O Portal Vermelho reproduz a segunda parte da entrevista de Alí Rodríguez Araque, Ministro de Energia Elétrica da República Bolivariana da Venezuela, à revista argentina Crisis, realizada pelo jornalista Mario Antonio Santucho, em junho de 2011.
Leia a seguir a íntegra da segunda parte da entrevista. A primeira parte pode ser lida em "Alí Rodriguez Araque: "Nenhuma revolução nasce do governo' "
Crisis: E que papel desempenha o Brasil, nesse esquema?
Alí Rodríguez: O Brasil é um grande consumidor que pouco a pouco se foi convertendo, felizmente, em grande produtor. Ainda não está na OPEP, mas a Venezuela já o está convidando. Porque só na medida em que se possa regular o mercado petroleiro mundial, será possível manter os preços num nível adequado, que não implique carga pesada demais para os consumidores, sobretudo os países pobres. Busca-se um ponto de equilíbrio entre os dois interesses, coisa muito difícil, porque os capitalistas são de fato muito vorazes, o apetite deles não tem limites.
Crisis: Quando o Brasil acorda com os EUA priorizar a produção do etanol, para energia, por exemplo, influi nessa discussão no plano global?
Influi, na medida em que afeta o aumento dos preços dos alimentos, mas não no cenário do petróleo mundial. O maior competidor potencial do petróleo é o hidrogênio, recurso natural muitíssimo abundante e não contaminante. Mas os custos altíssimos ainda não permitem que se o veja como concorrente. Veja o que acontece com a energia nuclear.
O duplo poder
O tempo de Alí Rodríguez move-se ao ritmo da crise elétrica. Nossa conversa avança aos saltos e termina de repente. Um assessor pede desculpas pela interrupção, e informa o ministro sobre a queda de uma linha de transmissão que deixou províncias inteiras na escuridão. O ministro faz algumas perguntas curtas, diagnostica a origem da falha, manda informar a presidência e redigir uma declaração oficial. Bom momento para perguntar-lhe sobre os paradoxos que marcam o “socialismo século 21”, especialmente sobre a tentativa para criar de cima para baixo o que, naturalmente, deveria emergir de baixo para cima. É incongruência não se resolve no plano da lógica e impõe limites bem definidos à experimentação.
“Os revolucionários devem precaver-se para não ser dogmaticamente contra a política” – diz o ex-guerrilheiro – “porque a política, como todos os fatos humanos é dinâmica e sempre dominada por muitos fatores. Se você, dogmatiza a luta armada, por exemplo, você vira, no melhor caso, um quisto que pode crescer, mas não avança, que não encontra correspondente no movimento social, um mal crônico que não gera efeitos na sociedade. Nosso processo, na Venezuela, é inédito, sobretudo pelos êxitos. É tentativa, pela via eleitoral, como também aconteceu no Chile entre 1970 e 1973, mas aqui o movimento foi vitorioso nos confrontos que vieram depois das eleições, como aconteceu no golpe de estado de 2002 e no golpe das petroleiras em dezembro daquele ano.
Com a derrota do golpe militar, a oligarquia venezuelana perdeu o poder que tinha no seio das forças armadas, mas continuava a manter o grande poder econômico da PDVSA. Derrotados no golpe das petroleiras, perderam também esse poder. Mas ainda há confronto muito agudo no plano político. Por isso temos de renovar constantemente as nossas posições, porque, se você para no jogo político, você vira passado, porque o processo nunca para de mover-se.”
Crisis: Conseguiram avançar na transformação produtiva do país?
Um dos principais problemas que surgiram, como consequência do processo de que acabo de falar, é que a produção agrícola foi duramente afetada, o que provocou violenta migração, do campo para a cidade. Hoje, mais de 90% da população concentra-se nas cidades e há vastas áreas de território que estão desabitadas. O desenvolvimento econômico do país, entre finais dos anos 30s e começo dos 70s, foi determinado pelo violento processo de urbanização e pela demanda decorrente, por moradias. As cidades chegaram à saturação e em seguida ao declínio, que ainda não conseguimos interromper. Durante muito tempo falou-se dos limites do pequeno mercado interno, mas sem jamais explicar por que as coisas são como são.
Crisis: E como é possível sair dessa espiral que parece não ter freio?
Temos dois grandes assuntos a abordar: por um lado, o desenvolvimento da produção de alimentos, não só pela soberania alimentar, que já bastaria e explica a necessidade desse desenvolvimento, mas também porque, só na medida em que o campo converta-se em fator produtivo que gere demandas industriais que possam ser internamente satisfeitas, haverá desenvolvimento industrial na Venezuela. Por outro lado, uma segunda fase de reurbanização do país, questão que estamos encarando exatamente agora, com a Misión Vivienda [Missão Moradia]. A ideia é que a economia nacional acomode-se de modo a poder satisfazer as grandes demandas a serem geradas pelo objetivo de construir dois milhões de moradias em apenas 4 ou 5 anos.
Crisis: Para os governos de esquerda da região, não parece ser operar transformações profundas na sociedade. Como fazer para não se deixar assimilar pelos mecanismos do sistema político tradicional e pelas lógicas burocráticas estatais?
Em 98 nós assumimos o governo, mas não o poder político. São duas coisas diferentes. Nenhuma revolução nasce do governo. Por isso ainda nem se pode dizer que essa revolução na Venezuela seja irreversível. Para que haja hegemonia, é preciso desenvolver o poder popular organizado, os Conselhos Comunais e as Comunas têm de assumir cada vez mais espaços de poder, e realmente exercitar o comando, conduzir a revolução. Se não for assim, essa revolução fracassa. Porque no nosso caso, também há um duplo poder. O Estado que temos não é o Estado para fazer a revolução, nem é ainda expressão das mudanças no país. O Estado que temos é Estado burocrático, pesado, é um obstáculo às mudanças revolucionárias na Venezuela. Só quando o povo organizado assumir o poder e governar, e comandar, e assumir a hegemonia política no país, será possível dizer que a revolução é irreversível.
Fonte: Redecastorphoto. Traduzido Pela Vila Vudu, do original em Revista Crisis
Nenhum comentário:
Postar um comentário