Quando Nelson Mandela ficou livre de
arbitrária prisão na África do Sul, ele priorizou uma tarefa: liquidar o
apartheid. Para isso, como ele escreveu na sua autobiografia, o seu
partido CNA deveria ser, naquele momento, uma generosa tenda a acolher
diversas correntes políticas.
Nenhuma diferença poderia ser mais
importante do que acabar com o apartheid. O pensamento progressista no
Brasil precisa refletir sobre o exemplo de Mandela.
Em 2018, poucos acreditavam que o obscuro e
obscurantista Jair Bolsonaro pudesse vencer as eleições. Mas ele
venceu, beneficiado por uma imensa crise de legitimidade e de
reconhecimento da população com o sistema político.
Após 18 meses de desvarios, omissões gravíssimas e denúncias diversas, Bolsonaro mantém razoáveis taxas de aprovação popular.
Recentemente, anova vitória da extrema direita na Polônia lembra-nos de que o ruim ainda pode piorar.
Segundos mandatos tendem a propiciar um sentimento
de aprovação e induzir a ousadias ainda maiores por parte de mentes despóticas. No caso brasileiro, o STF e o Congresso têm tido um peso decisivo para conter os arroubos de Bolsonaro. Terão força para resistir em um segundo mandato?
de aprovação e induzir a ousadias ainda maiores por parte de mentes despóticas. No caso brasileiro, o STF e o Congresso têm tido um peso decisivo para conter os arroubos de Bolsonaro. Terão força para resistir em um segundo mandato?
Se ficarmos presos à configuração política
que levou ao desfecho das eleições de 2018, provavelmente ele se
repetirá. É hora de olhar para o futuro.
O momento exige novas estratégias,
táticas, ideias. Uma “esquerda conservadora” é uma antinomia e é pouco
eficaz. Diante dos desafios, “esperar acontecer” é uma escolha que
minimiza os perigos que o extremismo bolsonarista implica.
O golpe como momento solene, à moda 1964,
foi substituído por um golpismo permanente, realizando destruições
sucessivas de instituições e de vidas, como as levadas pelo coronavírus.
No interregno (na acepção gramsciana) que
vivemos, valores fundamentais como democracia política, direitos dos
trabalhadores e liberdade de expressão estão ameaçados por violências,
ameaças e manipulações, como a promovida pelo “gabinete do ódio”.
Para uma nova estratégia capaz de superar o
interregno em uma boa direção, é essencial ampliar a audiência do
pensamento progressista, alcançando homens e mulheres não engajados em
movimentos ou partidos. Este é o mais importante “centro” a ser
alcançado. Ocorre que, para chegar até ele, alianças e modulações
programáticas são imprescindíveis. Quem tem clareza dos seus propósitos
não teme o diálogo com os diferentes.
Sem
renunciar a identidades históricas, precisamos unir e ampliar forças
para proteger a nossa Nação, a democracia, os direitos sociais, a
cultura e o meio ambiente.
Curioso notar que as disputas entre os
progressistas giram mais sobre fatos pretéritos do que sobre propostas
para o futuro. Portanto, é preciso priorizar mais o futuro dos cidadãos
do que o “julgamento” de erros do passado. Necessitamos de uma ampla
união progressista que livre o Brasil do bolsonarismo. Lulistas,
trabalhistas, socialistas, comunistas, verdes, social-democratas, todos
têm um grande papel.
Não podem, nem devem, deixar de existir. A
questão é mais simples: abrir portas e janelas para deixar os ventos da
Pátria varrerem mágoas. A forma jurídica que viabiliza a atuação
conjunta é uma decisão posterior e inevitável, na medida em que passaram
a vigorar regras proibitivas de coligações em eleições proporcionais e
instituidoras de cláusulas de desempenho.
Existem importantes experiências no
Uruguai, Chile, em Portugal, na África do Sul sobre federações
partidárias ou frentes reunidas em um partido. O debate mais importante,
entretanto, não é sobre a forma, é sobre o espírito que deve nos guiar.
Nenhuma diferença entre nós é mais
importante do que defender o Brasil do apartheid representado pelo
projeto bolsonarista. É tempo de caminhar com Mandela.
Flávio Dino é governador do Maranhão, foi juiz federal e deputado federal
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