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quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Os comunistas - Pablo Neruda





Neruda de braços cruzados no sofá, atrás dele Diógenes Arruda Câmara, o segundo à direita de Neruda é Luís Carlos Prestes, e no braço do sofá estava Jorge Amado 



Passaram-se alguns anos desde que ingressei no Partido.
Estou contente.
Os comunistas formam uma boa família,
Têm a pele curtida e o coração moderado.

Por toda parte recebem golpes
Golpes exclusivos para eles
Vivam os espíritas, os monarquistas, os anormais, os criminosos de todas as espécies
Viva a filosofia com muita fumaça e pouco fogo
Viva o cão que ladra mais não morde, vivam os astrólogos libidinosos, viva a pornografia, viva o cinismo, viva o camarão, viva todo mundo, menos os comunistas
Vivam os cintos de castidade, vivam os conservadores que não lavam o pé há quinhentos anos
Vivam os piolhos das populações de miseráveis, viva a fossa comum e gratuita,
viva o anarco- capitalismo, viva Rilke, viva André Guide com seu corydonzinho,
viva qualquer misticismo.

Está tudo bem.
Todos são heróicos.
Todos os jornais devem sair.
Todos devem ser publicados, menos os comunistas.
Todos os candidatos devem entrar em São Domingos sem algemas.
Todos devem celebrar a morte do sanguinário de Trujillo, menos os que mais duramente o combateram.
Viva o Carnaval, os últimos dias de carnaval.
Há disfarces para todos,
Disfarces de idealistas cristãos, disfarces de extrema esquerda, disfarces de damas beneficentes e de matronas caritativas.
Mas cuidado: Não deixem entrar os comunistas.
Fechem bem a porta.
Não se enganem
Eles não têm direito a nada.
Preocupemos-nos com o subjetivo, com a essência do homem, com a essência da essência,
Assim estaremos todos contentes.
Temos liberdade,
Que grande coisa é a liberdade!
Eles não a respeitam,
Não a conhecem.
A liberdade para se preocupar com a essência,
Com a essência da essência.
Assim tem passados os últimos anos.
Passou o Jazz,
Chegou o Soul, naufragamos nos postulados da pintura abstrata, a guerra nos abalou e nos matou Tudo ficava como está.
Ou não ficava?
Depois de tantos discursos sobre o espírito e de tantas pauladas na cabeça, alguma coisa ia mal Muito mal.
Os cálculos tinham falhado.
Os povos se organizavam.
Continuavam as guerrilhas e as greves.
Cuba e Chile se tornavam independentes,
Muitos homens e mulheres cantavam a Internacional.
Que estranho,
Que desanimador,
Agora cantam-na em chinês, em búlgaro, em espanhol da América.
É preciso tomar medidas urgentes,
É preciso bani-lo,


É preciso falar mais do espírito,
Exaltar mais o mundo livre,
É preciso dar mais pauladas e o medo de Germán Arciniegas.

E agora Cuba
Em nosso próprio hemisfério, na metade de nossa maça, esses barbudos com a mesma canção.

E para que nos serve Cristo?
Para que servem os padres?
Já não se pode confiar em ninguém
Nem mesmo os padres. Não vêem nosso ponto de vista,
Não vêem como baixam nossas ações na bolsa.
Enquanto isso sobem os homens pelo sistema solar,
Deixam pegadas de sapatos na lua,
Tudo luta por mudanças, menos os velhos sistemas.
A vida dos velhos sistemas nasceu de imensas teias de aranhas medievais.
No entanto, há gente que acredita numa mudança,
que tem posto em prática a mudança,
que tem feito triunfar a mudança,
que tem feito florescer a mudança

Caramba!
A primavera é inexorável!

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