A lamentável tragédia da boate Kiss, de Santa Maria (RS), que comoveu a todos com a morte de quase 240 jovens, suscitou o debate sobre a fiscalização urbana. Espero o debate gere algum resultado e que os cidadãos e as cidadãs, particularmente em Fortaleza, compreendam a importância da fiscalização para se ter uma convivência harmoniosa, saudável e segura com a cidade em que moramos.
O debate sobre o planejamento urbano é bem amadurecido e do ponto de vista da legislação, os avanços são inegáveis, desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, que determinou que as cidades com mais de 20 mil habitantes tenham Planos Diretores e da aprovação do Estatuto da Cidade, em 2001. Desta forma, a compreensão sobre a necessidade de reordenamento dos grandes centros urbanos desenvolvidos sem planejamento, me parece consenso. Porém, a efetivação deste entendimento enfrenta dificuldades. pelo menos impedir, através do planejamento e do controle, que os transtornos ou desconfortos se aprofundem.
A gestão municipal é a responsável maior pela fiscalização na cidade. Se o prefeito, ou a prefeita, não se comprometer a gerenciar a cidade tendo em vista o bem estar da coletividade, com fácil mobilidade, acessibilidade, qualidade sanitária e consumo seguro, não haverá possibilidade de acontecer uma fiscalização séria e consequente.
São muitos os atores envolvidos, mas o principais os protagonistas são os profissionais fiscais que necessitam, para executarem a sua missão, de uma legislação atualizada, condições mínimas de estrutura e segurança, além de retaguarda interna e principalmente de decisão política do gestor maior, para enfrentar a pressão violenta do setor privado.
E em Fortaleza? Somente em dezembro passado foi concluído o processo de recomposição do quadro da fiscalização municipal, com a posse de 136 novos fiscais, remanescentes do concurso de 2010, totalizando 346 novos fiscais municipais e compondo um quadro de 552 fiscais de carreira. O último concurso havia sido realizado em 1982 quando a cidade tinha 800 mil habitantes, um terço da população atual que é superior a 2,5 milhões de pessoas. Em 2010, foi aprovado um novo plano diretor, no entanto, até agora as leis complementares não foram atualizadas como a Lei de Uso e Ocupação do Solo, o Código de Obras e Posturas e o Código Ambiental. A Prefeitura Municipal de Fortaleza ainda não dispõe de estrutura material mínima para a realização do trabalho da fiscalização, sequer transporte e segurança são garantidos para os profissionais.
Aguardamos a nova gestão se manifestar e no decorrer dos quatro anos, demonstrar sensibilidade e decisão política para promover uma reestruturação na fiscalização da nossa cidade em todos os seus aspectos, criando as condições para que ela aconteça, afinal sediaremos uma Copa do Mundo. A fiscalização garante o equilíbrio entre o desenvolvimento, a preservação dos espaços públicos e dos recursos naturais, atuando nas obras públicas e privadas; poluição sonora, visual e ambiental, adequadas condições sanitárias e de funcionamento das atividades em geral; resíduos sólidos, ordenamento e preservação dos espaços públicos e transportes.
Por último, preciso lembrar que a população tem o papel de cobrar, mas também de modificar algumas posturas no trato com a coisa pública. Os fiscais municipais tem o compromisso de realizar a sua parte, mas sem as condições de trabalho suas ações não terão consequência desejada, ficando o prejuízo maior para a população.
Ana Lúcia Viana é fiscal municipal e Presidente da Associação dos Fiscais do Município (AFIM)
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