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sexta-feira, 1 de março de 2013
Um presente para o papa - Sobre Darcy, UnB, Jango, o PC e o Vaticano - Por Flávio Tavares
A coroação de Paulo VI [1963] havia tido, ainda, todo o fausto da opulência do poder medieval da Igreja... finda a cerimônia, o Papa recebeu, em audiência privada, a cada um dos chefes de Estado e deles recebeu presentes.
Jango ofertou-lhe uma caixa-estojo para as jóias vaticanas, esculpida em madeira nobre da Amazônia, austera e bela, sem dúvida o mais original dos presentes dados ao Papa.
O agnóstico Darcy Ribeiro teve a idéia e desenhou a caixa-estojo, executada na marcenaria da Universidade de Brasília pelas mãos hábeis do "seu" Manuel, "o gordo" Manuel Oliveira, que ele havia trazido de Minas Gerais. Em poucos dias, com a sua equipe de artesãos, o chefe da marcenaria concluiu tudo e o superego de Darcy cresceu ao ver aquela beleza.
Na biblioteca do Vaticano, ao recebê-la das mãos do Presidente do Brasil, o asceta Paulo VI olhou-a fascinado e pousou a mão direita sobre a tampa, como para tocar a maior selva do Planeta, transformada pela mão humana em caixa de jóias do Papa.
- Imploro a Deus para que continue a inspirar o autor desta obra de arte magnificamente bela! - disse o Papa, ao reter o olhar em cada detalhe, fazendo no ar o sinal-da-cruz sobre a caixa, como bênção.
No ano seguinte, Jango Goulart e Darcy Ribeiro já haviam partido para o exílio e eu estava ainda em atividade como professor da Universidade de Brasília, nos primeiros tempos da ditadura militar, quando "seu" Manuel contou-me "o segredo" da caixa de jóias de Paulo VI.
O chefe da marcenaria da UNB tinha orgulho do seu trabalho: durante três dias, quase sem dormir, havia serrado e esculpido um toro de pau-ferro, madeira dura das mais duras, resistente e insensível a cinzel e formão, para conseguir a forma e os traços. Os aprendizes lixaram, o Darcy trouxe o veludo vermelho-roxo do forro, as costureiras coseram as pregas. Antes de prender o forro com tachas de ouro, porém, “seu" Manuel teve a idéia de escrever "uma coisa" debaixo do pano almofadado, no fundo da caixa, uma espécie de marca.
- Ai eu me lembrei que, daqui a 150 ou 200 anos, as traças vão roer o forro de veludo e da caixa só vai restar a madeira, pois o pau-ferro é duro como aço, e o Papa e os cardeais vão ler tudo, lá no futuro. Fiz, então, um desenho com uma frase e gravei a fogo no fundo da caixa, num traço fino, parelho e nítido. Toda a equipe gostou e combinamos que era um segredo - disse.
Fez uma pausa e continuou:
- E fiquei imaginando a correria lá no Vaticano, daqui a uns séculos, com Papa, cardeal, padre, freira e até a Guarda Suíça espantados - explicou "seu" Manuel.
Perguntei, por perguntar, qual era o desenho e qual a escrita.
- A fogo, fiz bem bonita a foice e o martelo e escrevi "Viva o Partido Comunista", logo embaixo! - respondeu.
Em "O Dia em que Getúlio Matou Allende e outras novelas do poder", de Flávio Tavares.
Dica de Attila Vasconcelos
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