Mais um processo congressual ao PCdoB. Mais uma oportunidade para colocarmos à prova nossa história e nossa consequência política. A noção de uma longa transição do neoliberalismo ao Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento é mais profunda do que se imagina para uma relação de causa e efeito com as peculiaridades inerentes a uma formação social complexa como a brasileira.
Por Elias Marco Khalil Jabbour*
Peculiaridades tais acertadamente diagnosticadas pelo PCdoB: transições lentas, graduais, nem sempre seguras e onde a própria complexidade de nossa formação enceta tanto possibilidades (amplitude tática e formação de maiorias heterogêneas), quanto limites (meias-revoluções e gradualismo excessivo nas transformações no seio da superestrutura engendrando unidades de contrários como a convivência e luta entre neoliberalismo e desenvolvimentismo no seio do mesmo governo).
O mérito das teses é grande. É clara a percepção dos limites políticos da contemporaneidade nacional e como afetam os rumos da economia. Esgotamento do modelo de crescimento puxado pelo consumo, críticas à políticas cambial. Denúncia do pacto de 1994 da troca de ganhos da inflação pelos obtidos via dívida pública etc. Porém, existem lacunas a serem não somente preenchidas com mais historicização e análise, mesmo, do pacto de 1994 e da transformação do neoliberalismo de política de governo em política de Estado.
Falta discutir qual o fundo, de fato, da plena utilização do consumo como alternativa de crescimento em detrimento do investimento e as razões que escondem o senso comum para quem a inflação é um problema puramente de demanda, da mesma forma que a dita “inflação de alimentos” ocorre por uma, vulgarmente, chamada inelasticidade da oferta. Neste aspecto (inflação e agricultura), vale um parêntese: não está em pauta a submissão da produção agrícola à lógica da financeirização e a formação de novas modalidades de monopsônios/oligopsônios. Ainda discutimos a questão agrária de forma pobre e ideologizada sob o prisma da falsa oposição entre pequena produção e grande produção. Enfim, o debate econômico nacional está recheado de mentiras convencionais comungadas não somente pelas grandes forças políticas do país, mas também desde simples donas de casa a iminentes acadêmicos e mesmo por “movimentos sociais”.
Existe uma luta que não estamos vencendo. Trata-se de uma luta que envolve não somente uma chamada “estratégia nacional”, mas também o direito ao longo prazo. Ambas assertivas foram proscritas com a transformação do neoliberalismo em política de Estado. Pode-se dizer que a estabilidade monetária é uma estratégia nacional contemplada pelas maiores forças do espectro político brasileiro, incluindo o PT e o PSDB. Por outro lado temos de ter clareza que sendo a busca por estabilidade monetária o que une gregos e troianos, democratas e republicanos a mesma não combina com objetivos de longo prazo. E que somente com visão de longo prazo é que podemos vislumbrar crescimento pautado pelo investimento e não pelo consumo sob o preço da alta do preço do tomate simplesmente paralisar uma potência do tamanho do Brasil. Retomar a tendência de alta na taxa de juros é somente uma expressão de um país sem direito ao longo prazo. Se os juros param de subir, que o Estado intervenha no mercado cambial no sentido de baratear o dólar. Uma coisa ou outra. Sem falar no contingencionamento orçamentário, outro instrumento de grande valia à estratégia da estabilidade monetária.
Sem longo prazo não existe possibilidade de realização do nosso Programa Socialista. Neste sentido seria interessante sermos mais agudos apontando que a derrota do longo prazo é expressão de um golpe político engendrado com o anúncio do Plano Real em 1994. Um golpe no coração da nação, diga-se de passagem. O que existe não é o esgotamento do modelo pautado pelo consumo e sim o esgotamento do Plano Real como experiência. Experiência que se perpetua na mesma proporção em que toda discussão econômica (mesmo entre desenvolvimentistas e neoliberais no seio do governo) se pauta pelos marcos institucionais criados no âmbito deste mesmo Plano Real.
Discute-se que a política cambial é equivocada. Ótimo. Critica-se os contingencionamentos orçamentários. Coloca-se em questão a perversa relação entre União, Estado e Municípios. Enfim, não precisa ser comunista para criticar, nesse nível, esse estado de coisas. Só a título de exemplo da profundidade que o debate exige de nós: por que não colocar em questão a própria existência da SELIC como indexador tanto da dívida pública quanto do restante da economia? Que país do mundo utiliza o mesmo indexador de seus títulos da dívida para mediar o restante de sua economia? Não seria interessante extinguir as chamadas Letras Financeiras do Tesouro (LFT`s), desvinculando o mercado de reservas bancárias do mercado de títulos da dívida pública? Continuaremos a combater a inflação enquanto exportamos ferro para a Coreia e importamos carros de luxo deste país e, contraditoriamente, denunciando de forma vazia a “guerra cambial”?
A prolongada luta por mudanças na macroeconomia é a outra face da batalha pelo longo prazo. É ilusão supor que poderemos chegar ao patamar de 25% na relação investimentos x PIB nos marcos das instituições criadas pelo Plano Real. Não existe inflexão na política monetária que resista ao primeiro indício de alta inflacionária e as recentes medidas do governo Dilma atestam isso. Existe uma combinação de fatores que se expressa na correlação de forças encerrada não somente na política em si, mas também na falta de criatividade intelectual, convicções estratégicas e muito medo de si mesmos. A estabilidade é instável, como marxistas não podemos duvidar disso. A economia e a sociedade avançam de desequilíbrios em desequilíbrios. A estabilidade monetária antes de ser, conforme o senso comum, uma conquista é fato trágico. A barbárie da criminalidade e a crise urbana são inversamente proporcionais à relação investimentos x PIB. Não podemos ser um país de cegos, guiado por cegos no rumo do abismo.
A responsabilidade dos comunistas na atual quadra histórica de nosso país é muito maior do que nós mesmos imaginamos. Não nos percamos nas armadilhas e na sedução do curto prazo.
*Elias Marco Khalil Jabbour é da Comissão Auxiliar da Presidência Nacional do PCdoB e professor da Escola Nacional
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