente) Sephardim, de países árabes e de outros países muçulmanos. São a base do Partido Likud.

Judeus religiosos, grupo que inclui os Haredim ultra-ortodoxos, Ashkenazi e orientais; e os sionistas, nacional-religiosos, grupo que inclui as lideranças dos colonos.

Cidadãos árabe-palestinos, concentrados quase todos em três grandes blocos geográficos.

E os “russos”.

Alguns desses cinco setores se sobrepõem em pequena parte, mas o quadro é claramente esse. Os árabes e muitos dos Ashkenazim trabalham no campo da paz. Todos os demais são declarada e solidamente de direita.

Por isso, é absolutamente imperativo conquistar pelo menos alguns grupos dos judeus orientais, dos judeus religiosos e – claro – de “russos”, para constituir uma maioria em Israel a favor da paz. Na minha opinião, essa é a mais importante tarefa para o campo da paz, nesse momento.

Ao final de um furioso debate em nossa mesa, tentei acalmar os contendores: “Não precisam brigar tanto. Há culpa que chegue, para todos.”

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