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domingo, 7 de abril de 2013

O democratismo cínico e as razões da Coreia Popular - Paulo Vinícius Silva

Tenho observado com grande admiração a coragem com que uma parcela importante da juventude e da esquerda tem se contraposto ao script desenhado pela imprensa do imperialismo para validar o extermínio nuclear da Coreia Popular. Afinal, eles é que são os sistematicamente agredidos, e o que se passa agora naquele país é o mais evidente grito de alerta e pedido de juízo pela paz, e não o inverso. A primeira vítima de uma guerra, caríssimos, já se o sabe sobejamente, é a verdade. De tal sorte que, vendo o que houve com o Iraque, o Afeganistão, a Líbia, a Síria, o e o que passa com Irã e Coreia popular, não posso aceitar o mesmo roteiro genocida. Atribuo a essa experiência tristemente comum após o fim da URSS (as mentiras e o genocídio), a corajosa opinião de tantas pessoas de diferentes visões da esquerda, que se mostram vacinadas contra as manobras do imperialismo. É de saudar essa coragem.

Minha solidariedade a Coreia Popular nesse contexto é, inclusive, anterior a meu comunismo. Fala aqui o patriota, o brasileiro. Não interessa ao Brasil esse mundo em que os barões do petróleo, da mídia, das armas e das finanças tenham esse poder discricionário absoluto de inventar campanhas para atacar países e mudar-lhes os regimes, roubar-lhes as riquezas, matar centenas de milhares de pessoas. Só interessa aos EUA e ao complexo militar-petroleiro-midiático-financeiro, esse sim o maior risco à humanidade. E é por isso que a RPDC fez tudo para não ser aniquilada. Por isso, sem petróleo, sem terras aráveis, precisa de energia, bloqueada, agredida, com ogivas e milhares de soldados estadunidenses a lhe cercar, coagir, demonizar.

Então, naturalmente, vem a pergunta, difícil, é certo, um pouco ingênua, um pouco soprada no ouvido, a iludir e a buscar a cumplicidade mesmo da esquerda: "Então é isso que você quer para o Brasil, como você defende uma ditadura? Uma sucessão hereditária? etc, etc, etc.

É preciso não ser idealista, atribuir essa faculdade mágica que o liberalismo cinicamente quer colocar aos regimes políticos: uma autonomia absoluta que pudesse vicejar em desacordo com toda a realidade, a tese da democracia como valor universal. Não importa nada, tem de ser tudo democrático, assim, assim e assim. E sempre o assim, assim, assim, é a democracia liberal schumpeteriana de baixa intensidade, porque se for um pouquinho a mais, também é ditadura, populismo, anátema sobre ela. Até o Chávez, o maior democrata de todos os tempos, o que mais fez eleiçõe sem qualquer país na História, para eles não foi democrático. 

Ou seja, na verdade, não é democracia o que se debate, isso é um estratagema, um sofisma, a  inconfessável defesa de que em nome da democracia liberal pode-se abrir mão de tudo, do socialismo, da soberania, da autodeterminação, das riquezas das gerações futuras, da dignidade nacional. 

Não é um dilema fácil, mas é uma contradição tanto mais forte quanto mais dissociada daquilo que nos dá a condição de saber a verdade, o contexto concreto, social, político, histórico e econômico em que as coisas se dão. Esse é o caminho para avaliar as questões, e nos dá razões de sobra para questionar a tal universalidade. Afinal, os regimes políticos florescem desses fatores, e das forças sociais que atuam na realidade, não são faculdades absolutas que valem para qualquer contexto.

Nesse sentido, é preciso assumir uma postura menos cômoda, da parte dos intelectuais que se identificam com a esquerda, rompendo com a ilusão de classe de que é possível a democracia florescer em situação de cerco, aniquilamento e bloqueio econômico permanente e guera. 

Em verdade, durante todo o século XX, o desenvolvimento da democracia socialista foi obstaculizado por esses expedientes que, concretamente colocam de um lado a soberania e a sobrevivência, de outro, o florescimento das instituições socialistas de participação popular. A URSS pagou em milhões de vidas, e há quem ataque os que resistiram e salvaram a humanidade do nazismo, e não os que promoveram a guerra de extermínio contra o socialismo. É esse o contexto do cinismo "democrático". Vejam: quem são os EUA para predicar democracia, se lá vigora o Patriotic Act (o AI-5 ianque) e se eles são os maiores inimigos da democracia, legalizadores da tortura e do genocídio? É como a moral que tem em falar de terrorismo depois do que fizeram e fazem desde Hiroshima e Nagasaki.

Sobretudo o caso coreano é extremo, na medida em que o país foi cortado ao meio graças à intervenção estrangeira, e ninguém foi tão bloqueado, tem uma tradição de defesa de soberania tão consolidada, tem uma história de líderes absolutos que asseguraram sua independência, além de ter chegado tão longe no desenvolvimento tecnológico a partir de suas próprias forças. 

