Christian Lindberg: O público, o privado e as relações de poder - PCdoB. O Partido do socialismo.Por ser uma categoria histórica e resultante das relações humanas, a política está relacionada à vida civil, refletindo o conflito entre o interesse público e o privado, através do exercício do poder.
Por Christian Lindberg L. do Nascimento*
Embora o PCdoB agregue indivíduos que anseiam a edificação de uma sociedade socialista, nosso Partido reflete, internamente, as contradições e aspirações existentes na sociedade marcada, cada vez mais, pela dificuldade em separar o público e o privado. Entendo como público tudo aquilo que é resultado do consenso e/ou pactos estabelecidos democraticamente pela coletividade. Já por privado, entendo tudo aquilo de interesse único e exclusivamente particular, em que há apenas um beneficiário e, no caso de um partido político que tem no centralismo democrático a raiz da sua vida, delibera sem o consentimento dos pares, sendo “imposto” pelo desejo de um indivíduo apenas.
Além do mais, os filiados mais antigos disputam, de forma sadia, os rumos a serem tomados pelo coletivo partidário. Para isso utilizam os mecanismos legais de persuasão. De igual modo, os filiados mais novos, à medida que vivenciam o cotidiano partidário, praticam sua influência nos rumos a serem deliberados pelo PCdoB. Desta contradição entre “velhos” e “novos”, nosso partido encontra um importante instrumento para a oxigenação da nossa democracia e para o exercício saudável do poder.
Porém, como não vivemos afastados da sociedade ou como não somos integrantes de uma organização partidária acima do mundo real, muito menos nos tornamos puros, no melhor sentido metafísico do termo, após filiarmos no PCdoB, o exercício do poder manifesta-se de diversas formas: 1) através da persuasão; 2) através da liderança carismática; 3) através do poder econômico; 4) através das relações afetivas; 5) através da liderança intelectual; 6) através do desejo individual. Há outras formas para o exercício do poder e que não se aplicam no nosso partido, a exemplo da força física e através da ideologia.
Todas estas formas de poder são legítimas e possíveis de serem exercidas em nosso partido, desde que haja o respeito e o tramite democrático. Contudo, da mesma forma que elas podem contribuir para a construção democrática das deliberações partidárias, elas também podem ser usurpadas e utilizadas para o benefício privado.
Cito alguns exemplos possíveis e imaginários, sem nenhuma pretensão de estabelecer uma prioridade entre eles, da forma degenerada do uso do poder:
- Um filiado que exerce alguma função pública e detém uma informação privilegiada, o omite do coletivo partidário para favorecer determinada posição política;
- Um filiado com uma capacidade argumentativa bem desenvolvida, pode persuadir outros filiados através do exercício retórico da sofística;
- Um filiado, no exercício de cargo eletivo (estudantil, sindical, legislativo, executivo, conselhos, etc.), impede a filiação de outras lideranças ao nosso partido, com o simples receio de perder espaço político ou a função pública;
- um filiado utilizar o respeito adquirido no seio partidário e usá-lo para a tomada de deliberações enviesadas pelo interesse pessoal;
- Um filiado que tem a capacidade de empregar outras pessoas, usa esta prerrogativa para benefício político “próprio”, interferindo nas deliberações coletivas;
- Um filiado, no exercício do mandato público (estudantil, sindical, legislativo, executivo, conselhos, etc.), condiciona uma deliberação partidária, unicamente, ao pragmatismo eleitoral;
- Um filiado utiliza o partido como instrumento de ascensão econômica;
- Um filiado, motivado por algum receio privado, limita ou até mesmo impede a ascensão de novos quadros partidários.
São diversas as possibilidades que o exercício do poder pode encontrar para degenerar e intervir dentro do partido. Além do mais, tenho ciência que, caso isso ocorra no nosso partido, são situações isoladas e passíveis de solução. Por isso, ficar atento a este fenômeno é condição importante para o aperfeiçoamento do nosso partido, já que permite o exercício constante da autocrítica e a fiscalização coletiva interna.
Todavia, o exercício da democracia interna, a estruturação partidária, o funcionamento de todas as instâncias deliberativas e consultivas (organismos de base, direções partidárias, coletivos partidários, etc.) tornam-se o melhor remédio para obstruir e sufocar as formas degenerativas dos tipos de poder.
Por fim, por ser o PCdoB uma organização partidária de cunho democrático, por mais que o interesse coletivo seja construído por indivíduos reais, é inadmissível o esvaziamento orgânico do nosso partido. Caso isso ocorra, tendemos a nos transformar em um partido de tipo “burguês”, marcado pelo autonomismo orgânico, com direito a “cacique político”, afastando-nos dos interesses coletivos e nos distanciando dos objetivos revolucionários, tão bem proclamados em nosso Estatuto e Programa Socialista.
PS.:
A argumentação exposta foi construída com base nos meus 19 anos de filiado no PCdoB. Além disso, considerei a minha experiência no movimento estudantil, como dirigente partidário, na minha breve passagem pela institucionalidade, minha breve vida acadêmica e as longas reflexões feitas sobre a nossa organização política e revolucionária. Falo isto porque sou fruto das condições materiais, do exercício livre da minha reflexão e das diversas experiências vividas enquanto sujeito.
*Titulo original: O público, o privado e as relações de poder no PCdoB
*Christian Lindberg L. do Nascimento é militante do PCdoB Campinas.
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