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quarta-feira, 30 de maio de 2012

Liberalismo, democracia e os mitos da política moderna (1) - Augusto César Buonicore - Portal Vermelho

15/2/2006
Liberalismo, democracia e os mitos da política moderna (1)
Augusto César Buonicore




O pensador social-liberal italiano Norberto Bobbio afirma logo no inicio
do seu alentado Dicionário de Política que “a linguagem política é
notoriamente ambígua. A maior parte dos termos usados no discurso
político tem significados diversos” e acabam conhecendo uma “longa série
de mutações históricas”. Podemos dizer que isso acontece, às vezes,
dentro de uma mesma e única escola teórica (e mesmo num mesmo autor).
Isso se dá, por exemplo, na definição do que sejam democracia e
liberalismo. Nenhuma questão foi mais embaralhada pela ciência política
e pelos políticos, sejam revolucionários ou conservadores.

Na primeira parte desse artigo trataremos de desvendar a relação
conflituosa que se estabeleceu entre a democracia política e a burguesia
(e seus ideólogos liberais). Mas, se quisermos realizar a contento nosso
objetivo, devemos, em primeiro lugar, nos desembaraçar de uma das
idéias-força que tendem aprisionar nosso pensamento quando o assunto é
democracia política. Uma idéia que se transformou num verdadeiro mito
político moderno.
< . . . >
A ideologia burguesa moderna procurou encobrir o fato de que sempre
existiu uma tensão latente – às vezes explosiva - entre o liberalismo e
a democracia política. Como afirmou João Quartim de Moraes: “nunca se
repetirá bastante que entre o princípio democrático da soberania popular
e o princípio liberal do primado dos interesses individuais (...) sobre
os interesses sociais, há uma contradição que pode ser
institucionalmente administrada (...) mas não pode ser suprimida em seu
fundamento (...) O compromisso dos detentores dos privilégios econômicos
com a democracia nunca ultrapassa, evidentemente, os limites da ordem
burguesa. Eles nunca se inclinam diante de um governo eleito pelo
sufrágio universal”. Se à burguesia procurou, durante a segunda metade
do século XX, amalgamar os dois termos (democracia e democracia), aos
marxistas coube (e ainda cabe) dissociá-los.

Vejamos, então, como a burguesia e seus ideólogos liberais encararam a
demanda de ampliação da democracia política para o conjunto da
população, especialmente como se portaram em relação a principal
bandeira democrática do século XIX: o sufrágio universal.

* Liberais e a democracia: o sufrágio universal

A reivindicação do sufrágio popular, ainda que apenas masculino, é
bastante antiga. Durante a Revolução Puritana da Inglaterra (1640-1649)
esta bandeira esteve nas mãos das correntes mais radicais, como os
niveladores. Ficaram famosos os debates ocorridos entre os
democratas-radicais e os chefes revolucionários, como Cromwell, em 1647.
Diante da recusa destes últimos em atender sua reivindicação de direito
ao voto, Edward Sexby, líder radical respondeu: “Há muitos milhares de
nós, soldados, que arriscamos as nossas vidas; poucos bens tivemos no
reino, no entanto temos direitos por nascimento. Mas parece que agora, a
não ser que um homem possua propriedades fixas neste reino, não tem
direitos nele. Não sei como pudemos ser tão enganados. Se não temos
direito, então fomos soldados mercenários”.
< . . . >
As reformas eleitorais - ocorridas em 1832, 1867 e 1884 - ampliaram
gradualmente o direito ao voto. No entanto até o início do século XX
continuou a existir o voto plural na Inglaterra. Somente em 1928
estabeleceu-se o princípio democrático de “um adulto, um voto” e em 1948
foi finalmente extinto os últimos redutos de voto qualificado – os dos
colégios eleitorais das universidades e centro de negócios. A terra do
liberalismo clássico só instituiria plenamente o sufrágio universal e
direto em meados do século XX.

* Estados Unidos e a democracia restrita

Os mesmos preconceitos liberais-burgueses contra a democracia política,
entendida como soberania popular, e um de seus instrumentos mais
importante - o sufrágio universal - podem ser notados durante a
revolução (ou Guerra de Independência) norte-americana. Embora esta, sob
vários sentidos, tenha sido mais avançada que as duas “revoluções
liberais” inglesas - afinal ela ocorreu quase cem anos depois dos
debates com os niveladores ingleses.
< . . . >
Pela nova legislação racista, destas obrigações vexatórias ficariam
excluídos os que já tinham direito de voto antes da abolição e seus
filhos e netos, mesmo que não soubessem ler e escrever. Talvez esta
tenha sido a legislação eleitoral mais casuística já criada num grande
país capitalista.

Por tudo isso, se ainda quisermos falar de democracia nos Estados Unidos
do século XIX e início do século XX devemos lembrar que ela era bastante
restrita – restrita aos homens brancos que possuíam propriedades.
Portanto era uma democracia, fundamentalmente, antidemocrática.

* Notas

A bibliografia seguirá na segunda parte desse artigo

Esta é a primeira parte de um texto preparado, especialmente, para o
Seminário “Sindicato, Partido e Estado” organizado pelo Centro de
Estudos Sindicais.

* Augusto César Buonicore, Historiador, mestre em ciência política pela
Unicamp, secretário-geral do Instituto Maurício Grabóis (IMG), membro do
conselho editorial das revistas Princípios, Debate Sindical e Crítica
Marxista e membro suplente do Comitê Central do PCdoB.

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