Ora, se tudo é trabalho, que regime poderia concentrar tanta vontade política e poder na consecução de objetivos tão inalcançáveis? De outra parte, a solidariedade internacionalista e a defesa da paz e da autodeterminação da RPDC não é, nem remotamente, a defesa de tudo que possa lá ocorrer, ou a assunção de uma via como a deles. É preciso entender seus caminhos, no entanto, diante dos problemas e sofrimentos que padeceram, mais como estratégia de sobrevivência que como uma opção "livre". Eles, como nós, na vida, fazem o que podem e com o que tem. 

E, nessa difícil situação, com as lições que aprenderam com a vida, não tenho dúvida que os coreanos, inclusive pela sua mobilização espantosamente ampla, preferem o seu caminho que a submissão aos que para os aniquilar empregaram 1.431 ataques aéreos, 428 mil e 700 bombas, matando mais de 3 milhões de seus compatriotas (segundo a própria ONU), além do uso de armas químicas e bacteriológicas contra a população civil.

Por outro lado, nós, o gigante adormecido, ao nos solidarizar-nos com os desmandos bélicos e crimes dos EUA em seu cinismo "democrático", que mundo estaremos a construir? Que preço pagaremos? Como poderemos nos defender quando se volte para o Pré-Sal e a Amazônia a cobiça estadunidense? Por isso, antes de tudo como patriota, é preciso ser contra a manipulação dos EUA para atacar a Coreia Popular e ponto. 

E só quem propõe que se retome com seriedade os acordos de paz é a Coreia Popular, e não os EUA, os maiores inimigos da paz mundial. Esse é o tema. Qual a máxima exigência da Coreia Popular? A paz. Senão, dizem, preferem morrer lutando. Não acho que a RPDC, vendo chegarem as tropas, as armas, as bombas, com a desculpa de exercício, esteja errada em se preparar para o pior. Só tenho um temor imenso em ver que somos muito, muito mais ricos, e não temos como aguentar nada disso. Os EUA, nesse soturno mundo que constroem com mídia e sangue, podem nos invadir, saquear, matar nosso irmãos sem que tenhamos como nos defender. É errado defender-se da maior potência militar que jamais existiu?

Tive um diálogo sobre isso, interessantíssimo, com a minha mãe. Falava-me, tomando como exemplo o Lula, da sua sabedoria, acorde ela, dom de Deus, distinta de estudo, como a pedra de David contra Golias, ou seja, uma arma especial que superava todo o demais e atingia o alvo. Não me contive e disse: "É isso mesmo, mãe, passa-se o mesmo com a RPDC. E contei das vicissitudes daquele pequeno país, do solo pobre, da monstruosa matança que lhes cobrou milhões de vidas, da guerra com mais bombas que habitantes de um pobre país camponês em que não sobrou um só edifício em pé, da sua luta nacionalista, da majestosa Pionguiangue, da implacável guerra dos EUA, dos 30 mil soldados, das ogivas nucleares ao lado, há décadas, do Bush, e das opções a que foram empurrados até o presente momento. E ela, vendo o drama, vendo quão complexo, disparou. "Pois é, né, meu filho, então a gente tem é que rezar por eles." E eu, embevecido, disse-lhe, é isso mesmo. 

Assim, prefiro a solidariedade com a RPDC, porque é não apenas eticamente justa nesse contexto, mas é a única posição de acordo com os interesses do Brasil. Mantenho também essas opiniões já incrustadas: tudo é trabalho, e, desse modo, para realizar grandes feitos, só uma titânica vontade que possa direcionar imensa quantidade de trabalho para tão grandes desafios. E a outra, vem do Brecht, que em seu poema "Aos que vão nascer", diz que "também a ira contra a injustiça torna a voz rouca". 

Metodologicamente, separo as deformações de quem resiste em situações extremas, das deformações evidentes de quem controla o contexto inteiro e que ainda quer se colocar numa situação de superioridade moral, buscando a nossa simpatia. 

Eu, torcedor do Ferroviário, comunista, cearense, estou, no entanto, comprometido desde sempre pela simpatia com os mais fracos e pela indignação contra o imperialismo. E nesse contexto, sei que o melhor para a paz é que os EUA não contem com nenhum, nenhum apoio, em seu calculado, frio, desumano propósito de pagar com o aniquilamento o crime mais terrível cometido pela RPDC, o de jamais se terem dobrado ante seu imenso poder, e terem essa empáfia se seguir sobrevivendo e soberanos contra qualquer expectativa, isolamento, independentemente, até, de nossa solidariedade. E não deixo de me surpreender com a coragem dessa Esparta pós-moderna, que prefere o aniquilamento à submissão ante a maior potência que jamis existiu.

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