A história do início do século 21 parece
repetir a do século 20. Há o claro crescimento da extrema direita
conservadora. Desencantada de sua história e imersa em pequenos
conflitos que causam grandes desgastes, a esquerda hoje está muito mais
fraca do que há cem anos.
A história do início do século 21 parece repetir a do século 20. De um repetir a do século 20. Há o claro crescimento da extrema direita
conservadora. Desencantada de sua história e imersa em pequenos
conflitos que causam grandes desgastes, a esquerda hoje está muito mais
fraca do que há cem anos.
lado, insurgências populares eclodem aqui e acolá. De outro, há o claro
crescimento da extrema direita conservadora. Mas há uma diferença
significativa, e profundamente preocupante, entre o passado e o
presente. Desencantada de sua história e imersa em pequenos conflitos
que causam grandes desgastes, a esquerda hoje está muito mais fraca do
que há cem anos*.
O desequilíbrio entre uma esquerda enfraquecida e uma direita que detém
o monopólio do capital financeiro e informacional, sem sombra de
dúvidas, pesa para um único lado.
Se Celso Russomanno (PRB) e o Pastor Feliciano (PSC) não tivessem sido
os deputados mais bem votados em São Paulo, e se o Rio de Janeiro não
tivesse escolhido Jair Bolsonaro (PP) em primeiro lugar, eu poderia
jurar que o deputado mais votado no Rio Grande do Sul, Luis Carlos
Heinze (PP), que declarou que “quilombolas, índios, gays e lésbicas:
tudo o que não presta” era um caso isolado de uma possível patologia
gaúcha. Mas infelizmente não é.
Desde junho de 2013, muito tem se falado em guinada à direita ou da
onda conservadora. O que poucos mencionam, no entanto, com a devida
clareza necessária, é que tem emergido uma multidão raivosa e fascista.
Há uma sequência de eventos que não podem ser analisados separadamente.
Primeiramente, logo após as Jornadas de Junho, veio o ódio e o racismo
destilado aos integrantes do rolezinho – ódio este que senti na pele por
ter sido agredida de todas as maneiras possíveis quando escrevi o
Etnografia do Rolezinho. Não me surpreendeu, portanto, que 82% da
população de São Paulo achassem que a força policial deveria agir para
impedir o movimento dos jovens – segundo revelou uma pesquisa da época.
Depois fomos brindados com o episódio da apresentadora do SBT Rachel
Sheherazade, que defendeu publicamente o linchamento do adolescente
negro e menor de idade que cometeu um assalto. Nessa linha, o aumento de
casos de gays espancados no Brasil acontece paralelamente a torcidas de
futebol que gritam “macaco, macaco”, e que trazem à tona uma população
que se solidariza mais com uma criminosa branca do que com o agredido
negro.
Dando apoio ideológico a esse circo de horrores, angariando milhões de
leitores com o sensacionalismo vulgar disfarçado de conteúdo, colunistas
das piores – mas igualmente poderosas – revistas do Brasil aplaudem
muitos desses eventos e estimulam a disseminação da mentira, ao inferir
que, se nada for feito, a ditadura comunista irá imperar sob o reinado
de pobres e gays. Controlando os aparatos hegemônicos da mídia e
disseminando mentiras, os grupos dominantes elegeram a mais conservadora
bancada de sua história – ato que não poderia ter sido plenamente
realizado sem a eclosão incontrolável de ofensas criminosas aos
nordestinos. Finalmente, mas não menos importante, o recente caso da
suspeita de ebola desvelou crimes de racismo, xenofobia e intolerância
humana de uma vez só.
O fascismo brasileiro é mais complexo do que o italiano ou o nazismo
alemão. Ele é mais difícil de identificar, possui um ódio mais
pulverizado direcionado uma massa ampla e difusa. É animado por uma
mídia suja, uma polícia violenta, um movimento religioso fanático e uma
elite sui generis que, na teoria, defende o liberalismo, mas na prática
age para defender privilégios.
Ao passo que os italianos e alemães viam seu povo como superior, o
fascismo idiossincrático à brasileira não idolatra a si próprio, mas sim
aqueles países que lhes barra na imigração.
A semente do fascismo tropical está presente em todas as classes, em
todas as regiões. Há quem diga que ele piorou após Junho de 2013. Há
quem acredite que sempre foi assim e que ele apenas mostrou sua cara
como tendência da polarização. Há quem diga que se trata apenas de um
resultado das leves mudanças das estruturas da profunda desigualdade
brasileira ou mesmo do limbo entre Junho de 2013 e as eleições de 2014.
Em qualquer uma das hipóteses, o germe do ódio está às soltas no Brasil
pronto para linchar física e moralmente todo aquele que não se enquadra
establishment masculino, branco, heterossexual, rico, bem-sucedido e
cheio de bens de consumo.
A ameaça comunista é uma mentira. A ameaça fascista é uma realidade.
Eu gostaria de encerrar minha coluna olhando para frente, elencando
algumas atitudes que me parecem urgentes para a esquerda, ou para todos
aqueles que entendem que a universalidade da humanidade está em sua
capacidade de produzir a diferença.
Primeiro, me parece fundamental não eleger Aécio Neves (PSDB), que se
alia às piores figuras dessa nova bancada. Isso não significa que as
alianças de Dilma Rousseff (PT) sejam menos sórdidas. A diferença é que o
PT ainda tem uma base forte calcada nos movimentos sociais. Para os
petistas à esquerda, o dever de casa é, depois do susto, lutar para
reconstruir suas antigas bandeiras. Para a esquerda não petista,
partidária ou anarquista, é preciso ampliar sua base popular. Em ambos
os casos, como eu disse há poucos dias nas minhas redes sociais, ficar
xingando a tudo e a todos de coxinha me parece uma estratégia burra para
quem é minoria neste País.
Contra a onda fascista, a esquerda precisa se fortalecer, se entender,
reconhecer suas fragilidades, ocupar os meios de comunicação de massa,
ampliar a base de diálogo, ouvir a população e falar para ela,
reconstruir seus heróis e lembrar que nenhum aparato dominante é mais
forte do que o genuíno sonho por justiça social.
*Agradeço a Bolívar Marcon Pinheiro Machado por este insight e a
todos/as que comentaram este tema recentemente em minhas redes sociais.
Publicado na Carta Capital
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