Há menos de uma semana , Fernando Lugo sofreu um golpe de Estado no Paraguai. O episódio ocorreu na sexta-feira (22) e até agora se discute o que vai acontecer com o novo governo. Lugo, no entanto, segue fazendo política de um gabinete alternativo, como prefere chamar o escritório que montou, de onde são decididos os próximos passos na resistência e na luta pelo retorno à democracia.
Por Vanessa Silva, enviada especial do Vermelho a Assunção
É deste espaço que ele fala em entrevista exclusiva ao Vermelho e à Rádio Brasil Atual.
Na breve entrevista que aceitou conceder às duas jornalistas brasileiras que esperavam do lado de fora da sede do Partido País Solidário, Lugo reafirmou que toda a região perdeu com o que aconteceu no Paraguai. Segundo o ex-bispo, o golpe parlamentar “mancha a imagem de toda a América do Sul, do Paraguai”. Sobre o processo eleitoral que, se tudo transcorrer como manda a Constituição paraguaia, deverá ocorrer em abril, Lugo mostra qual poderá ser sua indicação: Mario Ferrero (jornalista) e Esperanza Martines “poderiam fazer uma dupla maravilhosa”, diz gargalhando. Esperanza foi ministra da Saúde durante seu governo. E Ferrero tem liderado as pesquisas de intenção de voto.
Sentimentos no pós-golpe
Em primeiro lugar, diz Lugo, são sentimentos desencontrados. Muitos sentimentos. Primeiro é uma lástima pela cidadania, pelo Paraguai, que não tem uma tradição democrática como têm Uruguai, Chile e outros países. Nós temos nos esforçado em construir um processo democrático que seja duradouro. Creio que com isso [com o golpe] perdemos todos os paraguaios e também a região. Quem pensava que isso poderia ocorrer no Paraguai? Nós, tanto na Unasul, como no Mercosul, nos sentíamos felizes quando todos os presidentes nos reuníamos e éramos todos presidentes eleitos democraticamente. Infelizmente isso vem manchar a imagem da região, a imagem da América do Sul e a do Paraguai.
Mobilizações
Muitas mobilizações estão acontecendo no país, sobretudo no interior em repúdio ao governo golpista de Federico Franco. Longe de se isentar de participar deste processo, Lugo enfatizou que “a cidadania tem que saber o que aconteceu aqui. Os meios de comunicação não refletem toda a verdade. Então quero sair a conversar com as pessoas, um diálogo grande com a cidadania. Queremos impulsionar de novo [novos protestos], na próxima semana e nos colocar em contato com os camponeses, trabalhadores, estudantes e em suas praças, casas, escutar, conversar e desenhar juntos o caminho político que o país merece e é possível”.
Cobertura da mídia
A imprensa paraguaia trabalha com a ideia de que o país está tranquilo, apesar dos protestos. De acordo com Lugo, essas mobilizações estão sendo feitas respeitando “as leis e de maneira pacífica. Só que isso não é notícia porque não há sangue, nem violência ou mortes. Observar que houve manifestações não ocupa as primeiras páginas dos jornais do Paraguai”, comenta o presidente. E frisa: “Há sim a expressão de indignação e grande descontentamento nacional, o que pode ser percebido em todo o país”.
Eleições de 2013
Sobre como poderá participar nas próximas eleições, Lugo é reticente: “Vamos ver... As coisas sucedem muito rapidamente, muito aceleradamente. Eu pensava que terminaria o mandato em 15 de agosto de 2013 e me converteria em Senador vitalício. Com o golpe, eu recobro meus direitos cidadãos e tenho a possibilidade de poder encabeçar, ou participar, de uma lista para o Senado do Paraguai. Mas vamos analisar isso, avaliar junto aos companheiros dos grupos sociais, dos partidos políticos progressistas... Em algumas semanas teremos novidades neste sentido.
Futuro presidente
São seis os pré-candidatos à presidência pela Frente Ampla: Mario Ferreiro, Esperanza Martines, Sixto Pereira, Lopez Perito, Fernando Camacho e Luis Bareiro Spaini. Dos seis, quatro parecem estar mais bem avaliados pelo ex-presidente: “Estou em um processo de conhecer as propostas. (...) Eu disse, em mais de uma oportunidade, quando questionado sobre isso, que apoio quem tiver mais respaldo cidadão. Esse candidato será o candidato que Fernando Lugo vai apoiar junto com a cidadania para poder ser, oxalá, oxalá, oxalá, o novo presidente do Paraguai”.
Após certa insistência por nomes, ele admite que Mario Ferreiro e Esperanza Martines “poderiam fazer uma dupla maravilhosa”. Mas, ressalta que “Lopez Perito e Sixto Pereira são pessoas interessantes, com uma longa trajetória nos movimentos sociais, partidos políticos, sindicatos”. Otimista, ele observa que “oxalá este momento político seja o melhor momento da esquerda paraguaia”.
Sanção internacional
Sobre possíveis sanções econômicas aplicadas pelo Mercosul e pela Unasul ao país, por ter violado a cláusula democrática que permite que os Estados façam parte desses organismos internacionais, ele observa que “não é o recomendável [que façam isso]”, e pondera: “Não quero que os Estados se sintam pressionados por minha opinião. Sei que os produtores de banana e mandioca que estão na fronteira se sentirão prejudicados com uma sanção na região”.
Integração latino-americana
“Com este golpe, não foi só o Paraguai que perdeu, mas a América Latina. E nisso coincidimos os presidentes da região porque hoje teria que ter sido realizada uma reunião normal em Mendoza dos chefes de Estado. Amanhã sem dúvida, uma cadeira estará vazia. A cadeira do Paraguai, um membro fundador do Mercosul. Então este é um golpe à região, um golpe à democracia do Paraguai e à democracia de toda a região”.
Mensagem ao Brasil
“Eu acredito que o sonho de uma pátria para todos, o sonho de uma pátria grande, de uma sociedade mais equitativa, sem discriminação, eu creio que esse sonho temos que ir alimentando dia a dia. Esses sonhos libertários de segunda independência, de uma sociedade muito mais justa com a questão social mais igualitária, isso temos que levar no sangue, no coração para podermos seguir lutando pela pátria que merecemos”.
*Colaborou Marilu Cabañas, jornalista da Rede Brasil Atual
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