O golpismo jamais precisou de maioria para prevalecer, por Antonio Lassance
GGN ter, 31/03/2015 - 07:30
Sugestão de Dani
da Carta Maior
Extrema direita cresce, envenena debate político e coloca em xeque avanços democráticos e dos direitos humanos
Antonio Lassance
Quem acha o golpismo pequeno e o extremismo minúsculo se esquece de que eles jamais precisaram de maioria para prevalecer.
Depois do dia 15 de março, há uma nova manifestação de direita convocada para o dia 12 de abril.
Há quem argumente que tais protestos devem ser encarados como normais, pois o golpismo e o extremismo são minoritários.A maioria dos que foram às ruas no dia 15 está apenas farta de "tudo isso".
Parece uma constatação bastante óbvia e inquestionável, principalmente se acompanhada de um inaceitável desconhecimento histórico de como funcionam o golpismo, a direita e seu extremismo.
Tudo parece normal quando se esquece o que aconteceu no Brasil em 1937, 1954 e 1964, quando o golpismo de uma minoria tomou o poder. Apenas em 1954 o golpismo foi derrotado, ainda assim às custas do suicídio de Vargas.
Fossem os golpistas maioria, eles não precisariam de golpismo algum. Ganhariam eleições. É próprio do golpismo e inerente à sua definição que ele signifique que governantes eleitos ou mesmo um regime político constituído por uma maioria seja pisado como a um verme por uma minoria ensandecida.
É próprio do golpismo tomar o poder enquanto minoria e usar a força justamente por faltar-lhe o mínimo consenso.
É próprio do extremismo, por sua vez, que ele ganhe terreno não por ter se tornado majoritário, mas por não contar com quem imponha resistência à altura a esses grupos de agressores.
Fossem os golpes majoritários, eles não precisariam, em sua maioria, que militares apontassem suas baionetas para massacrar adversários.
Tivessem sido os nazistas majoritários, eles não teriam se valido do incêndio do palácio do Reischtag, o parlamento alemão, em 1933, para a sua ascensão definitiva ao controle do Estado.
Se o golpismo precisasse mesmo ser majoritário e o extremismo benquisto, a Espanha não teria amargado décadas de franquismo.
No Chile, a insatisfação contra Allende teria aguardado a eleição seguinte para se manifestar. Augusto Pinochet sequer seria aceito por qualquer partido decente, nem ganharia mais que um punhado de votos.
O presidente João Goulart era muito popular em 1964, muito mais que a presidenta Dilma é no atual momento. De cada 10 brasileiros, apenas 2 reprovavam o governo Jango.
Quem acha o golpismo pequeno e o extremismo minúsculo se esquece de que eles jamais precisaram de maioria para prevalecer. Sempre se valeram não de grande adesão, mas apenas de uma grande insatisfação e de uma imensa anomia.
Insatisfação e anomia; revolta e decepção; a intolerância de uns e a indiferença de muitos - bastam tais ingredientes para que a direita e mesmo seus extremistas ameacem tomar conta da situação.
O rumo de manifestações políticas de massa é sempre dado não pela média dos que dela participam, mas pelas iniciativas dos que as convocam e conduzem.
O que se viu no dia 15 de março e se verá reeditado no dia 12 de abril são manifestações de insatisfeitos liderados por grupos de direita e alguns de extrema direita.
Golpismo e extremismo prosperam quando as pessoas passam a acreditar que sua participação vale pouco; que seu voto vale nada; que seus líderes são fracos ou os abandonaram.
O poder de grupos direitistas, alguns de caráter extremista - reacionários em suas concepções, agressivos em seus discursos, violentos no confronto com adversários - cresce à medida em que aumenta a insatisfação não apenas com os governos, mas com a política, com as instituições de uma democracia ainda pouco participativa e com novos direitos que trouxeram para a sala de estar da cidadania aqueles que sempre foram tratados a pontapés.
Não à toa, o ódio dos extremistas orienta-se a abominar direitos que tornam regra proteger e incluir setores excluídos. Setores que sempre foram tratados como marginais.
O extremismo é apenas a forma mais obtusa de transformar meticulosamente a frustração em revolta contra partidos, contra instituições democráticas e contra grupos e pessoas que pensam diferente, de modo a criminalizá-las e a buscar exterminá-las política ou mesmo fisicamente.
Faz parte da lógica do extremismo disseminar um sentimento - este sim, muito popular - de que as instituições estão podres, de que os partidos são todos organizações falidas e que eleições não passam de enganação.
Quando um raciocínio dessa espécie a muitos também parece uma constatação bastante óbvia, é sinal de que palavras como democracia e direitos humanos estão em baixa e que seu oposto, o extremismo, mesmo minoritário em termos de adesão explícita, está em alta e com poder de iniciativa.
A História é farta de exemplos de como coisas vistas por muitos como normais reproduzem fenômenos políticos da pior espécie. Fenômenos que, de início, afiguram-se tão estúpidos que muitos consideram que não se deveria dar a eles qualquer relevância.
O grande problema é que, quando eles se tornam riscos óbvios e incontestáveis, aí já pode ser tarde demais.
Um país que conhece minimamente sua própria História não deveria jamais admitir que manifestações comandadas por grupos explicitamente golpistas e extremistas sejam consideradas normais, democráticas e inofensivas.
O desrespeito ao voto, ao devido processo legal e aos direitos humanos não é algo normal, não é nada democrático e está longe de ser inofensivo. Merece o mais ferrenho combate com as armas da crítica, antes que essa seja ameaçada pela crítica das armas.
(*) Antonio Lassance é cientista político.
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